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"Levo o trabalho muito a sério, mas não olho para mim de uma forma séria"

Com um novo trabalho lançado recentemente, David Fonseca esteve à conversa com o Notícias ao Minuto e apresentou um álbum diferente que já conquistou os fãs.

"Levo o trabalho muito a sério, mas não olho para mim de uma forma séria"
Notícias ao Minuto

27/06/18 por Marina Gonçalves

Cultura David Fonseca

O dia 25 de maio marcou o lançamento do novo álbum de David Fonseca, ‘Radio Gemini’, que surge no ano em que o artista completa duas décadas de carreira. Um percurso que se iniciou com a banda Silence 4 e só depois a solo.

Uma das músicas que marcam este novo trabalho é sem dúvida o tema ‘Oh My Heart’, cujo o videoclipe irá ficar assinalado na sua carreira, uma vez que foi gravado no Japão e mostrou um lado mais descontraído e divertido do cantor.

As batidas animadas já se fazem sentir no palco, pois o artista já começou a levar o ritmo do seu novo disco aos cantos de Portugal.

Em conversa com o Notícias ao Minuto, David Fonseca falou sobre o disco que chega num marco importante da carreira, sem esquecer da banda que o viu nascer no mundo da música. 

‘Radio Gemini’ é o seu novo álbum, inspirado nos programas de rádio. Um trabalho que foi gravado em vários sítios, com um sintetizador pequeno, tendo sido o disco mais “espontâneo e rápido” que fez em toda a sua carreira. O que mais o agradou neste processo?

O que mais me agradou foi a ideia de não estar no mesmo sítio. Na realidade o disco anterior que tinha feito foi o tributo ao Bowie, que foi exatamente o oposto disto tudo. Foi um trabalho de muito estúdio porque eram canções que não eram minhas e tinha que respeitar de alguma forma a sua estrutura e os seus instrumentos. Basicamente, tive que aprender a tocar tudo aquilo. Foi um trabalho quase inverso, no sentido em que era um bocadinho escravo daquelas canções. Depois daquilo quis que fosse ao contrário, não quis estar no estúdio, já o via por um canudo, não queria estar lá, mas sim noutros sítios a fazer outras coisas. Como não me podia mudar para outro estúdio porque ia ser exatamente a mesma coisa, resolvi fazer isto tudo enquanto viajava.

Eu viajo muito por norma porque é a natureza da minha profissão e é muito raro estar três, quatro dias seguidos no mesmo sítio. Por norma aproveitava esses três, quatro dias que estava no mesmo sítio para trabalhar, aqui foi um bocadinho ao contrário. Aproveitava esses dias para estar a fazer outras coisas e quando viajava levava esse material todo para trabalhar e fazer as coisas à medida que elas iam acontecendo. E às vezes ficava mais tempo nos estúdios para poder fazer evoluir algumas dessas ideias. Isso foi uma grande mudança na forma de fazer este disco e de o apresentar.

Da última vez que falámos, ainda sem saber o que ia fazer, disse que esperava fazer algo surpreendente. Agora que já foi lançado o novo álbum, e já tem dado alguns concertos no país, sente que conseguiu cumprir as suas expectativas? Está contente com o resultado?

Estou muito contente com o resultado final, apesar de na altura, quando disse que ia fazer uma coisa diferente, não fazia a mínima ideia do que é que isso seria. Mas estou mesmo muito contente com o resultado porque é sempre diferente quando uma pessoa avança para uma coisa que não sabe exatamente o que é, e quando está disposta a que seja tão diferente, nunca sabe exatamente qual é o resultado final nem sabe se vai gostar assim tanto. Neste caso, arrisquei e gostei muito daquilo que aconteceu no fim. Quando cheguei à 'meta' deste trabalho fiquei algo surpreendido como é que eu falava assim e tinha esta sonoridade tão díspar e havia tantas coisas que eu nunca tinha feito. Isso, obviamente, agrada-me muito porque como compositor, como músico, é sempre bom ter outras coisas para fazer que não necessariamente aquelas que já fez anteriormente.

A minha identidade acabou por ser a minha identidade musical. Foi o fator principal que ao longo destes anos nunca me largouEste álbum surge na altura em que completa 20 anos de carreira, sendo que se iniciou no mundo da música com a banda Silence 4. Quais as maiores lições que ficaram desde o tempo em que cantava com o grupo?

Muitas lições. Uma das grandes lições levei logo quando comecei tudo isto. O primeiro ano de banda ensinou-me muito sobre este meio porque a banda foi muito bem sucedida e aconteceu-nos tudo de uma vez, portanto, tudo o que havia para acontecer, aconteceu ali. Aprendi muito com isso e tirei muitas lições. Mas o meio mudou muito. Algumas coisas que faziam sentido, hoje já não fazem tanto assim. 

Não sei exatamente as lições que se tiram. Acima de tudo, o mais importante é seguir sempre aquilo que se quer fazer e não aquilo que os outros querem que se faça . É a maior lição que aprendi sempre porque todas as pessoas que vi a tentarem moldar a ideia de outros, as ideias de indústria, de rádios ou do público, acabaram sempre por desaparecer do plano geral. Particularmente num momento ou outro conseguem o seu objetivo, mas depois em continuidade não conseguem porque a sua identidade acaba por desaparecer. Foi isso o que quis que nunca acontecesse. A minha identidade acabou por ser a minha identidade musical. Foi o fator principal que ao longo destes anos nunca me largou.

Depois de ter lançado um álbum em português, ‘Futuro Eu’, voltou a cantar em inglês. Porque escolheu voltar às ‘origens’ num trabalho que celebra um marco importante?

Na realidade não decido essas coisas. Às vezes há muito essa ideia de que decido que vou cantar em inglês ou lançar um disco em português... Isso não acontece dessa maneira, não decido essas coisas. Elas acontecem porque quando começo a escrever as canções elas surgem de uma certa forma e eu não as empurro, ou seja, não digo: Não, não isto vai ser em português. Não controlo assim tanto isso quanto possa parecer. Acho que a única vez que controlei de alguma maneira foi quando fiz o disco em português. Tinha duas canções em português quando comecei a escrever o disco e depois de ter feito as duas canções gostei tanto que decidi tentar fazer este disco todo em português. Foi a única vez na minha vida em que tomei uma decisão clara sobre o que estava a fazer.

Neste disco não tomei essa decisão, nem para um lado, nem para outro. Se surgisse uma canção em português, se calhar, tinha posto a canção no disco. Aliás, existe uma canção em francês. Confesso que se tivesse surgido uma canção em português eu nem teria tido dúvidas em colocá-la no disco. Mas não aconteceu. Agora, não significa nada. Sabe Deus o que vai acontecer no futuro.

Gosto de me ver a mim próprio de uma forma muito humorada. Sou muito brincalhão com a vida e com as coisas em geral

Já reforçou que não é uma pessoa melancólica e até contou que o videoclipe do tema ‘Oh My Heart’ é de certa forma um vídeo que retrata a sua forma de ser. Mas como é que o David se descreve?

Isso é um bocado difícil... Vejo-me de uma forma muito despreocupada. Gosto de me ver a mim próprio de uma forma muito humorada. Não olho para mim de uma forma extremamente séria. Apesar de levar o trabalho muito a sério, gosto muito de fazer aquilo que faço e levo isso muito a sério, a mim próprio não me levo tanto a sério quanto isso. Sou muito brincalhão com a vida e com as coisas em geral.

As pessoas na sua personalidade não podem ser trancadas apenas numa ideia. Ou seja, a ideia em que sou uma pessoa melancólica é uma ideia muito fácil de ter por causa das canções, mas é impossível uma pessoa ser só isso. Há muitas outras características minhas que não estão tão presentes nas minhas canções, mas fazem efetivamente parte da minha pessoa.

Um vídeo que foi gravado no Japão e que conta com algumas horas de gravações, tendo estado em várias cidades. O que retira desta experiência?

Para já uma grande diversão porque adorei estar no Japão a fazer este vídeo, foi muito divertido e tirei para já a ideia de que o povo japonês é impressionante, muito simpático. O Japão é um dos sítios mais bonitos a que já fui na vida, de facto. Aquilo que senti na viagem está muito presente no vídeo. Essa alegria, a meia loucura que se entende no vídeo, uma loucura meio saudável, meio ingénua, teenager... Gostei muito dessa parte ser visível. Acabou por ser um vídeo que acho que vai ficar marcado na minha história de videoclipes porque as pessoas gostam muito do vídeo e da canção. Acho que correu muito bem. Tudo foi para o mesmo sítio nesta canção.

Quando fiz o lançamento do disco pensei: 'E que tal se eu apagasse tudo isto e começasse do zero? Confesso que me deu um grande prazer Diz que é uma pessoa “muito pouco nostálgica" e que queria celebrar este marco com música nova. Reparei que na conta que tem no Instagram apagou todas as fotografias e tem apenas as imagens referentes a este novo disco. Esta decisão foi uma espécie de ponto de viragem para uma mudança futura ou apenas para promover este novo projeto?

Sim, foi uma forma de promover o novo projeto, também porque nunca percebi muito bem para que servia tudo aquilo. Parece uma espécie de lixo informático que uma pessoa vai acumulando ao longo do tempo e que fica ali tudo a ocupar espaço não sei para quê. Quando fiz o lançamento do disco pensei: 'E que tal se eu apagasse tudo isto e começasse do zero? A mostrar aquilo que se passa neste momento em vez de as pessoas estarem a olhar para o passado'. Achei que era uma forma de o fazer engraçada e acabei por apagar tudo aquilo. Confesso que me deu um grande prazer.

Isso vai de certa forma ao encontro do facto de não ser uma pessoa nostálgica… Levando as pessoas a olharem para o futuro.

Mais do que para o futuro, para o presente. Acontece-me sistematicamente as pessoas pedirem-me para olhar para o passado que tem muito a ver com a minha atividade com os Silence 4, porque gostaram muito da banda e foi, de facto, um marco na vida de muita gente. Hoje já tenho a minha dose de nostalgia completamente preenchida porque as pessoas gostam muito de falar disso, mas não consigo viver no passado, pelo contrário. Portanto, achei que é também uma forma metafórica e simbólica de começar algo de novo.

Hoje é vital para um artista estar presente nas redes sociais?

Não acho que seja vital. Acho que é perfeitamente possível ter uma carreira e não ter qualquer rede social. Nem tudo tem de ser escravo de uma rede social. É claro que sim, os miúdos de hoje em dia vivem lá dentro, passam não sei quantas horas por dia ligados a olhar para o telemóvel, para a rede. Mas sou muito 'anti' essas coisas. Aliás, só tenho presença nas redes porque sou músico, se não fosse e não tivesse de comunicar com as pessoas que estão do outro lado, nunca estaria em nenhuma rede social. É uma coisa que não me é natural, não é uma coisa que me atraia assim tanto.

Curiosamente, muitos amigos meus não têm qualquer rede social, que é uma coisa estranha nos dias que correm, mas há muita gente que conheço pessoalmente que não tem redes sociais, não acompanha nem vive nesse mundo digital. Confesso que tenho uma certa inveja  porque às vezes dava-me vontade também de desligar de tudo e de não estar presente. Mas na realidade o que é um facto é que muito do público passa por estas redes e é uma forma que tenho de comunicar a minha música e o que faço.

Se não tiver nenhum prazer específico e se isto se tornar num peso na minha vida, acho que mais valia fazer outra coisa qualquerO que lhe dá mais prazer nesta profissão?

Muitas coisas, mas uma que me dá mais prazer talvez seja mesmo tocar ao vivo e estar junto das pessoas.

O que espera do futuro daqui a 20 anos? Imagina-se ainda em cima dos palcos? O que espera alcançar até lá?

É um bocado difícil porque eu não penso nas coisas dessa forma, não faço ideia do que vai acontecer daqui a 20 anos. Espero continuar a fazer uma coisa que goste bastante e continuar a ter muito prazer nisso, mas não é algo em que eu pense todos os dias. Penso muito mais neste futuro imediato e depois logo se vê o que vai acontecer.

Quando era jovem nunca pensou que algum dia ia ser artista. Mas hoje, estando neste mundo, imagina continuar com esta profissão durante muitos anos?

Não sei, sinceramente, não sei. Às vezes acho que é muito atrativo e outras vezes parece que é muito cansativo. Vou fazer as coisas todas da forma que faço, mas não sei. Tudo depende de como as coisas vão ser. Depende do prazer que tenho a partir dessas coisas, no fundo. Se não tiver nenhum prazer específico e se isto se tornar num peso na minha vida, acho que mais valia fazer outra coisa qualquer.

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