O Presidente da República vetou, na sexta-feira, o decreto do Parlamento que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, depois de o Tribunal Constitucional (TC) ter anunciado a inconstitucionalidade de cinco normas. A Esquerda congratulou-se com a decisão, enquanto a Direita (à exceção da IL), se mostrou em desacordo. Embora disponíveis para proceder a ajustes, prometem não se "afastar" do "objetivo" e ainda querem "pôr a imigração na ordem".
O decreto, recorde-se, foi aprovado em 16 de julho na Assembleia da República, com os votos favoráveis de PSD, Chega e CDS-PP, abstenção da IL e votos contra de PS, Livre, PCP, BE, PAN e JPP.
O que se disse?
PSD vai "analisar" e adequar diploma às "imposições" do TC
Após ser conhecida a decisão, o deputado do PSD Francisco José Martins assegurou que os sociais-democratas vão analisar o acórdão que determinou a inconstitucionalidade da lei dos estrangeiros para adequar o diploma às imposições do TC.
Em declarações aos jornalistas, no Parlamento, Francisco José Martins defendeu a necessidade de mudar o quadro legal para pôr fim a uma política de "portas abertas", mas garantiu que o PSD vai "analisar, ler e fazer os enquadramentos que promovam a adequação do normativo àquilo que são as imposições do Tribunal Constitucional".
O deputado social-democrata considerou necessário "respeitar a separação de poderes" e assegurou que "tudo aquilo que foi dito irá merecer uma atenção especial", mas que o PSD e o Governo "não se vão afastar do objetivo de produzir" uma lei que "consubstancie uma política séria e responsável para o país".
"Não concordamos com o TC, mas vamos acatar e aceitar esta decisão"
O líder parlamentar do CDS-PP Paulo Núncio admitiu que "o Governo e a maioria que o suporta vão proceder aos devidos ajustes", mas reiterou que não vão desistir da "revisão da lei dos estrangeiros e de reforçar as leis da imigração".
"O nosso objetivo é pôr a imigração na ordem", apontou o centrista, que aproveitou a oportunidade para acusar o PS de ser o único responsável pela "situação caótica" na imigração.
Decisão do TC é "espírito de Esquerda que se apoderou das instituições"
Por sua vez, o presidente do Chega, André Ventura, foi mais feroz nas críticas e afirmou que a decisão do TC "não é compreensível" e traduz "um espírito de esquerda que se apoderou das instituições".
"A decisão de inconstitucionalidade sobre a lei dos estrangeiros não é compreensível. Não há nenhum direito familiar que se sobreponha à segurança do país e das suas fronteiras. É um espírito de esquerda que se apoderou das instituições e contraria aquilo em que os portugueses votaram no dia 18 de maio", escreveu André Ventura na rede social 'X'.
IL acusa Governo de incompetência e critica "pressa"
Já a IL, pela voz da presidente do partido, acusou o Governo de incompetência e falta de seriedade na forma como alterou a lei dos estrangeiros, considerando que pôs em causa a confiança dos cidadãos no Estado de direito.
"A pressa com que o Governo procurou alterar este regime, ignorando os trâmites constitucionais e legais, sem ouvir, sem ponderar e ignorando todos os alertas, levou à aprovação de normas que agora o Tribunal Constitucional declarou inconstitucionais. Mais do que um erro técnico, isto é o reflexo de um Governo que abdica de governar com seriedade", criticou, através das redes sociais, a líder da IL, Mariana Leitão.
Numa reação ao chumbo do Tribunal Constitucional da lei dos estrangeiros, a liberal considerou que este diploma "é urgente para o país e podia estar agora aprovada, mas o Governo não teve competência para tal".
Decisão do TC é derrota de um Governo que "devia ouvir mais Marcelo e PS"
O PS também se alinhou nas críticas ao Governo, considerando que o Executivo, a AD e o Chega saíram derrotados com o chumbo da lei e defendendo que o primeiro-ministro devia "ouvir mais" Presidente da República e os socialistas.
"Os valores constitucionais derrotaram o acordo da AD com o Chega. Esta é uma vitória do humanismo sobre a desumanidade que a coligação da AD com Chega quis imprimir a esta legislação agora chumbada pelo Tribunal Constitucional, que punha em causa uma integração com dignidade e humanidade", afirmou, numa posição enviada à Lusa, o secretário-geral do PS, José Luís Carneiro.
Na opinião do socialista, o chumbo da lei dos estrangeiros é "uma séria derrota política do Governo, da sua arrogância e da incompetência revelada nesta matéria".
Para José Luís Carneiro, para ultrapassar agora o veto do Presidente da República que resultou deste chumbo do TC, Portugal "merece é que a AD não se precipite, que cumpra todos os requisitos processuais e legais e já agora que se faça acompanhar melhor nas suas parcerias". Ao mesmo tempo, prometeu "responsabilidade e humanismo" e mostrou disponibilidade para contribuir para uma solução.
Governo está submisso às "propostas inaceitáveis da extrema-direita"
Também o Livre acusou o Governo de estar submisso às "propostas inaceitáveis da extrema-direita" por, ainda antes do chumbo do TC, continuar irredutível e em "claro atropelo" do Estado de direito em relação à lei dos estrangeiros.
"Desde o primeiro momento que o Livre considerou que o diploma proposto pelo Governo e, posteriormente, a versão que a maioria de Direita aprovou no Parlamento, continha sérios problemas de inconstitucionalidade, agora confirmadas", referiu o partido de Rui Tavares em comunicado.
O Livre lamentou a posição do Governos nos últimos dias, ainda antes de ser conhecida esta decisão, "de irredutibilidade nesta matéria, em claro atropelo quer do processo legislativo normal quer do Estado de Direito e que reforça o estigma em relação às pessoas imigrantes em Portugal".
"É uma posição que, uma vez mais, traduz a submissão deste executivo àquilo que são as propostas inaceitáveis da extrema-direita", sustentou.
Chumbo do TC é uma "oportunidade" para ouvir contributos de especialistas
Por sua vez, o PCP considerou que o chumbo da lei dos estrangeiros pelo TC confirma "violações de preceitos constitucionais" e o seu regresso ao Parlamento é "uma renovada oportunidade para acolher o contributo de especialistas"
Em declarações na sede nacional do partido, em Lisboa, Rui Fernandes, membro da Comissão Política do Comité Central do PCP, defendeu que além das questões constitucionais apontadas pelo TC, a proposta do Governo "não favorece uma adequada resposta aos problemas de quem escolher o nosso país para viver e trabalhar".
"O regresso da lei à Assembleia da República é uma renovada oportunidade para acolher o contributo de entidades especialistas para a construção de melhores respostas aos problemas, aspecto que PSD e CDS e Chega trucidaram no desenvolvimento do processo original", acrescentou.
Decisão do TC é "vitória da justiça e da humanidade contra a crueldade"
Já Fabian Figueiredo, ex-líder parlamentar do BE, apontou que o chumbo "simboliza uma vitória da justiça, da humanidade contra a crueldade", acrescentando que o diploma deve ser "enterrado".
Em declarações aos jornalistas no Parlamento, Fabian Figueiredo argumentou que o Governo quis, com esse diploma, implementar uma "lei típica de regimes que não são democráticos", frisando que "em democracia respeita-se o direito à família" e "não se separam crianças dos pais".
O antigo deputado defendeu que "uma pessoa que entrou legalmente em Portugal" deve "poder trazer a sua mulher e filhos para construírem a sua vida" no país e acusou a "direita e o Governo" de "quererem fazer uma crueldade completa que não vai resolver problema nenhum".
Até ao momento do fecho desta peça, o PAN ainda não se tinha pronunciado.
A decisão do TC, recorde-se, surge na sequência de um pedido do Presidente da República de fiscalização preventiva da constitucionalidade de sete normas deste decreto em 24 de julho.
O diploma foi criticado por quase todos os partidos, com exceção de PSD, Chega e CDS-PP, com vários a considerarem-no inconstitucional e a criticarem a forma como o processo legislativo decorreu, sem ouvir associações de imigrantes ou constitucionalistas e com a ausência de pareces obrigatórios.
No requerimento enviado por Marcelo Rebelo de Sousa ao TC, o Presidente da República pediu a fiscalização preventiva da constitucionalidade das normas sobre direito ao reagrupamento familiar e condições para o seu exercício, sobre o prazo para apreciação de pedidos pela Agência para a Integração Migrações e Asilo (AIMA) e o direito de recurso.
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