Uma peça "agora muito pertinente", já que "nesta altura estamos num país mais ou menos dividido, com discursos de ódio e esta necessidade de ação, em vez de esperarmos que chegue alguém que nos venha salvar a honra, um redentor", frisou a encenadora à Lusa.
A peça volta a ser posta em cena pelo TEC, 48 anos depois de Carlos Avilez a ter encenado pela primeira vez.
Natália Correia "partiu de uma espécie de 'mito sebástico' para fazer uma espécie de um aviso de que é preciso agir agora, [em vez de estarmos] à espera de um salvador", disse Ana Nave à Lusa.
Publicada em 1969, em plena ditadura, a peça 'O Encoberto' conta a história de Bonami, rei que se faz passar por D. Sebastião, que tinha por cognome o Desejado ou o Encoberto.
Censurada e proibida pela PIDE, a polícia política, Natália Correia escreveu a Marcelo Caetano, então presidente do Governo, a pedir que a peça fosse levada à cena, por Carlos Avilez, o que não aconteceu.
Só em 1977, três anos após a queda da ditadura, Carlos Avilez encenou 'O Encoberto'.
A história critica um povo iludido e crente, que se recusa a encarar a realidade, assim como uma falsa nobreza que só pensa em dinheiro.
O relatório da censura, de 1970, dizia: "Trata-se do desenvolvimento em estilo 'paródia' de assunto histórico, com não poucas pinceladas pornográficas, à maneira de 'Natália Correia', com alusões ao povo português ou a figuras históricas com expressões de chacota e uma clara intenção de ridicularizar".
A peça que sobe ao palco do Teatro Municipal Mirita Casimiro, no Estoril, é feita com 41 alunos finalistas da Escola Profissional de Teatro de Cascais e os últimos alunos de Carlos Avilez (1939-2023), fundador e diretor do TEC até à morte.
Por isso, "ganha um significado maior e uma atualidade, já que tem sido muito interessante debater e refletir sobre [a obra}", disse Ana Nave.
A peça "tem uma narrativa que é sobre um Portugal e sobre uma história que é cíclica, que se repete muitas vezes e, sobretudo, [sobre] esta responsabilização de termos um papel na História. Não deixar que nos deem um papel, mas procurá-lo e agir", frisou a encenadora.
'O Encoberto' conta ainda com um prólogo da autoria de Miguel Graça, que assinou a dramaturgia, a nova versão para palco, e que carrega para o texto o conceito de 'Mátria' de Natália Correia, "neste amor ancestral que as mulheres trazem, de que temos de nos encontrar todos", e recusar "um mundo de ódios e de violência", disse.
"Também porque o papel das mulheres continua a ser fundamental neste equilíbrio como queremos viver", acrescentou.
Com versão de Miguel Graça e encenação de Ana Nave, a peça tem cenografia e figurinos de Fernando Alvarez, desenho de luz de Tassos Adamopoulos, música original de Manuel Paulo, coreografia de Rita Spider e voz de Ana Ester Neves.
A interpretar estão Luiz Rizo, Sérgio Silva, Teresa Côrte-Real e os alunos finalistas da Escola Profissional de Teatro de Cascais.
A peça pode ser vista até 27 de julho, com sessões de terça-feira a sábado, às 21 horas, e, ao domingo, às 16 horas.
Entretanto, o TEC mantém aberto o concurso para a 3.ª edição de Texto de Teatro, destinado a premiar uma peça inédita de um autor em língua portuguesa, com tema sobre a identidade.
Os textos a concurso, que terão de ser assinados com pseudónimo, podem ser entregues em mão no Teatro Municipal Mirita Casimiro, no Estoril, ou enviados por correio para a morada do teatro.
O texto premiado, cujo autor receberá um montante de 5.000 euros atribuído pela Fundação D. Luís, será posto em palco pelo TEC em 2026.
O título da peça premiada bem como o seu autor serão revelados em 07 de dezembro próximo, no 'site' e nas redes sociais do TEC.
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