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"É um grande desafio uma carreira nas artes que seja sustentável e longa"

Natural de Angola, a cantora Aline Frazão mudou-se para Lisboa aos 18 anos para estudar Ciências da Comunicação. Conta já com quatro álbuns publicados e em março sairá o quinto.

"É um grande desafio uma carreira nas artes que seja sustentável e longa"
Notícias ao Minuto

08:13 - 16/02/22 por Beatriz Maio

Cultura Entrevista

Aline Frazão, de 33 anos, é uma artista angolana que nasceu e cresceu em Luanda. Aos 18 anos veio estudar Ciências da Comunicação na Universidade Nova de Lisboa e, mais tarde, fez a vida entre Portugal e Espanha durante 10 anos, altura em que construiu a sua carreira. 

Não só é cantora. É também compositora, guitarrista e produtora, sendo as suas influências a música africana e o jazz. Define-se como uma pessoa aventureira, adepta do conceito de multidisciplinaridade, que gosta de viajar entre várias áreas além da música.

Lançou o primeiro álbum, de nome ‘Clave Bantu’, em dezembro de 2011, o segundo - ‘Movimento’ - em 2013, o terceiro - ‘Insular’ - em 2015, o quarto - ‘Dentro da Chuva’ - em 2018 e o quinto, que se chama ‘Uma Música Angolana’, sairá em março. Além do trabalho na música, escreve ensaios, ficção, crónicas, faz parte de um projeto de teatro e fez ainda a banda sonora de um filme.

O que a inspirou na criação deste novo álbum? 

Todos os meus álbuns estão relacionados uns com os outros, simultaneamente em continuidade e em contraste. O anterior, ‘Dentro da chuva’, foi gravado no Rio de Janeiro e era um álbum a solo, era apenas a voz e a guitarra ou a voz e o violão. Era muito intimista, até o concerto em que era só eu em palco. Quando acabou a tour desse álbum, em 2020, comecei a desenhar o que seria o próximo álbum e tinha muita vontade de regressar a um som de banda.

Este é um disco muito rítmico, é uma celebração do encontro, o que calha muito bem nesta altura em que estamos a sair de uma pandemiaMesmo antes da pandemia, já tinha vontade de fazer um disco que tivesse um som cálido, que representasse um reencontro com todos os ritmos de que gosto, ritmos que me apaixonam realmente. Este é um disco muito rítmico, é uma celebração do encontro, o que calha muito bem nesta altura em que estamos a sair de uma pandemia que nos obrigou a lidar com o distanciamento social e a criar uma relação digital de afetos.

Fiz este disco a pensar no espetáculo, na possibilidade de reencontro com o público ao vivo, na necessidade de voltar a olhar nos olhos e a sentir a presença das pessoas. Neste disco, tento fazer com que se sinta com o corpo, a dança, o ritmo, o calor e essa possibilidade de não só fazer junto – visto que neste caso é um disco que foi feito em conjunto com outro músicos - mas também sentir junto ao vivo, nos espetáculos.

O disco conta com a participação do artista angolano Nástio Mosquito, do cantor brasileiro Vítor Santana e da violoncelista alemã Suzanne Paul. Como foi juntar várias nacionalidades para a produção de música angolana?

Vivi em muitos lugares, sou uma pessoa muito curiosa e aberta. A questão das fronteiras… elas são muito inventadas. Quando falamos de ritmos africanos, por exemplo, não falamos só do continente africano, falamos de todo o continente americano e mesmo da Europa, porque hoje em dia há cidades europeias que têm uma presença africana muito grande, nomeadamente Lisboa.

Todos estes músicos que gravaram comigo ou fazem parte da minha banda vivem em Lisboa. O Mayo é um baixista angolano que mora em Lisboa já há alguns anos, o baterista Marcelo Araújo é brasileiro, mas mora no Algarve, o Marco Pombinho é de Lisboa e o Diogo Duque é de Trás-os-Montes. Esta banda foi formada antes da gravação do álbum, fizemos uma tour antes de começar a pandemia e enamorámo-nos uns dos outros, gostámos imenso de tocar juntos, por isso é que costumo dizer que o álbum surgiu do ao vivo, veio do palco. Ao fazer essa tour com estes músicos, comecei a imaginar, como produtora musical, qual seria a sonoridade que iria querer para este discos. 

Há algumas colaborações como Yasmane Santos, que é um percussionista cubano que gravou desde Luanda; Nástio Mosquito, angolano que vive em Bruxelas; Vítor Santana que gravou uma participação vocal em Belo Horizonte, no Brasil; Suzanne Paul gravou violoncelo em Berlim e o Toty Sa'Med, que é meu parceiro na música há muito tempo e gravou em Lisboa connosco.

A ideia foi juntar amigos, descomplicar. No meio de um contexto pandémico tentamos gravar de forma segura, com um grupo pequeno, e confortável. Tentamos sair do espaço mental de restrições e mudar para um espaço de criatividade, de invenção, de exploração, o que é muito difícil. Mas conseguimos criar esse ambiente em estúdio e o álbum tem essa naturalidade, essa espontaneidade. Os participantes no álbum são todos amigos.
 
Outras pessoas estiveram também envolvidas neste trabalho. Como surgiu a ideia do fadista Ricardo Ribeiro compor uma canção para um poema de Pedro Homem de Melo?

Estive presente num encontro em que Ricardo Ribeiro cantou a ‘Valsa da libertação’ e fiquei fascinada, talvez pelo ritmo da música, que me fez imaginar uma versão completamente diferente da que ouvi. Falei com o Ricardo e disse-lhe que adorava fazer outra versão, levamos a música a estúdio e fizemos uma versão muito 'jazzística', que é completamente diferente da proposta do Ricardo. Sinto que é uma música incrível que nos consegue 'puxar para cima'.

‘Luísa’ foi o primeiro single a ser revelado. Alguma razão em especial?

Este foi o primeiro tema que a banda começou a ensaiar, foi dos temas que, quando escrevi, senti que tinha muito potencial de single. Este álbum - ‘Uma Música Angolana’ - acaba por ser uma reflexão de ‘eu como mulher na música’. ‘Música’ surge como feminino de músico, questiona o espaço das mulheres nesta área, não só como cantoras, mas como compositoras e produtoras.

‘Luísa’ é uma música especial, mostra uma personagem fictícia - uma colagem de várias mulheres inspiradoras – que representa uma sensação coletiva do sexo feminino baseada em viver sobre uma constante autoexigência muito grande, uma necessidade de fazermos muito melhor do que os outros para termos um espaço, como se tivéssemos que ser excecionais e não errar, principalmente quando estamos num espaço profissional que é dominado homens. Por vezes, uma mulher para ter destaque tem que ser espetacular. 

O que representa? Qual a ideia por de trás desta letra e videoclipe?

O videoclipe é uma expressão de liberdade, a ideia de que não temos que exigir tanto de nós. Eu adoro dançar e nunca tinha feito um videoclipe a dançar porque achava que para isso tinha que ser uma bailarina profissional, apesar de ter dançado até aos 18 anos. Queria soltar-me, usar o meu corpo de uma forma livre, não me policiar a mim mesma. Penso que muitas vezes nos policiamos em demasia, somos demasiado preocupadas com o que os outros vão pensar e não somos tão simpáticas, tão amáveis connosco próprias como deveríamos.

A canção tem, por um lado, essa injeção de autoconfiança e, por outro lado, transmite a necessidade de haver mais mulheres com voz, mais mulheres a escrever, a contar as suas histórias, a cantar estas canções, a dançar estas danças. É um coletivo de ocupação do espaço público e de respeitarmos a nossa própria voz e a voz umas das outras. 

Gostei muito de escrever a letra, do arranjo, do ritmo da canção. Já tinha essa ideia de dançar no videoclip e de brincar com os patins, pareceu-me uma ótima forma de apresentar este novo disco. Embora haja muitas músicas bonitas no álbum, esta é uma música muito solar, tem um lado divertido, imaginativo, que é um universo que me parece bonito de partilhar. 

Notícias ao Minuto Aline Frazão© D.R.  

De que forma pretende fazer chegar a música angolana ao coração dos portugueses?

Com muita simplicidade, com pouca pretensão. Sei muito bem o quão difícil é conseguir a atenção das pessoas hoje em dia, numa sociedade que compete por cada segundo da nossa atenção. Sempre trabalhei em todos os álbuns e espetáculos em tentar criar laços, um vínculo orgânico. Sinto que é tudo muito rápido, o número de visualizações, os seguidores… Não sou muito dada a isso, gosto de conquistar as pessoas pelo coração, pela conexão humana. O trabalho bem feito é também importante, vamos trabalhar muito para esses concertos e queremos que o concerto seja lindo. Tenho muita vontade de cantar estas músicas para pessoas das quais eu discordo politicamente, por exemplo, que têm ideias diferentes das minhas. 

A ideia é tentar sair das nossas micro bolhas políticas, dos nossos pequenos mundinhos que estão tão condicionados, tantas vezes, por fatores que nem nos apercebemos. A música tem poder de ligar, podemos encontrar numa multidão que assiste a um concerto pessoas que pensam de formas diferentes sobre a vida e o que está a acontecer no mundo, mas todos podemos celebrar juntos. A música e a cultura terão um papel muito grande de reaproximação nos próximos anos.

O que se pode esperar da Aline no futuro? Quais as suas ambições?

Quero continuar. É um grande desafio ter uma carreira nas artes que seja sustentável e longa e sempre tive essa vontade, assim como que o meu trabalho vá refletindo o que eu gosto de fazer. É um luxo poder fazer o que se gosta, a música que se gosta, sem ceder à tentação de nos encaixarmos no melhor título ou na melhor imagem ou na moda. 

Quero que a minha música seja o que eu sinto em cada momento. Tenho muita vontade de fazer outras coisas, como escrever, explorar projetos relacionados com as artes cénicas, continuar a explorar outras formas de expressão artística e manter-me viva.


Próximos concertos em Portugal:
Dia 26 de março no auditório de Espinho e, em Lisboa, no dia 20 de abril no teatro Maria Matos 

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