O Governo vai iniciar na quarta-feira um conjunto de reuniões na Assembleia da República com os partidos para começar a discutir o Orçamento do Estado para 2026 (OE2026). Em que ponto está a situação?
Com o arranque das 'negociações' à porta, o presidente do PSD e primeiro-ministro, Luís Montenegro, aproveitou o seu discurso de encerramento da 21.ª edição da Universidade de Verão do partido, no domingo, para deixar um aviso à oposição. Antecipando uma discussão "relativamente simples", alertou que o Governo não negociará com base em ultimatos ou linhas vermelhas.
"Será muito difícil à oposição encontrar argumentos para duvidar da essência do Orçamento do Estado", disse, após defender o rigor das contas públicas, e pedindo que não se dramatize à volta da aprovação deste documento, como se fosse uma "questão de vida ou morte".
Montenegro sublinhou que não espera que "a oposição bata palmas às medidas do Governo" - embora ache que o Executivo até merecia - e disse "ninguém vai deixar de estar na oposição por causa do Orçamento" nem a maioria PSD/CDS-PP de estar no Governo.
Especificamente sobre as reuniões, o primeiro-ministro manifestou disponibilidade do Governo para ouvir e integrar contributos das oposições, mas fez o aviso: "Aqueles que se prenderem apenas às jogadas políticas e à gestão comunicacional vão falhar ao pais e as pessoas não se vão esquecer disso", afirmou.
E acrescentou: o Governo não negociará "na base de nenhum ultimato, de linhas vermelhas", mas "na base da moderação, a base do espírito construtivo".
O que diz a oposição?
No mesmo dia, o secretário-geral do PS respondeu a Montenegro e advertiu o primeiro-ministro que "pessoas não são linhas vermelhas", insistindo que a oposição do PS à alteração à lei laboral proposta pelo Governo é defender jovens, mulheres e trabalhadores.
"Que fique claro para o senhor primeiro-ministro: as pessoas não são linhas vermelhas. Quando nós dizemos que o Orçamento do Estado não pode dar respaldo a alterações das leis laborais que põem em causa os mais jovens, que ofendem as mulheres, que ofendem os trabalhadores mais vulneráveis, isto não são linhas vermelhas, isto é defender a vida das pessoas", afirmou José Luís Carneiro.
José Luís Carneiro disse ainda que o PS se irá opor a opções que sejam inscritas no próximo Orçamento que traduzam as alterações à legislação laboral que o Governo pretende aprovar.
"As leis laborais têm dimensões que ofendem gravemente os mais jovens, ofendem gravemente as mulheres trabalhadoras, ofendem a família, e ofendem os trabalhadores mais vulneráveis", insistiu o secretário-geral do PS.
Reforçando que "isto não se chama linhas vermelhas, isto chama-se justiça social, defesa do trabalho digno e de trabalho daqueles que carecem de quem os defenda". "E é isso que estamos a fazer", sublinhou.
José Luís Carneiro disse, no entanto, que é preciso aguardar pela proposta do OE.
"Porque, como já dissemos muitas vezes, nós somos a favor da estabilidade política, mas é preciso que a estabilidade assente em pressupostos de justiça social, de dignidade das pessoas e de salvaguarda dos valores", frisou.
Questionado sobre como poderá proceder se não for retirada a proposta de alteração à lei do trabalho, o líder socialista disse que é preciso aguardar "pelos passos que o Governo vai dar".
"Percebi também pelas palavras do senhor primeiro-ministro que apesar, de tudo havia ali uma vontade de ir ao encontro daquilo que o senhor Presidente da República disse e que foi que o PSD não se esquecesse da sua matriz. Hoje, o primeiro-ministro fez questão de dizer, por várias vezes, que continuava a ser o mesmo partido. Bom, ele tem que o mostrar nas políticas e não apenas nas afirmações. Vamos aguardar", frisou José Luís Carneiro.
Na segunda-feira, o presidente do Chega, André Ventura, também se pronunciou e considerou que este ano existem "condições mais favoráveis" para chegar a consensos no âmbito do OE, mas avisou que dependerá da atitude do Governo.
"Eu acho que este ano temos condições mais favoráveis, digamos assim, para poder chegar a consensos de natureza política do que o ano passado. Há outra atitude, houve outra atitude, pelo menos, houve elementos que já foram acordados, de natureza política e de natureza fiscal", afirmou, considerando que, "neste momento, há uma casa de partida mais favorável", mas "isso nem sempre quer dizer que há uma casa de chegada mais favorável".
"Agora, depende da atitude do Governo, se quer mesmo fazer a sério um caminho de negociação, de trabalho e de construção de alternativas em relação àquilo que foi a política socialista, ou se vai só fingir que negocia para se vitimizar outra vez, como quis fazer no último Orçamento do Estado, para provocar eleições", indicou, frisando que há "todas as condições de chegar à solução".
Apontando que "só há duas maiorias possíveis", o presidente do Chega considerou que cabe ao Governo escolher entre PS ou Chega como parceiro preferencial.
"Mas eu também acho que não devemos fazer negociações em cima de ultimatos e de pistolas em cima da mesa", defendeu, referindo que o Chega não vai "alinhar em birras, como o secretário-geral do PS".
O presidente do Chega considerou que "Luís Montenegro já percebeu que eleições podem não lhe ser muito favoráveis" e que "as pessoas querem que os políticos trabalhem, não que estejam a provocar novas eleições consecutivamente".
De realçar que a líder da IL, Mariana Leitão, também foi confrontada com a posição de Montenegro e adiantou que pretende esperar para "ver qual é o nível de ambição que o Governo vai ter, nomeadamente quanto à descida de impostos, que é fundamental para aliviar as famílias e as empresas, mas também ao nível da reforma do Estado", que "é essencial e tem de ser feita".
A líder da IL defende um Estado mais ágil, mais eficiente e que não represente a despesa que representa, sem que isso tenha o devido retorno para as pessoas".
O secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, também já se pronunciou e realçou as palavras de Luís Montenegro que, na sua intervenção, disse que "é um instrumento da sua própria política e que tem de ser um instrumento para dar continuidade, acentuar e acelerar a política deste Governo".
"Uma política de desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde, do aumento do custo de vida, do pacote laboral com as medidas que estão em cima da mesa, uma política que fala em nome das necessidades da habitação, mas depois aquilo que desenvolve são ideias que favorecem aqueles que nos trouxeram até aqui: os fundos imobiliários e a banca", criticou.
Raimundo insistiu na ideia de que "ninguém vai ao engano" às reuniões que se iniciam esta semana. "Ninguém vai ao engano quando lá for conversar com o Governo e vamos lá ver quem vai acompanhar o Governo nesta aventura desastrosa, com uma política desastrosa para o país e para a vida de cada um de nós", afirmou.
Da parte do PCP, o Governo pode esperar um "firme combate dentro das forças que tem e aquelas que vai ter de criar ainda mais", garantiu.
Note-se que encontros começam na quarta-feira, 03 de setembro, e prolongam-se pelos dias seguintes. Ao anunciar as reuniões, o ministro dos Assuntos Parlamentares, Carlos Abreu Amorim, precisou que não se trata de negociações, mas sim do início de um "périplo com os grupos parlamentares e deputados únicos sobre várias questões", entre as quais o orçamento do próximo ano. Além do ministro das Finanças, estarão também presentes os ministros da Presidência, Economia e Coesão Territorial e Assuntos Parlamentares.
As reuniões começam às 09h00 quarta-feira, com o Chega, seguindo-se o Livre, às 10h30, e a IL, às 12h00. Na quinta-feira, 05 de setembro, o Governo reúne-se com o PS, às 17h00, e no dia 10 com o PCP, às 16h30.
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