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Solidária com homóloga brasileira, Cinemateca lusa critica Bolsonaro

A Cinemateca Portuguesa solidariza-se com a sua homóloga brasileira, devastada por um incêndio na passada quinta-feira, e anuncia para setembro o seu "primeiro ato público de solidariedade" com a instituição, localizada em S. Paulo.

Solidária com homóloga brasileira, Cinemateca lusa critica Bolsonaro
Notícias ao Minuto

19:59 - 03/08/21 por Lusa

Cultura Cinemateca Portuguesa

"Outros [atos] se seguirão regularmente, numa vigília dedicada àquela instituição e ao cinema brasileiro, até que os nossos colegas de São Paulo possam retomar o lugar e a ação que lhes compete", escreve a Cinemateca Portuguesa, que não isenta o Governo de Jair Bolsonaro de críticas, ao ter demitido, em agosto do ano passado, a equipa da Cinemateca Brasileira, deixando ao "abandono" um património fílmico "inestimável".

"O património cinematográfico não tem fronteiras, o que converte qualquer cinemateca do mundo num elo insubstituível de uma cadeia maior, que não pode ser quebrada sem que haja consequências para o património mundial", lê-se no comunicado hoje divulgado, no qual a Cinemateca Portuguesa realça que a Cinemateca Brasileira se tinha tornado, há muito, "uma referência, não só no continente sul-americano, mas também no contexto mundial de salvaguarda do património cinematográfico".

A Cinemateca Portuguesa crítica a suspensão da atividade da cinemateca paulista, decidida pelo Governo de Jair Bolsonaro, em 07 de agosto do ano passado.

No comunicado, assinado pela direção da Cinemateca Portuguesa - José Manuel Costa e Rui Machado -, afirma-se que o incêndio da passada quinta-feira "não pode ser visto como mais um 'acidente' trágico com perdas patrimoniais, mas um autêntico desastre anunciado, para o qual a equipa da Cinemateca Brasileira, que nunca desmobilizou, insistentemente alertou as autoridades" do seu país.

A Cinemateca Brasileira encontrava-se numa "inédita e gravíssima situação de exceção imposta pelo Governo brasileiro", que a impedia de "funcionar e de cumprir as mais elementares funções de salvaguarda que lhe estão consignadas". 

"Na sequência de medidas político-administrativas cegas que começaram por quase paralisar a instituição (em nome de supostas 'reformas' que, na prática, apenas fizeram retroceder o apoio do Estado federal obtido em 1984, chegando ao ponto de excluir a instituição da tutela do Ministério da Cultura e gerando um total vazio de apoio governamental), a atividade [da Cinemateca Brasileira] foi suspensa por inteiro no dia 7 de agosto de 2020, altura em que a equipa então remanescente foi demitida", pelo Governo de Brasília, "e formalmente impossibilitada de aceder às instalações", recorda a instituição portuguesa.

Deste modo, "nenhum técnico de arquivo pôde sequer verificar o estado de coleções e equipamentos de conservação, permanecendo a integralidade das coleções patrimoniais sem qualquer ato de vigilância ou de simples verificação por parte de alguém com conhecimento de causa. Desde praticamente há um ano, o que era uma situação de crise imposta", sublinha a Cinemateca Portuguesa.

O museu português do cinema faz eco de um movimento internacional de solidariedade e coloca-se ao lado dos trabalhadores da Cinemateca Brasileira que, "com toda a propriedade e justiça", se referiram a este incêndio, no seu Manifesto, como "um crime anunciado!".

"Quantos mais poderão ainda ocorrer?", questiona a Cinemateca Portuguesa, sublinhando o abandono a que foi deixada a sua congénere brasileira, pelo Governo federal de Jair Bolsonaro.

O fogo de julho afetou as instalações onde estavam "guardadas importantes coleções de filmes (cópias em película de 35mm de filmes brasileiros e estrangeiros, mas também matrizes de conservação de documentários e jornais de atualidades), documentos bibliográficos inestimáveis da história do cinema no Brasil (parte dos arquivos de extintos órgãos estatais de cinema, como o da empresa Embrafilme, e de acervos entregues à Cinemateca Brasileira como era o caso do arquivo 'Tempo Glauber' dedicado à memória [do realizador, ator e escritor] Glauber Rocha [1939-1981, por duas vezes distinguido no Festival de Cannes], e ainda coleções de aparelhos de interesse museológico". 

"Este é o terceiro desastre ocorrido na Cinemateca Brasileira nos últimos cinco anos", assinala a Cinemateca Portuguesa, referindo um incêndio em 2016, "num outro depósito para materiais fílmicos muito inflamáveis, situado no complexo principal", tendo destruído 500 obras cinematográficas, e uma inundação em 2020, que afetou o mesmo local do recente incêndio.

Para a Cinemateca Portuguesa a situação da sua congénere brasileira é "incompreensível e absolutamente inaceitável" e lança um "novo e veemente alerta sobre os perigos de sobrevivência estrita do património ao cuidado da Cinemateca Brasileira".

"Manifestamos a nossa inteira solidariedade para com os seus trabalhadores, e declaramos a nossa intenção de levar a cabo iniciativas públicas regulares de apoio à instituição", lê-se no comunicado da instituição portuguesa.

Diversas personalidades do cinema brasileiro também lamentaram os prejuízos causados pelo incêndio na noite de quinta-feira passada, que terá sido originado num acidente durante uma manutenção do ar condicionado, e responsabilizaram o Governo de Jair Bolsonaro, que tutela a instituição.

"Já se sabia que isso poderia acontecer devido à omissão do Governo federal na gestão da Cinemateca. Isso é um crime", escreveu nas redes sociais ???????a atriz e realizadora brasileira Bárbara Paz.

Além de dezenas de atores e realizadores, o governador de São Paulo, João Doria, um dos principais rivais políticos do Bolsonaro no campo conservador, também afirmou que o evento é fruto do "desprezo pela arte e pela memória do Brasil", do atual presidente.

O desastre, frisou Doria, representa "a morte gradual da cultura" brasileira.

A Cinemateca Brasileira junta-se a uma longa lista de instituições e entidades culturais que têm sido alvo das chamas no Brasil, onde os cortes no orçamento na área da Cultura se intensificaram nos últimos anos.

Fopi o caso do Museu Nacional do Rio de Janeiro, o mais antigo do país, destruído por um incêndio em 2018, e o Museu da Língua Portuguesa, em 2015, na Estação da Luz de São Paulo, paradoxalmente reaberto no sábado passado, após seis anos de obras.

O Ministério Público brasileiro alertou recentemente o Governo de Bolsonaro para os possíveis riscos enfrentados pela Cinemateca Brasileira, depois de, no ano passado, ter aberto um processo para apurar o abandono da instituição pelo Executivo, ao não renovar o contrato com a entidade que a administrava.

A Cinemateca Portuguesa reclama o regresso dos trabalhadores da sua homóloga brasileira "aos seus postos, para proteger as coleções que só eles podem e sabem proteger". Coleções "que são em si mesmas o resultado da ação continuada deles próprios, e de várias gerações de grandes obreiros deste trabalho incessante que os antecederam".

"A paralisação da Cinemateca Brasileira tem de ser sustida", escreve a Cinemateca Portuguesa.

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