Depois de uma primeira entrevista a propósito da estreia da segunda temporada de ‘Rabo de Peixe’ com o criador, realizador e argumentista Augusto Fraga e com o ator (e protagonista) José Condessa, publicamos hoje uma segunda conversa com outros elementos do elenco da série.
Rodrigo Tomás (Rafael), Helena Caldeira (Sílvia), André Leitão (Carlinhos) e Kelly Bailey (Bruna) falaram sobre como as suas personagens mudaram, mas também comentaram alguns ‘mistérios’ que avistámos nos primeiros quatro episódios da segunda temporada - aos quais tivemos acesso antecipado.
Pode ler abaixo a entrevista na íntegra.
A segunda temporada de ‘Rabo de Peixe’ estreia esta sexta-feira, dia 17 de outubro, em exclusivo na Netflix.
José Condessa (Eduardo) e Helly Bailey (Bruna) © X / NetflixPT
Sendo esta a segunda temporada de 'Rabo de Peixe', é provável que tenham tido muito mais espaço para trabalhar certos traços das vossas personagens. Qual foi a parte mais interessante deste processo. No que é que decidiram focar-se mais enquanto atores?
Kelly Bailey (KB): Para o meu caso particular, esta segunda temporada fui eu a voltar ao trabalho porque tinha acabado de ser mãe. A Bruna foi-me apresentada nesta segunda temporada de uma forma muito diferente, mas teve um lugar muito especial e muito importante na minha vida porque - não só enquanto atriz, mas também enquanto mulher e pessoa - voltei a encontrar-me e a trabalhar. A Bruna está num lugar muito diferente, mas temos sempre de buscar tudo o que aconteceu para ela estar naquele lugar outra vez.
Para mim, fazer esta temporada vem num ‘timing’ que eu acredito que trouxe camadas, até para a personagem, diferentes por tudo aquilo que eu também estava a passar. Uma sensibilidade diferente - que eu acho que acontece muito depois de termos um filho - e a Bruna realmente está numa zona emocional muito mais profunda.
Há uma cena muito bonita, muito bem filmada, no cinema entre a Bruna e o Eduardo, em que se nota que a Bruna acaba por ser um alicerce emocional do Eduardo. A personagem da Bruna teve esta transição, ao contrário dos outros amigos do grupo…
KB: Sim. Para mim surpreendeu-me muito ao ler, confesso. Demorei muito no início e até tive muitas conversas com o Augusto [Fraga] sobre isso. Porque quando me lembrava da Bruna era a uma personagem ligada a festa e diversão e demorei a perceber onde é que eu conseguia ir buscar a Bruna outra vez, naquela zona tão diferente. Acho que o Eduardo tenta ao máximo que a Bruna seja a sua grande adição, portanto ela tinha de ter outro foco.
Acho que não pelo pai, apesar de o usar muito como desculpa. Acho que o pai não controla nada a Bruna, ela está a fazer aquilo porque ela quer. Acho que, principalmente da parte dela, há ali uma admiração muito grande pelo Eduardo - que é quase uma figura paternal. Ela precisa dessa atenção, ela precisa dessa figura e por isso é que precisaram de buscar algum romance, algum amor, para acalmar tanta ação que esta história tem.
Helena Caldeira (Sílvia) © X / NetflixPT
A Bruna requer esse lado paternal do Eduardo mas, por outro lado, esse é um lado que a personagem da Helena [Caldeira] não quer. Ao longo dos primeiros episódios vemos a Sílvia, que está grávida, a dizer várias vezes que o filho é dela e que não precisa de ninguém. A Sílvia é uma das personagens que é alvo de mais atenção e que se torna mais relevante, até porque fica deixada um pouco de lado no final da primeira temporada: dois amigos foram para os EUA, outro estava (aparentemente) morto, a Bruna foi para Lisboa e ela fica sozinha na ilha. Encontramos uma Sílvia muito diferente nesta temporada?
Helena Caldeira (HC): Acho que ela está a descobrir muita coisa. Ela já tinha esse lado de não precisar de ninguém e querer ser dona dela própria, mas vai agarrar-se muito mais a isso porque olhou à volta e não tinha ninguém.
Mas, para quem vê o começo da temporada, parece que ela está a esconder as cartas bem junto ao peito, que há algo que ela não quer que mais ninguém veja. E não é somente a gravidez. Claramente a família dela é importante, sobretudo tendo em conta que vai ter um filho, e ainda que os amigos também o sejam, fica a ideia de que a Sílvia perdeu alguma confiança que tinha neles. Foi isso que aconteceu?
HC: Não vou dizer, porque seria um ‘spoiler’, mas sim, é uma observação super fixe que ela guarda as cartas junto ao peito. É verdade, tem uma razão de ser. É isso que me diverte a fazer a Sílvia porque é isso que a faz ser quem ela é. Tu não sabes muito bem o que é que vai naquela cabeça e ao mesmo tempo tem aquela ‘casca’, não é?
No outro dia encontrei uma imagem perfeita para ela. Estás a ver quando tens várias pedras espalhadas, como uma coisa que se partiu e ficou um caco. Mas são pedrinhas que se vão juntando, juntando e juntando e, com a força de se juntarem, criam uma casca à volta. Mas se voltar a cair, vai partir-se outra vez. É essa a imagética que eu tenho para a Sílvia.
André Leitão (Carlinhos) © X / NetflixPT
Ao mesmo tempo, enquanto a Sílvia parece que tem a armadura em cima, o Carlinhos está num estado muito diferente. Nota-se que, em certo sentido, foi um papel muito mais físico, porque há a questão dos comprimidos e dos opioides, mas emocionalmente também é uma personagem destruída pelo que aconteceu nos EUA.
André Leitão (AL): Há várias coisas que traumatizaram o Carlinhos. Ele foi para a América com um tiro na mão e, além disso, esteve durante quase 24 horas a ser ameaçado - sem comida, sem nada - por um italiano que ele sabia que era o dono da droga. Portanto, isto são traumas que vão ficando no Carlinhos e que, pela rapidez com que as coisas vão acontecendo, elas não ‘mergulham’ mesmo na personagem.
Posteriormente, numa prisão, com aqueles comprimidos, com tempo para pensar sobre as coisas… Estás a desvendar tudo aquilo que está ali dentro a fervilhar. Depois, mais uma vez, também se passa aquilo que se passa nos EUA, além de se ter sentido abandonado pelo Eduardo no percurso para lá, tudo faz com que o Carlinhos mude a perspetiva em relação à confiança com os amigos, ao propósito dele na vida.
Foi muito interessante perceber como é que o Carlinhos - que era uma alma viva, esperançosa, alegre - existe sem esperança. Como é que ele é sem esperança? Como é que é ele sem vontade de estar contigo ligado à música? Sem ter este carinho, atenção e cuidado com os amigos? Como é que isto acontece e porquê? Foi todo esse percurso que tive de fazer.
Além de obviamente de todo um trabalho muito prático de perceber o que é que são opioides, como é que funcionam os opioides, o que é que fazem a uma pessoa, os efeitos físicos, etc.
Rodrigo Tomás (Rafael) © X / NetflixPT
Uma dúvida: o que é que é a baleia azul? No episódio do Rafael [interpretado pelo Rodrigo] há uma baleia Azul que aparece várias vezes.
Rodrigo Tomás (RT): Curiosamente, havia uma cena na primeira temporada - que acabou por ser excluída ou até acho que nem chegou a ser rodada - em que o Rafael e o Eduardo falávamos sobre o nosso passado e a minha personagem contava que o seu avô era baleeiro, que tinha morrido. O Rafael até dizia que detestava baleias, que tinha medo de baleias porque o avô tinha morrido por causa de uma baleia…
HC: Isso não ficou?!
RT: Não ficou. Até me lembro de que o Eduardo respondia qualquer coisa do género: “O teu avô não morreu por causa de uma baleia. Morreu porque nunca aprendeu a nadar” [risos]. Essa era uma cena entre nós os dois no restaurante. Era uma cena muito divertida.
HC: Isso foi a cena do ‘casting’!
RT: Era, era uma cena do ‘casting’. Eles foram buscar isso, até porque há sempre a tentação de quando se faz coisas nas ilhas de ir buscar também o elemento baleia. É um símbolo de São Miguel e dos próprios Açores.
HC: Mas esta temporada, às vezes, habita um espaço meio onírico, mais simbólico…
AL: E mais não dizemos!
RT: Todas as personagens passaram por uma transformação profunda, porque todas elas foram marcadas pela perda de alguma maneira. A morte de um pai é uma coisa muito impactante, a morte daquele que nós acreditamos que vai ser o amor da nossa vida. O Eduardo perde o pai. A Bruna perde estes novos amigos e o namorado de longa data. E o Rafael também perdeu aquilo que tinha no arranque da história.
Fiz esta pergunta ao Augusto Fraga e faço aqui também. Quantas vezes tiveram de repetir a cena com o Ricardo Pereira?
AL: [Risos] Olha, mas estávamos concentrados!
É que a Sílvia na cena está a rir-se e fica a dúvida se é a personagem num momento de cumplicidade com o Eduardo ou se é a própria Helena Caldeira a ‘quebrar’?
HC: Não, foi uma decisão mesmo.
AL: Era a personagem a tentar não mostrar que aquilo era estranho [risos].
HC: Foi giro. Foi uma cena gira de se filmar! No final dessa cena, todos nos rimos muito.
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