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Paulina Chiziane festeja prémio com povo enquanto os "sábios" recuperam

Paulina Chiziane, a primeira escritora africana a vencer o Prémio Camões, continua a celebrar este galardão junto do povo, mesmo dos que não sabem ler, ao mesmo tempo que os "que se acham mais sábios" ainda recuperaram do choque.

Paulina Chiziane festeja prémio com povo enquanto os "sábios" recuperam
Notícias ao Minuto

09:01 - 17/05/22 por Lusa

Cultura Prémio Camões

"Uma boa parte daqueles que se julgam os mais conhecedores, os mais sábios, sempre me olharam assim com aquele arzinho de doutor, eles no pedestal e eu sempre no chão - sempre gostei de pôr os pés no chão - e foi uma surpresa, um choque para alguns deles, mas ainda bem que foi assim, porque na verdade eu escrevo em português", disse, em entrevista à agência Lusa, em Lisboa, onde se encontra a realizar um conjunto de atividades sobre a sua obra.

A autora reconheceu que nunca imaginou existirem tantas pessoas tão interessadas em ouvi-la e em ler o que escreveu e só lamenta não ter braços para "os abraçar a todos", os que vivem em África, Portugal, Brasil e em outros países que não falam português.

O que mais a surpreendeu foi "a celebração popular" e até de pessoas que não sabem ler, "porque as pessoas sempre olharam para o Prémio Camões como uma coisa muito distante dos africanos, sobretudo das pessoas de raça negra".

"Sou a primeira pessoa de raça negra, negra bantu, a receber o prémio", disse, contando que "as pessoas sempre olharam para este prémio com uma distância", como "o prémio dos outros".

"Se [o vencedor] não é um branco, vai ser um mulato, mas negro e ainda por cima mulher...", afirmou, referindo-se à forma como o galardão era visto.

E prosseguiu: "Agora, em todas as caminhadas, nós encontramos aqueles durões que acham que são os donos da língua portuguesa e são os donos da sabedoria".

Paulina explica que, embora tenha estudado o português, que é a sua segunda língua, pertence a uma cultura bantu. "É lógico que a estrutura da língua portuguesa que eu falo vai ser uma mistura de duas culturas. E eu sempre defendi isto e muitas vezes os puristas da língua, moçambicanos, negros, académicos e alguns achavam que uma boa língua portuguesa tem que ser falada, mesmo à portuguesa".

"E eu dizia: calma aí! E a estrutura da minha língua bantu, onde é que fica? A estética bantu, onde é que fica? Não vou deitar fora as minhas heranças. Eu sou produto da cultura bantu e sou produto desta cultura que veio com a Europa e que se impôs na minha terra. A língua portuguesa é minha e eu vou usá-la como eu quiser", salientou.

Conta que "a língua portuguesa, que tem origens na Europa e que traz consigo a cultura da Europa", está em África, onde "foi imposta".

"Nós aceitamos porque é um instrumento muito útil e muito importante. Mas esta língua não penetra tão bem no nosso mundo. Isto é, podemos comunicar-nos, mas existem alguns aspetos da nossa essência, da nossa fauna, da nossa flora e dos nossos mares".

A escritora considera que "a grande crítica que se faz aos escritores africanos, de língua portuguesa ou não, é que os africanos não sabem nomear as flores, só dizem as flores; não sabem nomear os pássaros, porque só dizem os pássaros dos passarinhos".

Segundo a autora, isso deve-se ao facto de a flora tropical moçambicana ser diferente da flora europeia: "Cada língua, cada cultura, sabe nomear as suas flores e suas plantas".

"Por vezes eu digo: Nós, como moçambicanos ou os africanos em geral, temos uma coisa muito boa, temos as nossas línguas maternas e depois aprendemos o português para nos comunicar com os outros. Depois aprendemos o francês, o inglês para trabalhar. Acabamos ficando poliglotas".

Ou seja, "os africanos, em termos de línguas, têm um património por vezes maior do que o património de Portugal ou da Europa, porque quase todo o africano é obrigado a conhecer mais do que uma língua".

Sobre os próximos temas da sua obra, Paulina promete insistir no que mais gosta: a vida e a existência.

"Eu acho que nós, como seres humanos, estamos deslocados da nossa própria humanidade".

E dá o seu exemplo: "Eu sou africana, mas estou distante da África, apesar de estar a viver em África; é como se eu estivesse proibida ou fosse proibida por alguma lei de ser africana. Nasci num tempo em que não podia falar a minha própria língua. Estou a viver numa sociedade que olha para África como este lugar, não sei, de inferno ou inexistente. Estou a viver num mundo em que um africano não pode expressar a sua religiosidade e às vezes tem vergonha da sua própria raça, do seu cabelo e da sua maneira de ser. Este é o mundo que nós herdamos desses conflitos e dessas pirâmides que o mundo entende que deve construir para classificar seres humanos".

É então que, "de vez em quando", sente "uma vontade de contribuir para uma reflexão sobre tudo isso e tentar entender as razões pelas quais o mundo está tão desequilibrado".

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