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"Quem quiser liderar o CDS terá de conseguir unir o que sobra"

Filipe Lobo d’Ávila, ex-deputado centrista e antigo vice-presidente do partido, é o entrevistado desta quarta-feira do Vozes ao Minuto.

"Quem quiser liderar o CDS terá de conseguir unir o que sobra"
Notícias ao Minuto

09:36 - 09/02/22 por Ema Gil Pires

Política CDS

É advogado e foi deputado do CDS até 2018, tendo abdicado do cargo devido a divergências com a liderança do partido, na altura assumida por Assunção Cristas. Entretanto, concorreu à presidência dos centristas em 2020, embora tenha perdido para Francisco Rodrigues dos Santos. Viria, no entanto, a aceitar um convite do até agora presidente do CDS para integrar a direção do partido.

Num fase que descreve como particularmente "difícil" da vida do partido, Filipe Lobo d’Ávila defende que "o CDS vem em perda há muito tempo". Algo que culminou nos fracos resultados eleitorais de 30 de janeiro, altura em que o partido se mostrou incapaz de eleger qualquer deputado.

Em entrevista ao Notícias ao Minuto, o advogado atribuiu ao "clima de crispação interna" que tem existido no partido centrista parte da responsabilidade pelo seu declínio. Num momento em que a futura liderança do partido é ainda indefinida, Lobo d’Ávila acredita que a solução para esta crise deve passar pela "união" entre as várias fações internas.

Temos de perceber que do outro lado está António Costa, que é provavelmente um dos políticos que conhece com melhor detalhe todos estes meandros político-partidários

Os resultados obtidos pelo CDS nas eleições legislativas de 30 de janeiro ficaram bastante aquém das expetativas do partido... O que é que correu mal? Foi a estratégia utilizada pelo CDS durante a campanha que não teve o impacto desejado nos eleitores, ou os problemas já vinham de trás?

O resultado é evidentemente muito mau. O CDS, pela primeira vez na sua história, deixa de ter representação parlamentar. Isso é algo nunca visto, é o pior resultado de sempre do CDS e é algo que nos deixa com muita tristeza, principalmente para quem tem, como eu, uma vida de participação ativa no partido. 

Antes de ir às consequências e razões pelas quais eu acho que o CDS teve este resultado, eu acho que há aqui uma leitura nacional que também temos que fazer. O PS ganha com maioria absoluta... Não acho que o país guarde grandes recordações de maiorias absolutas, seja do PS ou de qualquer outro partido. Mas, seja como for, nós temos de perceber que do outro lado está António Costa, que é provavelmente um dos políticos que conhece com melhor detalhe todos estes meandros político-partidários. E que escolheu o momento para provocar uma crise orçamental, escolheu os adversários que enfrentaria e conseguiu, de facto, o pleno: conseguiu enfraquecer a esquerda à sua esquerda, e ir a votos com quem escolheu à sua direita. E isso é, uma vez mais, uma demonstração de que a direita não percebeu quem é que tinha do outro lado e, sobretudo, de que a direita não percebeu o quadro político existente depois de 2015.

E que quadro era esse?

Aquilo que assistimos a partir de 2015, com a geringonça... Enquanto a esquerda se uniu, seguindo aquilo que eram os interesses de governação de António Costa, essa mesma esquerda é agora penalizadíssima pelo mesmo António Costa. Mas a verdade é que a direita, em vez de trabalhar num projeto comum e mobilizador, que permitisse construir um projeto alternativo ao projeto socialista, fragmentou-se. Com o nascimento de dois novos partidos (o Chega e o Iniciativa Liberal), com a hecatombe que se veio a verificar no CDS, e com uma certa descaracterização e até incerteza na mensagem que o PSD apresentava, dizendo que era de centro, mas que também procurava ir à direita. Eu acho que o centro-direita não aprendeu a lição de 2015, subestimou António Costa e, em vez de trabalhar num projeto comum alternativo ao socialismo, fragmentou-se.

Nós vemos partidos, como o Chega e a Iniciativa Liberal, legitimamente a fazerem a festa, mas a verdade é que a direita está longe de ter um projeto alternativo, porque se fragmentou e porque não apresentou um projeto alternativo mobilizador, com uma ideia de país para as próximas décadas. 

Em 10 anos, o CDS perdeu os 24 deputados que tinha

E do ponto de vista do CDS?

Do ponto de vista daquilo que é o resultado do CDS, é evidente que nós podemos olhar para o desastre eleitoral que tivemos no passado dia 30 e apontar o dedo ao Francisco Rodrigues dos Santos, ou à sua direção, ou a quem nós quisermos. Eu acho que há vários fatores que contribuíram para este desastre eleitoral. O CDS, em 10 anos, perdeu 580 mil votos. Em 10 anos, o CDS perdeu os 24 deputados que tinha. Nós podíamos dizer que a culpa é dos últimos dois anos e deriva dos erros que foram consequência desta governação do Francisco Rodrigues dos Santos, ou então podemos querer ter uma análise mais séria, mais detalhada e mais aprofundada, e percebermos que o CDS vem em perda há muito tempo. 

E o que tem corrido mal ao longo de todos estes anos, em que se tem verificado uma descredibilização, digamos assim, do partido?

Eu acho que, para o CDS, no verão de 2013, foi difícil explicar a crise que houve nessa altura no Governo, dentro da coligação. Mas, apesar disso, o centro-direita conseguiu ganhar as eleições em 2015, embora com uma maioria de esquerda. Porém, a partir de 2015, o partido decidiu que se queria transformar num partido 'catch-all', sem uma grande vertente identitária. Aquilo que se pretendia nesse momento era conseguir ter um partido que tivesse uma proposta global para todos os problemas do país e que a todos os problemas conseguisse apresentar uma visão pragmática. Eu acho que, nesse caminho, o CDS perdeu foco e identidade. E, sobretudo, os eleitorados do CDS deixaram de perceber qual era a proposta de valor político que o partido apresentava. 

Isto foi alertado em vários momentos. Eu fui deputado até 2018, renunciei ao mandato precisamente porque, não querendo utilizar esse mandato para fazer oposição interna à liderança de Assunção Cristas e à direção do partido, afastei-me. Basicamente, deixei de ter funções políticas executivas dentro do partido, mas fui alertando, em vários momentos, para essa descaracterização. Apresentei várias moções de estratégia e decidi, há dois anos atrás, ser candidato à liderança do partido, dizendo que era preciso fazer um esforço para unir as diferentes fações internas dentro do partido e porque entendia que os players que estavam em questão para além de mim não tinham essa capacidade de união. E a verdade é que aquilo que nós vimos ao longo dos últimos dois anos constata isso mesmo. Assistimos a um clima de crispação interna muito forte e eu acho que isso também não ajudou o partido. Nós podemos apontar o dedo a todo o tipo de responsáveis, ao Nuno Melo, à Assunção Cristas, ao Paulo Portas, a mim próprio, ao João Almeida, ao próprio Francisco Rodrigues dos Santos... Mas, objetivamente, acho que isso não acrescenta nada no atual contexto. 

No atual contexto, não podemos estar a olhar para o retrovisor para apontar culpados. Precisamos é de olhar para a frente e perceber se ainda há, ou não, um espaço para o CDS ocupar na direita portuguesa. E, sobretudo, se o CDS tal como existe hoje, ainda dominado por fações e por estas guerras e discussões internas que o país viu ao longo dos últimos dois anos, ainda consegue recuperar a confiança dos portugueses e ter a humildade de perceber a mensagem que os seus eleitorados lhe deram. Esta é a grande discussão interna que nós neste momento temos de fazer. Mais do que olhar para trás, é olhar para a frente. 

E mais do que estar a perder tempo ou querer ir a correr para escolher já um líder, é importante percebermos o que é que o CDS pode ser. Que proposta de valor tem o CDS para apresentar hoje aos portugueses.

A disponibilidade do Nuno Melo é uma disponibilidade que eu já assinalei. Infelizmente, atualmente, é o único deputado nacional que o partido tem

Olhando para a frente, começam já a discutir-se nomes que podem eventualmente vir a assumir a liderança do partido. Nuno Melo já apresentou a candidatura nesse sentido e tem já vindo a reunir o apoio de algumas figuras do partido. Acha que ele será a pessoa certa para assumir "as rédeas" num momento particularmente delicado da sua história? Ou vê outras possibilidades para a liderança?

O contexto do partido é hoje muito difícil. Eu sou daqueles que quer que o CDS persista e continue a existir. Aquilo que, neste momento, é relevante, mais do que discutir pessoas e disponibilidades para candidaturas, é perceber que CDS podemos ter daqui para a frente, qual é a tal proposta que temos para o futuro. 

Eu posso discutir o nome das pessoas e não tenho qualquer problema em fazê-lo. A disponibilidade do Nuno Melo é uma disponibilidade que eu já assinalei. Infelizmente, atualmente, é o único deputado nacional que o partido tem, é alguém que já foi tudo dentro do partido ao longo dos últimos anos, e é alguém que parece ter as condições pessoais e políticas para poder ser candidato. 

Aquilo que é relevante é perceber que posicionamento o CDS pode ter, para que é que o CDS vale a pena, para que eleitorados faz sentido ter um partido como o CDS, e com que protagonistas nós conseguimos fazer isso. Porque, do meu ponto de vista, o CDS não tem espaço para divisões, para continuar com guerras internas. 

E, segundo, qualquer candidato que se queira apresentar tem de perceber, ele próprio, se tem as condições para unir todo o partido. Nós já somos muito poucos e, apesar disso, continuamos a ter muitas fações e muitos grupos. Quem quiser liderar o CDS nesta fase, que é uma fase muito difícil, tem de conseguir unir o que sobra. Não pode ser parte da guerra e, sobretudo, não pode vir com um espírito de vingança. Porque se nós quisermos apontar o dedo a qualquer um, nós temos muita gente a quem apontar o dedo. Até a mim próprio.

Mais importante do que falar em pessoas, eu julgo que a pergunta essencial é perceber que há um eleitorado que não tem representação parlamentar. Esse mesmo eleitorado, inclusivamente, não tem representação política no atual panorama político em Portugal. Há uma direita social, uma direita democrata cristã, uma direita conservadora moderada, um liberalismo com preocupações sociais que não tem representação no quadro partidário atual. Portanto o CDS, se quiser representar esse espaço, tem de mudar de vida. 

Mais imporante do que estar a escolher um líder num Congresso, acho que era importante que o CDS conseguisse transformar esse Congresso numa espécie de convenção programática, para discutir caminhos, propostas concretas e o posicionamento. Para falar sobre aquilo que sempre o diferenciou ao longo de 47 anos de vida, que foram as suas propostas e a consistência das mesmas e dos seus protagonistas. Se estamos disponíveis para fazer esse caminho? Veremos.

Eu acho que o CDS não precisa de salvadores. O CDS precisa de consistência, de propostas concretas e de paz

O Filipe falou, precisamente, da necessidade que o partido tem de estabelecer uma união interna. Até ao momento, só Nuno Melo anunciou as suas intenções de se candidatar à liderança do CDS. Acha possível que, entretanto, surjam novas candidaturas?

Eu acho que o CDS não precisa de salvadores. O CDS precisa de consistência, de propostas concretas e de paz. O CDS pode ter o seu salvador, mas se não houver nada disto, o salvador não terá um bom caminho dentro do CDS. Portanto se há pessoas com disponibilidade, com vontade, com motivação e com a ambição de recuperar o CDS, isso é preciso assinalar, porque não é qualquer um que o pode fazer e que pode reunir as condições para o fazer.

O Filipe teria essa disponibilidade, por exemplo? Ou sabe de mais alguém que a teria, para além do Nuno?

Eu fiz uma opção em 2018, que foi a de abandonar os cargos partidários ativos. Eu renunciei ao mandato de deputado e dediquei-me à minha vida profissional. Felizmente tenho uma vida profissional sólida, que me provoca muitos desafios todos os dias, e estou completamente focado nessa vertente. 

Por outro lado, acho que a pessoa que se candidatar não deve ser parte do problema. Eu, há dois anos, apresentei uma candidatura. Fui a votos e tive apenas 15% dos votos. O partido escolheu outro caminho, legitimamente. Eu aceitei democraticamente esse resultado e a verdade é que, na noite em que me preparava para apresentar uma lista ao Conselho Nacional, o Francisco Rodrigues dos Santos fez-nos um apelo para fazermos parte da equipa dele, que nós aceitámos. Claro que isto foi visto por muita gente de forma errada e, aliás, houve muito boa gente a aproveitar-se disto ao longo dos últimos dois anos. Porque havia quem dissesse que eu tinha impedido o João Almeida de ser presidente do CDS, dizendo que os meus votos tinham contado para o Francisco Rodrigues dos Santos. É mentira, um insulto que eu não aceito e que repudio de forma muito forte. Porque, efetivamente, aquilo que nós queríamos era uma mudança em 2020. O partido precisava de mudar, pois já vinha numa rota descendente de resultados, de falta de mensagem e de falta de partido, objetivamente. 

Seja como for, eu nunca poderia assumir esse papel porque, tendo feito parte e acedido ao apelo do Francisco para fazer parte da sua direção, tinha essas pessoas que diziam que ele só era presidente por causa de mim. E, do outro lado, a partir do momento em que me demiti e não aguentei mais estar numa direção que seguia um caminho que eu achava que não era um caminho correto, acabo também por ser visto como alguém que, embora em silêncio nada tenha feito para prejudicar o partido, acabou por sair desse barco. Objetivamente, dificilmente teria as condições necessárias de pacificação e de paz com todas estas fações, que eu acho que o próximo presidente deve ter. 

Num contexto de maior competitividade “à direita", com o surgimento de novos partidos como o Chega e a Iniciativa Liberal, o que é que o CDS continua a ter para oferecer ao contexto político nacional? Continua a ser um partido relevante?

O CDS teve 1% dos votos, mas todos nós reconhecemos no CDS um leque de quadros intermédios e superiores de excelência. Nós conhecemos muitos rostos do CDS, que ainda estão no partido. E isso é um capital político muito importante para um partido e eu acho que não podemos fazer a mesma leitura quando avaliamos outros partidos. Existem partidos com lideranças muito fortes, praticamente partidos de um homem só, com uma capacidade de oratória muito assinalável... Mas com um discurso que não é o do CDS, nem é um discurso que na direita ainda faz falta que exista. Por outro lado, existem outros partidos, também à direita, que têm alguns quadros bons, mas diria que não têm a abrangência que o CDS, apesar de tudo, ainda tem. É evidente que nós temos características únicas, temos um património histórico absolutamente único... O CDS tem uma história de quase 50 anos na democracia portuguesa, com altos e baixos, mas sempre com um caminho de credibilidade e que é reconhecido por todos os portugueses.

É verdade que passou por uma fase muito difícil, é verdade que é preciso recuperar a utilidade do próprio CDS. Eu diria que uma das suas grandes qualidades passa pela existência de um leque alargado de quadros de grande capacidade... De pessoas que, muitas delas, têm a sua vida própria fora dos funcionalismos partidários e das querelas político-partidárias, e que podem acrescentar muito neste momento. Eu acho que essa é a grande mais-valia que o CDS ainda tem. Se conseguirmos ter um ambiente de paz, muitos desses quadros poderão dar o seu contributo... Em condições particularmente difíceis, é verdade... Porque, sem palco parlamentar, a própria política, como ela é feita por parte do CDS, terá de ser ajustada e adaptada. Aí sim, fazer das ruas de Portugal os escritórios e a área de intervenção do CDS.

Morte do CDS? Eu acho que essa discussão faz sentido. Os resultados são factuais, foram muito maus, e eu não acho que não deva existir essa discussão

Neste contexto particularmente difícil da vida do partido, tem-se vindo a discutir a eventual "morte do CDS". O que é que pensa desta afirmação? Como é que o Filipe vê o futuro do partido, neste momento? 

Eu acho que essa discussão faz sentido. Os resultados são factuais, foram muito maus, e eu não acho que não deva existir essa discussão. Até porque eu tenho dificuldade em ver partidos de direita tão contentes, no mesmo dia em que temos uma maioria absoluta do PS. Há muito a mudar e eu gostava que o CDS conseguisse ser parte desse motor de mudança. Quanto à questão da discussão sobre o futuro do CDS, penso que o CDS só será útil para o futuro, e neste momento, se conseguir reunir várias condições, que passam por unir o que sobra, por perceber o que fizemos mal para não repetir, e por ter uma mensagem para fora, que seja credível e que seja consistente, com um caminho que seja claro. Eu acho que há futuro se estes três requisitos conseguirem ser preenchidos por quem tem a ambição, a ousadia e a disponibilidade para ‘dar o corpo às balas’ neste momento.

Para além do fraco resultado eleitoral nas últimas legislativas e da instabilidade interna que se tem sentido, a verdade é que o CDS tem ainda de considerar os desafios colocados pela difícil situação financeira. Tem-se falado sobre a possibilidade do partido abandonar a sua sede no Largo do Caldas, para ajudar a aliviar as despesas. A solução pode e deve passar por aí?

O CDS não tem só a sede do Largo do Caldas, o CDS tem um património. Recuperando a sua credibilidade e conseguindo mostrar para fora que há um caminho, o CDS poderá conseguir recuperar a sua credibilidade financeira pouco a pouco. Eu acho que há vários caminhos, esse caminho terá de ser analisado e bem ponderado por quem é candidato. 

Parece-me evidente que terá de haver uma reestruturação financeira. Eu não estou por dentro de detalhes financeiros relacionados com a última campanha e confesso que não sei as responsabilidades financeiras que foram assumidas. Sei que, há um ano atrás, uma das razões principais pelas quais eu decidi sair era porque havia, de facto, uma grande dificuldade do partido em se financiar. Mas a verdade é que o partido desenvolveu a sua atividade ao longo deste último ano apesar disso e fez uma campanha com presença em todos os concelhos do país. Não com os resultados que queríamos, mas conseguiu tê-la no terreno… 

É evidente que isso são constrangimentos que devem ser ponderados, mas julgo que há soluções. Mas tem de haver uma reestruturação financeira, uma reestruturação de pessoal, uma reestruturação de toda a sua organização. Nós falamos disto já há alguns anos, não é de agora. Falamos disto já, pelo menos, desde 2015. Esse é um dos aspetos onde o CDS poderá contar com alguns quadros de excelência, que poderão ajudar o partido e que, seguramente, estarão disponíveis para o fazer. Eu não entraria muito no detalhe daquilo que se pode fazer, porque não tenho os dados todos. Isso é algo que quem for candidato tem de ponderar.

Chicão? Não deixa de ser uma pessoa estimável, um dos nossos, um dos que deve ser acarinhado. É alguém novo, é alguém que tem uma vida pela frente

Após o desaire eleitoral de 30 de janeiro, Francisco Rodrigues dos Santos demitiu-se imediatamente da liderança, tendo ainda anunciado que não avançaria com uma nova candidatura. Considerando o contexto particularmente difícil vivido pelo partido, pensa que foram decisões corretas?

Eu acho que o resultado eleitoral foi tão evidente e tão violento que não haveria margem para fazer de outra maneira. A mensagem que os portugueses deram ao CDS foi, claramente, que entendiam que tinha de haver uma mudança. Julgo que o Francisco não fez nada mais do que aquilo que podia fazer face a estas circunstâncias. Desse ponto de vista, julgo que ele fez bem. Não deixa de ser uma pessoa estimável, um dos nossos, um dos que deve ser acarinhado. É alguém novo, é alguém que tem uma vida pela frente, e a verdade é que há altos e baixos nas nossas vidas políticas, profissionais e pessoais... E se nós não soubermos perceber isto num partido democrata cristão, não saberemos fazê-lo em mais lado nenhum. Eu diria que o Francisco, apesar deste resultado muito mau, não deixa de ser um antigo presidente do CDS, e como tal deve ser tratado daqui para a frente. 

Eu espero, até nesse espírito de união que se exige a todo o partido, que se saiba reconhecer isso e que seja possível fazer pontes que não se conseguiram fazer nos últimos dois anos. Eu espero que exista a maturidade suficiente dos dois lados em disputa, quer no grupo do Nuno Melo e dos antigos deputados do partido, quer no grupo da direção presidida pelo Francisco Rodrigues dos Santos. Espero sinceramente que, agora, num momento de enorme dificuldade do nosso partido, haja a maturidade suficiente para conseguirmos, com transparência, fazer pontes e fazer a paz que é preciso para podermos começar a falar para fora. O CDS, nos últimos dois anos, andou a falar demasiado uns para os outros. Nós assistimos a declarações de reuniões internas do CDS com um nível de crispação que nunca tínhamos visto na história do partido. E se nós todos não percebermos que isso também prejudicou o partido, provavelmente não estamos aqui a fazer nada.

A noite das eleições legislativas foi uma noite de derrota para o partido, mas também para a direita no seu conjunto. Como vê o facto do país vir a ser governado por uma maioria absoluta socialista durante os próximos quatro anos?

Ao contrário de algumas declarações de alguns altos responsáveis partidários a que assisti, o povo português tem razão nas escolhas que faz. É preciso perceber que o eleitorado tem sempre razão, que não é estúpido e que faz as escolhas em função daquilo que é a perceção que tem. Obviamente os atores políticos conseguem definir estratégias e executá-las, uns melhor do que outros. E o resultado eleitoral que nós temos demonstra isso mesmo. 

Nós temos uma maioria absoluta de um PS, depois de seis anos de governação, com uma crise orçamental em cima e com todo o país político a pedir uma mudança, uma alternativa. Mas não houve essa alternativa e, simultaneamente, temos uma maioria absoluta que o PS não tinha tido nos últimos seis anos. Eu olho para esta maioria absoluta com alguma preocupação. Eu faço parte do eleitorado que gostava de ter uma alternativa e que não a conseguiu criar. 

Mas, por outro lado, é também preciso perceber que esta maioria absoluta tem dois factos novos. O primeiro é que, pela primeira vez, a questão da estabilidade parlamentar não se coloca. Nos últimos anos, tínhamos o ‘fantasma’ da estabilidade parlamentar, que era sempre colocado em cima da mesa pelo PS como uma força de pressão sobre o BE e o PCP. A verdade é que deixa de haver essa desculpa para governar. E o segundo facto é que um partido que tem uma maioria absoluta não se pode desculpar por não fazer as reformas que o país precisa com base na falta de estabilidade, porque ela existe.

Nós assistimos a indicadores económicos que são preocupantes, nós sabemos qual é o resultado de maiorias absolutas na História portuguesa recente e até onde isso nos levou. Eu fiz parte de um governo que governou com enormes restrições, que quando queria aprovar diplomas tinha de pedir autorização a funcionários estrangeiros, numa limitação evidente da soberania e do Governo portugueses, e nós não queremos que esses tempos de resgate e de restrição voltem. O PS, que tem maioria absoluta, tem aqui uma enorme responsabilidade e já não tem desculpas. Aquilo que fizer só os vai responsabilizar.

Vamos assistir a uma legislatura em que estes partidos poderão fazer uma oposição sem ter preocupações de responsabilidade, porque o seu voto é absolutamente indiferente dentro do Parlamento nacional

As eleições de 30 de janeiro mostraram, ainda, que outros partidos da direita, que surgiram mais recentemente no panorama político nacional, foram capazes de conquistar a confiança de uma parcela significativa de eleitores. Como vê a ascensão destes partidos, como é o caso do Chega e da Iniciativa Liberal?

É evidente que temos novos 'players', que tiveram subidas significativas. Eu diria que, no caso da Iniciativa Liberal, não é grande novidade. Conheço algumas pessoas que fazem parte da Iniciativa Liberal. Têm um pensamento estruturado, têm vidas profissionais fora da vida política, são gente que chega com uma aragem nova e com uma forma de comunicar nova, que puxa por eleitorados mais novos, que se reveem na política... coisa que ao longo das últimas décadas tanta gente criticava e não percebia porque é que os mais novos achavam que era tudo a mesma coisa. E a Iniciativa Liberal conseguiu furar essa lógica, não se pode negar isso. 

E, por outro lado, temos um Chega que vive muito da capacidade de oratória do seu líder, com um discurso que é muito radical, muitas vezes contraditório, mas que passa a ter o seu palco, também, por mérito próprio. Desse ponto de vista, parece-me que há vida nova na direita portuguesa. 

Vamos assistir a uma legislatura em que estes partidos poderão fazer uma oposição sem ter preocupações de responsabilidade, porque o seu voto é absolutamente indiferente dentro do Parlamento nacional. E, portanto, teremos momentos de grande crispação parlamentar, mas sem grande impacto ou consequência do ponto de vista da estabilidade. 

À direita, eu julgo que, mais importante do que falar do Chega ou da Iniciativa Liberal, é falar daquilo que pode ser um projeto alternativo ao socialismo, que tem de começar a ser preparado. Já passaram sete anos desde 2015... Então o centro-direita (o PSD, o CDS e a Iniciativa Liberal, evidentemente), ou quem quer, com responsabilidade, uma alternativa ao socialismo, tem de perceber que tem de começar a preparar essa alternativa, para que ela possa ser credível. Eu espero que o CDS possa ser um ator relevante nessa mudança. Se o vai ser ou não, veremos nos próximos capítulos. E isso dependerá só de si. 

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