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"A única coisa que Rui Rio traz à liderança do PSD é uma cara nova"

Jamila Madeira é a entrevistada de hoje do Vozes ao Minuto.

"A única coisa que Rui Rio traz à liderança do PSD é uma cara nova"
Notícias ao Minuto

24/01/18 por Pedro Filipe Pina

Política Jamila Madeira

Rui Rio é o novo líder do PSD. Embora tenha chegado a dizer que um governo de bloco central era possível só em "situações extraordinárias", os críticos do ex-autarca não deixaram de lhe apontar uma maior proximidade a António Costa. Mas será que para o PS a chegada de Rui Rio é suficiente para mudar a Geringonça?

Para a deputada socialista Jamila Madeira, as expetativas sobre o que o mudou no PSD não são as maiores. Do que viu até ao momento, "a única coisa que podemos dizer que o Rui Rio traz à liderança do PSD é uma cara nova. Ok, é uma cara nova".

Já sobre a Geringonça, a antiga líder da Juventude Socialista diz que "os resultados têm sido positivos", apesar dos "constrangimentos" do país. Será receita política para manter? "Não consigo falar por eles mas acho que os nossos parceiros estão disponíveis para isso", diz-nos.

Foi no ano 2000 que Jamila Madeira conquistou a liderança da Juventude Socialista, assumindo o seu papel de destaque entre a geração mais nova do partido. Um ano antes, em 1999, com 24 anos, a filha do deputado Luís Filipe Madeira da extinta Assembleia Constituinte assumia-se como a mais jovem deputada da Assembleia da República.

A juventude na política foi abrindo a porta à experiência. Depois de ter passado seis anos pelo Parlamento Europeu, é como deputada que Jamila Madeira se senta à conversa com o Notícias ao Minuto, na biblioteca da Assembleia da República, agora conhecida como Biblioteca Passos Manuel.

Estamos em 2018. Muito se falou sobre a dificuldade que o PS teria em manter o Governo só com apoio parlamentar à Esquerda. A durabilidade da chamada 'geringonça' surpreendeu-a?

A construção de maiorias parlamentares que sustentam um Executivo é algo muito importante. É daí que a vida parlamentar e o reforço da democracia surgem. E este é um bom exemplo. Não posso dizer que me surpreende: acho que é assim que deve funcionar a democracia. Claro que este era um caso que há muito não se vivia no nosso país mas podemos dizer que tem funcionado bem, com compromissos e com resultados, quer para a economia, quer para a democracia, quer para o país.

O PS sempre disse em diferentes momentos, desde 2011, que a solução não era aquela preconizada pelo anterior governo. E agora tivemos oportunidade de, com ações concretas do Executivo, demonstrar que tem sido possível.

Parceiros têm percebido quando há dificuldades e têm apoiado as medidas possíveis. É a teoria dos pequenos passosCom a reposição de rendimentos e a reversão de várias medidas do tempo da troika já levadas a cabo, há o risco de a "plataforma de entendimento" da 'geringonça' estar a precisar de novos acordos?

Os compromissos foram de legislatura e assim esperamos que seja possível. O Governo tem mostrado esse sinal e essa vontade, os parceiros também, têm percebido quando há dificuldades e têm apoiado as medidas possíveis. É a teoria dos pequenos passos.

Como assim?

É uma técnica de gestão da vida política que era muito utilizada no espaço europeu. Para conseguir a unanimidade entre todos os estados-membros, só se conseguia avançar em pequenos passos. E a Europa avançou muito assim. Aqui em Portugal, agora com esta maioria parlamentar, e com as restrições com que chegámos ao Governo, tem sido possível avançar mas também na teoria dos pequenos passos. E acho que neste momento, em 2018, as pessoas já sentem que se avançou muito. Mas, como tudo, o nosso objetivo ainda está longe. Queremos continuar a melhorar a vida dos cidadãos, dentro dos constrangimentos que vivemos. E acho que há todas as razões para prosseguirmos. Não consigo falar por eles mas acho que os nossos parceiros estão disponíveis para isso.

Como é que a bancada do PS vê a chegada de Rui Rio à liderança do PSD?

Rui Rio tem a vantagem de não ter sido primeiro-ministro. Foi presidente de câmara muitos anos e a sua gestão é conhecida mas, de qualquer forma, dos debates e da discussão que houve entre os candidatos, não se vislumbrou nenhuma verdadeira mudança de visão. Há, na prática, um regresso à teoria da austeridade de que “não há alternativa”. A forma pode ser um bocadinho diferente mas é a mesma, dura e restritiva. A única coisa que podemos dizer que o Rui Rio traz à liderança do PSD é uma cara nova. Ok, é uma cara nova, mas em termos de perspetiva de mudança de linha política...

São conhecidas as boas relações entre Rui Rio e António Costa mas isso não altera as divergências em termos de visão sobre como gerir o paísNão o vê mais ao centro do que Passos Coelho?

Daquilo que também conheço e conheci aqui na Assembleia de Rui Rio enquanto deputado, talvez ele seja um bocadinho mais próximo do centro, na perspetiva dos valores. Mas isso nem sequer esteve no debate entre os dois candidatos. Não é tema da agenda do PSD. Não vejo que possa haver uma alteração de fundo nessa matéria. São conhecidas as boas relações entre o atual líder do PSD e o primeiro-ministro mas isso não altera as profundas divergências em termos de visão sobre como gerir o país.

Rui Rio defende que a solução de um bloco central só deve surgir em “situações extraordinárias”. Mas há quem sugira que estaria mais disponível para negociar com Costa. É possível em 2019 a ‘geringonça’ dar lugar a um Executivo de bloco central?

Perante este cenário… Ou há uma grande alteração por parte do PSD ou não vejo sequer a questão a ser colocada, até porque com os parceiros de Esquerda os objetivos que foram colocados têm vindo a ser cumpridos e não há razão para considerar que é preciso alterar essa estratégia.

Acho que tem havido alguma sobranceria dos CTT, não cumprindo os compromissos que assumiuNo passado criticou o governo PSD/CDS pelo papel nas privatizações. Como é que viu o anúncio recente de encerramento de balcões dos CTT? Pergunto-lhe até porque um dos balcões que deverá fechar é em Loulé, de onde é natural.

Sempre considerei que esta privatização seria negativa se não fosse muito bem acautelado o interesse dos cidadãos. E quando a diretiva que abriu a porta a esta privatização foi discutida, tivemos oportunidades de, em Bruxelas, pressionar para que toda a parte de interesse do cidadão, como a distribuição em sítios mais inóspitos, que é um direito de acesso a estas comunicações, fosse salvaguardada. A diretiva prevê isto em texto mas depois cabe às entidades reguladoras terem um papel. Acho que tem havido alguma sobranceria dos CTT ao fechar e a tentar garantir de outra maneira à entidade reguladora, mas não cumprindo os compromissos que assumiu. E isso não é aceitável.

Notícias ao MinutoApós seis anos no Parlamento Europeu, Jamila Madeira é agora deputada do PS na Assembleia da República© Blas Manuel/Notícias Ao Minuto

O Governo tem margem para negociar este encerramento de balcões?

Essa negociação não é feita diretamente pelo Governo, é pela entidade reguladora. Mas, de qualquer forma, acho que não cumprindo o contrato será possível pressionar a empresa para cumprir essa responsabilidade. Nem é tanto uma negociação, é mais uma assunção clara dos compromissos que estão já vertidos nos contratos. Se é de uma determinada forma ou de outra, cabe à empresa  demonstrar que os serviços são acautelados com a mesma qualidade e garantia de acesso à comunicação que um serviço público acautelaria. Se é apenas cortar serviços, claramente não estamos a ter um ganho nos serviços, estamos apenas a ter uma perda para os cidadãos. 

Apesar de toda a comunicação eletrónica suprir muitas valências, como sabemos não substitui a comunicação em papel. Não podemos simplesmente dizer que não é um serviço essencial. Quem não tiver acesso a informação é infoexcluído. Isso, numa sociedade da informação, é um processo de marginalização que não podemos autorizar no quadro de uma democracia moderna.

Uma polémica que marcou recentemente a atualidade política foi a proposta de alterações à lei de financiamento dos partidos. O documento foi criticado tanto pelas propostas como por ter havido debates à margem da atenção pública. Como viu este caso?

Acho que é uma não-polémica e o primeiro-ministro já teve oportunidade de dizer isso. Se seguiu os trâmites habituais na Assembleia da República, como em todos os processos em que há compromissos entre vários partidos, é uma falsa polémica. Não creio que tenha havido uma discussão paralela. Houve uma discussão no quadro da Assembleia. Quando houve acordo, foi assumido e ganhou forma.

Mas não faltou debate público sobre este tema?

Fazerem-se sessões de debate? Não sei. Não creio que seja um tema profundamente conhecido que permitisse uma euforia nesse debate. Podia ter havido mas foi discutido nos mesmos trâmites de outras legislações.

Os partidos são um instrumento da democracia e quanto mais o financiamento for público e não privado, mais útil éE qual é a sua posição sobre o financiamento dos partidos?

Os partidos são um instrumento da democracia e quanto mais o financiamento for público e não privado, mais útil é. Quando se diz que é mais público há aquela vertente que o cidadão menos gosta, porque vai onerar o Orçamento do Estado. Mas é a garantia de maior liberdade e menos amarras. Mas visões há muitas. Podemos dizer que se calhar podia ter havido um debate mais mediático, nem direi público.

Não há aqui o risco de o caso contribuir para aquele preconceito de que os ‘políticos são todos iguais’?

Acho que foi discutido nos termos em que são discutidas todas as legislações aqui [no Parlamento]. Não considero que tenha havido um ‘corredor lateral’.

O PS mostrou-se indignado pela petição que chegou ao Parlamento que quer impedir que o aeroporto do Montijo se chame Mário Soares. Como é que a bancada do PS recebeu esta petição?

Recebemos como qualquer outra petição.

Mário Soares era um homem respeitado por todos, o que não quer dizer que fosse um homem de unanimidadePergunto porque houve várias declarações de dirigentes do PS a criticar a iniciativa.

Há petições de um signatário e há petições de muitos signatários. A expressão da petição é sempre a expressão de alguma voz popular. Mário Soares era precisamente conhecido por não ser um homem de consensos. Era o tipo de homem que quando encontrava alguém na rua que o contestava que ia e lhe perguntava. Nem sempre conseguia convencer essa pessoa, mas enfrentava o desafio. E acho que a petição também é resultado disso. Mário Soares era um homem respeitado por todos, o que não quer dizer que fosse um homem de unanimidade.

O nome de Mário Soares no aeroporto seria uma boa homenagem?

Sim, uma belíssima homenagem, não fosse também ele um homem do mundo, que viajou imenso. E um aeroporto tem também esse simbolismo.

Notícias ao MinutoFoi no ano 2000 que Jamila Madeira conquistou a liderança da Juventude Socialista © Blas Manuel/Notícias Ao Minuto

Foi uma de duas mulheres a liderar a Juventude Socialista (a par de Margarida Marques, 1981-84). Ainda se verifica uma grande discrepância na representatividade entre homens e mulheres em lugares de destaque na política?

Há um caminho que tem sido feito, muito positivo, e têm existido alguns instrumentos legais que têm ajudado. Sempre preferi que não existissem mas percebi a dado momento que a 'calcificação' do processo era tanta que não se ia conseguir mover a roda. Foi o antigo primeiro-ministro António Guterres, um grande entusiasta na altura do lançamento dos processos de igualdade de género, que me explicou: "Já estou nisto há tantos anos e isto não 'descalcifica' se não tiver uma legislação que ajude".

Parece haver uma espécie de 'travão' que se nota na ascensão de mulheres a determinados postosNota-se evolução?

Tem vindo a evoluir mas, como se vê pelos números, apesar de a expressão nas universidades e no mundo empresarial, parece haver uma espécie de 'travão' que se nota na ascensão de mulheres a determinados postos. Isto tem a ver com esta 'calcificação' de mentalidades mas também com o não existirem todas as redes de apoio na estrutura da sociedade.

Como assim?

Quando pensamos na cobertura do pré-escolar, ou por exemplo nos idosos, sabemos que quando há carências familiares a esse nível muitas vezes são as mulheres que são chamadas a prestar esse tempo suplementar em casa, com alguma perda de disponibilidade no lado profissional. Enquanto não houver essa resposta comunitária, naturalmente teremos sempre algum desequilíbrio.

As juventudes partidárias são muitas vezes olhadas com desconfiança, como simples plataformas para a carreira. Como antiga líder de uma ‘jota’, como vê estas críticas?

No meu secretariado na JS na altura – e saí já em 2004 – ou éramos estudantes ou já tínhamos atividade profissional. Nunca houve uma lógica de trabalho partidário puro e duro, precisamente porque para nós era importante manter uma ligação com a sociedade civil. Não é que na vida partidária não se tenha esse contacto. Mas acho que esse equilíbrio entre o trabalho político-partidário e o trabalho numa empresa ou como funcionário público é muito importante, porque dá uma outra abertura de mentalidade . Mas a vida partidária é muito intensa e ‘suga-nos’ muito essa disponibilidade. Até admito que muitas pessoas não tiveram essa capacidade de manter esse equilíbrio. Mas não vejo como coisa má essa dedicação mais exclusiva, desde que não se perca o contacto com a realidade e a sociedade. Não é uma questão de carreira. É ser, ou não, um político responsável e de qualidade.

Como é que se contraria esta sensação que se sente por vezes de descrença na política e nas instituições?

De há alguns anos a esta parte tenho trabalhado aqui com um grupo em que procuramos estabelecer diálogo com os movimentos sociais. Pela sua própria natureza, têm uma duração variável. Mas são o resultado de uma dinâmica de uma sociedade mais letrada, mais mobilizada, mas ainda muito reativa à vida dos partidos. É por isso importante que os partidos se abram a essa realidade. Que escutem. E o resultado tem sido muito positivo. Temos mantido contactos muito ricos em termos de diálogo e alguns reconhecem que tinham uma visão diferente dos partidos da que têm hoje. Isto é um trabalho que é desgastante, que requer muitas reuniões e contactos de pequenos grupos, mas é muito interessante correr o país e falar com estas pessoas e perceber o que as move e dizer-lhes que essa mobilização é muito importante para a riqueza da democracia. Se vivêssemos de costas para essa realidade estaríamos a amputar a dinâmica da democracia de uma parte importante da sua vitalidade. E acho que com isto conseguimos ir quebrando a ideia de que os partidos e o política é um mundo à parte, de vícios.

Foi eurodeputada e deputada. Entre Estrasburgo e São Bento, é muito diferente a forma de fazer as coisas?

Hmmm…. [risos]. É. Ambas dependem muito da pessoa. Aqui [Parlamento] temos uma dinâmica de grupo, de cima para baixo. No Parlamento Europeu parte mais de cada deputado até chegar ao grupo. Há uma dinâmica mais sofrida, porque um eurodeputado não tem poder de iniciativa legislativa, mas tem o poder de propor iniciativa legislativa à Comissão Europeia. Normalmente, depois de conseguir isso, a Comissão Europeia produzirá esse documento legislativo. Mas leva-se muito tempo até se conseguir essa vitória. Aqui, nós podemos identificar um problema, produzir uma lei hoje e amanhã dar entrada e ser aprovada... mas depois não acontece nada. Essa é uma frustração que às vezes fica. Ali [Parlamento Europeu] vamos construindo frustrações até conseguir levar à Comissão Europeia a proposta.

Falámos há pouco do risco que pode haver nesta distância entre os representantes e os cidadãos. Num Parlamento Europeu essa distância, até fisicamente, é muito maior.

É e é muito difícil manter essa ponte.

E há cada vez mais áreas da vida política, económica e social que são decididas no seio da União Europeia. Os eleitores portugueses têm essa noção?

Eu acho que têm consciência mas no dia a dia acabam por se distrair. Mais de 60% da nossa legislação deriva de legislação europeia, sendo que já temos legislação europeia aplicada diretamente sem uma transposição. Há uma perceção de 'ah isto veio da Europa' mas a reação de 'então tenho de intervir precocemente' ainda falta. Normalmente há um hiato de uns poucos anos de discussão até produzir efeito, mas o cidadão quando se apercebe já vai ser aplicado. Por vezes as empresas têm de se adaptar a novas regras. 'Parece que é de hoje para amanhã e ninguém nos perguntou nada’. Mas não. Houve de facto um espaço de debate que aconteceu.

Foi em 2009 o seu último ano como eurodeputada. É muito diferente a União Europeia de então?

A Europa de 2004 a 2009 já estava a mudar com a adesão de países de Leste. Mas 2008 em particular foi um ano muito difícil. Com a crise económico-financeira do outro lado do Atlântico a primeira reação da Europa foi positiva. Vamos investir na economia e criar dinâmicas que permitam que o rebentamento da bolha do outro lado do Atlântico não nos contagie. Isso foi bem aceite pelos Estados-membros e houve uma aceleração do investimento na economia. Mas depois houve de repente uma mudança de estratégia e isso fez com que aqueles países que investiram muito nessa primeira fase da estratégia, como Portugal, tivessem dificuldade em fazer a ‘travagem às quatro rodas’ e ainda sentir uma falta de solidariedade por parte de alguns parceiros. Acho que isso gerou fissuras que ainda estamos a sentir. Esse momento de dificuldade em que não estiveram todos a falar a uma só voz leva a que se tenha tido alguma debilidade nestes últimos anos.

Espero que seja possível sarar feridas mas é preciso inteligência para isso. Não pode ser com os pés

Portugal também já viu a sua posição mudar.

Julgo que o caso português e a demonstração de que há outro caminho permite-nos fazer com que os países olhem e digam que se calhar com alguma ajudinha europeia podemos construir isto de outra maneira, porque realmente o caminho anterior não funcionou. E um sinal disso é a eleição de Mário Centeno para Presidente do Eurogrupo. Dá outros instrumentos e vitalidade aos próprios líderes dos estados-membros que, em conjunto, poderão recuperar a vitalidade europeia. A base da União Europeia é a solidariedade e quando essa solidariedade vacilou a UE também sofreu danos e perdas. Espero que seja possível sarar feridas mas é preciso inteligência para isso. Não pode ser com os pés, como se costuma dizer.

Parece-lhe que já passou a fase mais frágil ou ainda há riscos?

Os sinais económicos são positivos, mas a Europa ainda tem muitas fragilidades em termos políticos. E a ausência de instrumentos... Gostamos muito do Tratado de Lisboa mas é um tratado de funcionamento, operacional, e é preciso algo mais estruturado em termos políticos para dar força à União Europeia enquanto tal. Mas se calhar neste momento temos que sarar as feridas e depois trabalhar para avançar.

Donald Trump cumpriu recentemente o seu primeiro ano de mandato. Que balanço é que faz?

O melhor exemplo desse balanço é a mudança de embaixada para Jerusalém. É um retrocesso tremendo em relação à política de Barack Obama. Sinto que nos EUA há mobilização, demonstrando não se reveem neste presidente. Mas o processo de eleições nos EUA também é muito peculiar: não é preciso ter mais votos, é preciso ter mais estados, e portanto a dinâmica é outra. Ainda assim esta instabilidade que já se gera dentro do seu próprio gabinete, não direi que é um sinal positivo, mas é um ‘arzinho’ de uma expectativa de que as coisas podem mudar.

Não nos podemos nunca esquecer que os EUA têm um papel importante nos equilíbrios do mundo e é muito preocupante se a estabilidade no Médio Oriente é posta em causa por uma liderança que não está preocupada com a questão. A Europa tem de se preocupar com isso, tem que agir e garantir que este tipo de ações são travadas a tempo. Mas para tal é preciso alguém que esteja disponível para dialogar.

Jerusalém é um exemplo de algo muito sensível, que põe em causa os equilíbrios geoestratégicos do mundo, mas podemos falar das alterações climáticas, ou até das questões do aborto, da saúde, que são questões mais internas, mas que são também retrocessos a que não devíamos estar a verificar no século XXI. Esperemos que não sejam demasiados dolorosos de recuperar.

Se Donald Trump se continuar a posicionar neste confronto com o mundo, António Guterres tem a responsabilidade de ser um conciliadorAlgumas das posições de Trump, como as alterações climáticas e a embaixada em Jerusalém, são contrárias à lógica diplomática dos últimos anos. Como é que fica a relação entre EUA e União Europeia? Há um isolamento americano?

António Guterres foi eleito secretário-geral das Nações Unidas numa altura próxima de Donald Trump e eu na altura escrevi um artigo precisamente a dizer isso: é que se Donald Trump se continuar a posicionar neste confronto com o mundo, o que temos como claro é que o nosso caro concidadão António Guterres tem a responsabilidade de assumir o que sabe fazer muito bem: ser um conciliador, e assumir o papel de consertar este confronto. As Nações Unidas têm um papel a desempenhar e espero que consigam encontrar em Trump alguém capaz de dialogar, mas muitos não têm a certeza se ele consegue dialogar.

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