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"Diferença não justificada no salário de homens e mulheres é preocupação"

O Notícias ao Minuto falou com a presidente da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, Joana Gíria, sobre a desigualdade entre homens e mulheres no acesso ao mercado de trabalho.

"Diferença não justificada no salário de homens e mulheres é preocupação"
Notícias ao Minuto

30/04/19 por Beatriz Vasconcelos

Economia Joana Gíria

Os empregos e oportunidades profissionais são para pessoas e não para géneros. Este é o mote de uma campanha a propósito do Dia do Trabalhador realizada pela Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE). Num mundo que se faz de mudanças, como é que se caracteriza o mercado de trabalho em termos de igualdade de género?

O Notícias ao Minuto falou com Joana Gíria, presidente da CITE, para perceber com quantos passos se faz a caminhada em direção à igualdade e não discriminação, que são direitos dos trabalhadores. 

Joana Gíria admite que a diferença das remunerações entre homens e mulheres é uma preocupação, em Portugal e no resto do mundo, mas acredita que estão a ser feitos avanços nesse sentido, destacando a lei da igualdade salarial que entrou em vigor em fevereiro. Mas há outros obstáculos a superar. 

As mulheres são vistas ainda como as principais cuidadoras, os homens como os principais provedores do sustento e se perpetuarmos esta situação o problema não se resolve É preciso desmistificar a ideia de que há profissões para mulheres e outras para homens? Qual é o principal obstáculo nesse processo?

Há muitos obstáculos, mas há um que é fundamental e que eu julgo que hoje em dia ainda está, infelizmente, na base das discriminações no mundo laboral e tem a ver com a falta de conciliação dos tempos de trabalho e dos tempos de trabalho pagos e dos tempos de trabalho não pagos. As mulheres são vistas ainda como as principais cuidadoras, os homens como os principais provedores do sustento e se perpetuarmos esta situação e se fizermos passar este estereótipo às gerações seguintes o problema não se resolve.

Hoje em dia sabemos -  e é preciso passar esta mensagem - que os tempos de trabalho e os tempos de família devem ser partilhados. Cada família, naturalmente, saberá escolher o seu formato, o tempo de trabalho e de disponibilidade para a família que pretende utilizar, mas tem de ter essa liberdade e não ser imposta por quem contrata homens ou mulheres em função daquela que entende que é a disponibilidade que devem ter.

Hoje em dia, se perguntarmos a uma mulher ou a um homem se há profissões que são exclusivas de mulheres ou de homens a resposta que obtemos é que nãoSe olharmos para há 10 anos, houve algum progresso para atingir esse patamar de igualdade? Hoje estamos mais perto do objetivo?

O objetivo depende muito da mudança de mentalidades ou mais ainda da mudança de comportamento. Muitas vezes recorremos ao desenvolvimento sustentável do Planeta, por exemplo, em termos de reciclagem para dar o exemplo daquilo que deve ser hoje em dia a igualdade de género. Antigamente nós víamos as pessoas a atirar papéis para o chão e achávamos quase que era normal, hoje em dia, todas as crianças e adultos, também à boleia das crianças e das políticas que têm vindo a ser desenvolvidas, percebem que atirar lixo para o chão é um disparate. E que isso influencia negativamente o desenvolvimento sustentável do Planeta e do meio ambiente. Com a igualdade de género e com as oportunidades que ambos devem ter passa-se um bocadinho o mesmo.

Hoje em dia, se perguntarmos a uma mulher ou a um homem se há profissões que são exclusivas de mulheres ou de homens a resposta que obtemos é que não. Há 15 ou 20 anos a resposta não seria bem assim, muito provavelmente as pessoas responderiam que as mulheres estavam mais ligadas a profissões de cuidado e os homens a profissões em que o lucro acaba por ser o objetivo final, até por uma questão de educação, de estereótipo ao longo do tempo. Notamos que aí tem vindo a existir um desenvolvimento e o Estado tem, de facto, políticas que têm vindo a ajudar, especialmente nos últimos anos, e que têm originado alguma evolução. O que se pretende é que seja atingido o equilíbrio e a paridade das profissões.

Aproveito que fala em paridade para a questionar sobre as discrepâncias salariais. Os dados mais recentes apontam para que as mulheres ganhem menos 14,9% do que os homens, o que é que está a ser feito para inverter esta tendência?

A diferença não justificada na remuneração entre homens e mulheres é uma preocupação em todo o mundo, na Europa e em Portugal, obviamente que sim. Tem vindo a reduzir-se, mas entendeu-se que deveria haver um mecanismo de aceleração para que haja um equilíbrio. Por isso foi publicada recentemente uma lei de promoção da igualdade remuneratória, na qual a CITE também terá alguma intervenção, nomeadamente com a emissão de um parecer que é vinculativo no caso de haver um indício de discriminação ou uma discriminação com base em remuneração que não seja igual em função do sexo. O Estado tem estado atento, os parceiros sociais têm estado atentos, e a evolução não se faz, obviamente, só por decreto, porque é preciso que no terreno as coisas se modifiquem. Mas o impulso da legislação é fundamental para dar aqui cumprimento àquilo que é de justiça.

Aquilo que interessa é que as pessoas que se sentem discriminadas, em função do sexo, pela disparidade do rendimento, consigam apresentar o seu caso tendo um termo de comparaçãoA entrada em vigor dessa lei, em fevereiro, já fez surtir efeitos? Houve um aumento dos pedidos de ajuda?

Já se notam aumentos de pedidos de informação e de ajuda, sendo que o parecer da CITE entra em vigor só a partir de agosto. Contudo, nota-se um aumento do número de pedidos de informação com base na publicação da lei e da entrada em vigor do diploma, desde fevereiro.

Uma vez identificada uma situação discriminatória, o papel da CITE passa por intervir junto das entidades?

Claro que sim. Aquilo que interessa é que as pessoas que se sentem discriminadas, em função do sexo, pela disparidade do rendimento, consigam apresentar o seu caso tendo um termo de comparação. As pessoas quando se queixam ou apresentam o seu caso devem ter um termo de comparação em relação a colegas, de outra forma não é possível avaliar.

O que a CITE faz é avaliar o que nos chega, convidar a empresa a regularizar caso existam, efetivamente, indícios de discriminação, e justificar, em critérios objetivos, aquilo que é essa diferença. Não havendo essa justificação com base em critérios objetivos, então presume-se que há uma discriminação em função do sexo e o parecer torna-se vinculativo, de modo a que a situação seja regularizada.

Em profissões mais ligadas a um dos sexos tradicionalmente, os anunciantes acabam por publicar, quase de forma negligente, um anúncio estereotipado, por desconhecimento, sem noção da gravidade que isso implicaSe recuarmos ligeiramente nesse processo, o papel da CITE passa também por analisar anúncios de emprego. Quando é que se percebe que uma determinada oferta de emprego é discriminatória ou revela preferência por um dos sexos e o que é que é feito nesse caso?

Nós analisamos aleatoriamente 6.000 a 7.000 anúncios de emprego por ano, quer online, quer na imprensa escrita. Aquilo que acontece é que há casos ainda muito flagrantes de discriminação, em que são solicitadas mesmo mulheres ou homens para determinada atividade e aí há até um próprio desconhecimento da lei e, por outro lado, uma certa negligência. Em profissões mais ligadas a um dos sexos tradicionalmente, muitas vezes os anunciantes acabam por publicar, quase de forma negligente, um anúncio estereotipado, por desconhecimento, mas sem noção da gravidade que isso implica, porque estão a perpetuar essa situação.

Quando publicam um anúncio que requer que só homens ou mulheres possam aceder ou com características para determinadas profissões acabam por estar a perpetuar uma situação que gera o desequilíbrio que ainda existe.

Para concluir, aproveito para lhe perguntar, em que setores é que esta desigualdade é mais visível?

Acontece em todos, sinceramente. Se falarmos no setor da saúde, por exemplo, nos auxiliares de ação médica ainda aparecem muitos anúncios dirigidos a mulheres, por se tratarem de tarefas de cuidado. É quase como um prolongamento daquilo que se vai passando em casa. A mulher vista como alguém que realiza tarefas de cuidado, o que depois acaba por se prolongar à profissão que exercem. Esses anúncios quase têm por trás um julgamento, no sentido de requerer pessoas que tenham uma tendência natural para o cuidado como sendo as mulheres.

Também se verifica algo curioso. Quando há profissões que são tradicionalmente masculinas, mas exercidas por mulheres, então elas são mais bem pagasHaverá aqui uma necessidade de consciencialização principalmente na fase do recrutamento?

Muito importante. Cada vez mais. Ao nível do recrutamento e depois da ascensão dentro das próprias organizações a cargos de chefia, que obviamente não podem ser balizados por critérios subjetivos.

Quanto maior é a qualificação, maior é a desigualdade entre homens e mulheres?

Sim, mas também se verifica algo curioso. Quando há profissões que são tradicionalmente masculinas, mas exercidas por mulheres, então elas são mais bem pagas. Por exemplo, nas engenharias, que são profissões exercidas maioritariamente por homens, nos setores em que há mulheres a desenvolver essa atividade elas são, efetivamente, mais bem pagas.

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