O socialista frisou que os europeus devem ter noção que, perante a atual guerra económica e de tarifas lançada por Trump, a relação transatlântica "não vai voltar ao que foi" e que, perante essa alteração, não devem ser "agentes passivos" para com o Governo dos Estados Unidos.
"Temos que ter consciência que temos uma enorme dependência estratégica em relação aos EUA. Convém ser responsável e prudente", frisou Vitorino, durante a conferência "Uma visão atlantista da política externa portuguesa: o legado de Mário Soares e os desafios do futuro", que decorreu em Lisboa, organizada pelo Instituto Diplomático e que integra o programa das comemorações do centenário do nascimento de Mário Soares e insere-se no âmbito do 40.º aniversário da Fundação Luso-Americana - Para o Desenvolvimento (FLAD).
Para o antigo comissário europeu, é inevitável que o nível de relação económica transatlântica diminua, embora possa não ser permanente: "Se partimos de taxas médias de 7%, segundo especialistas que trabalham com modelos algorítmicos temos que nos preparar para taxas médias entre os 10 e 17%".
"Vem aí um choque comercial e nós temos que nos preparar para o choque e temos que encontrar mercados alternativos, mas sendo pragmáticos, nenhum mercado disponível é substituto do mercado americano", vincou, durante a discussão num painel que contou também com o general João Vieira Borges e o historiador David Castaño, com a moderação da diretora de informação da agência Lusa, Luísa Meireles.
Sobre a economia portuguesa, Vitorino frisou que é necessário "persistir no mercado americano", lembrando "setores vitais" com o do vinho.
O socialista apontou também para o "muito preocupante" relatório recente do Banco Central Europeu (BCE), que "diz que a Europa pode sofrer mais os impactos das tarifas norte-americanas em relação a mercados terceiros do que propriamente da sua relação bilateral".
O pedido de pragmatismo de António Vitorino nas negociações da UE com os Estados Unidos está relacionado com o início da invasão russa da Ucrânia, em fevereiro de 2022, e da "reconversão do acesso a fontes energéticas russas".
"Tem vindo a cair, menos do que se diz, [mas] neste momento dependemos 45% do gás natural de importações dos EUA. Convém que quando se fala de autonomia europeia sejamos muito realistas e muito pragmáticos e compreender que há mais vida para além das tarifas", apontou.
António Vitorino, que tem sido apontado como eventual candidato às eleições presidenciais do próximo ano, abordou ainda os serviços digitais, um tema que considera fora das relações económicas e que é "mais sério do que isso".
"A Europa está entalada entre as únicas plataformas digitais que existem, que são americanas e chinesas. Só nos podemos queixar de nós próprios e ou tomamos muito a sério esse vazio europeu nesta matéria crucial, ou o que está em causa não é apenas o problema da transição digital, é a garantia da salvaguarda e da preservação do espaço democrático liberal europeu e da nossa própria democracia", concluiu.
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