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"Se a ANAC proibir drones, não acredito que as operações ilícitas parem"

No mês de junho registaram-se sete incidentes a envolver o cruzamento de drones com aviões, o que tem levantado várias questões relativamente ao regulamento de utilização destes equipamentos. O entrevistado do Vozes ao Minuto de hoje é Gonçalo Antunes Matias, presidente da Associação Portuguesa de Aeronaves Não Tripuladas (APANT).

"Se a ANAC proibir drones, não acredito que as operações ilícitas parem"
Notícias ao Minuto

09:00 - 30/06/17 por Pedro Bastos Reis

País Gonçalo Matias

Desde o início deste ano, há registo de 11 incidentes de drones que se cruzaram com aviões. Só em junho, são sete os casos registados. O regulamento da Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC) proíbe o voo de aeronaves não tripuladas a mais de 120 metros de altura, bem como em áreas próximas de aeroportos.

No entanto, há registo de drones que se cruzaram com aviões a 500 ou a 900 metros de altitude. Em alguns casos, os pilotos tiveram mesmo de fazer manobras para evitarem colidir com estes equipamentos

No dia em que o presidente da Autoridade Nacional de Aviação Civil vai ser ouvido no Parlamento devido aos incidentes das últimas semanas, o Notícias ao Minuto esteve à conversa com Gonçalo Antunes Matias, presidente da Associação Portuguesa de Aeronaves Não Tripuladas (APANT), uma associação sem fins lucrativos que tem como objetivo promover, a nível nacional e internacional, todas as atividades relacionadas com drones.

Gonçalo Antunes Matias afirma que quando um drone se cruza com um avião perto de um aeroporto estão em causa "crimes" e que, nesse sentido, "são necessárias ações de fiscalização", bem como identificar os prevaricadores. 

O presidente da APANT alerta para a importância do registo das aeronaves não tripuladas, mas realça que as alterações ao regulamento em vigor, apesar de fundamentais, necessitam de ser bem ponderadas e deixa um alerta: É necessário "ter muito cuidado com as restrições ao setor".

A utilização de drones em Portugal tem aumentado significativamente nos últimos tempos. A que se deve este aumento?

Deve-se, por um lado, por as aeronaves não tripuladas estarem mais acessíveis, serem mais baratas e estarem em mais lojas e, por outro, por serem mais fáceis de pilotar. Está a tornar-se uma ferramenta recreativa para voos de lazer mas também uma ferramenta de trabalho. Temos muitas empresas em Portugal, hoje em dia, que utilizam esta ferramenta.

Quem são, por norma, os utilizadores destes equipamentos?

Temos diferentes tipos de utilizadores. Utilizadores que os usam para lazer, para atividades desportivas, para atividades comerciais e também as universidades que os utilizam para investigação e desenvolvimento.

São necessárias ações de fiscalização eficazes para garantirmos que existem menos de atos ilícitosDesde o início do ano, há registo de 11 incidentes de drones que se cruzaram com aviões. Só em junho são sete casos. O que está na origem deste fenómeno?

Há uma coisa que todos esses incidentes têm em comum: são atividades ilícitas. Todos estes avistamentos, alguns quase colisões, com manobras que houve por parte dos pilotos das aeronaves comerciais, foram atividades que aconteceram para além do regulamento. No entanto, é importante garantirmos desde já, através de ações de sensibilização que têm sido feitas e que deverão ser reforçadas, que temos a certeza de que todos os utilizadores conhecem as regras e que conhecem o regulamento de operação. Estas regras são claras e simples de entender, mas também são necessárias ações de fiscalização eficazes para garantirmos que existem menos ocorrências provenientes de atos ilícitos.

Tendo em conta o elevado número de casos só neste mês, é possível afirmar que os incidentes sejam provocados por algum grupo em particular, por um número reduzido de pessoas?

Eu não lhe posso dizer quem são as pessoas, porque não estão identificadas. Espero que o resultado das investigações que estão a ser feitas possam responder à questão. No entanto, posso adiantar que o setor das aeronaves não tripuladas está de bem, os pilotos remotos são conscientes na sua esmagadora maioria, têm grande sentido de responsabilidade e cumprem com os regulamentos e com as regras. Resultado disto, ou prova disto, é o aumento exponencial que tem havido de pedidos de autorização de operações na Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC), assim como o grande aumento de apólices de seguro para responsabilidade civil.

Não é impossível identificar estas pessoas, mas é muito complexoComo é que se pode identificar os proprietários dos drones?

Isso é um trabalho que as forças de segurança e as autoridades de investigação terão de fazer. Neste momento, não lhe posso apresentar nenhuma solução imediata para as pessoas serem identificadas.

Mas é um processo difícil?

Enquanto não tivermos uma solução tecnológica, que está prevista no futuro regulamento europeu de identificação eletrónica, é um processo mais complexo. Não é impossível identificar estas pessoas, mas é muito mais complexo. Teremos de aguardar até que este quadro regulamentar fique fechado para que a indústria possa apresentar, então, soluções de identificação eletrónica que deverão estar associadas a um registo das aeronaves e dos operadores.

Qual é a dimensão do perigo de um drone embater contra um avião?

As operações ilícitas trazem um risco acrescido para o setor da aviação comercial. Devemos apelar para as operações lícitas, à luz da lei e do regulamento. Há uma separação clara entre aeronaves não tripuladas e aeronaves tripuladas, fazendo com que elas nunca se encontrem. Resultado disso é não termos que falar de colisões. Desde já, é importante diferenciar: uma coisa são avistamentos, outra coisa são quase colisões. A maioria dos casos que têm sido reportados são avistamentos.

Devemos tratar os avistamentos e as quase colisões de forma diferenteNo passado domingo, há o caso de um drone, perto do Aeroporto de Lisboa, que ficou apenas a 50 metros de uma das asa do avião.

Ainda assim, é um avistamento. Não houve necessidade de fazer uma manobra evasiva para evitar o drone. Este não estava em rota de colisão com a aeronave tripulada. Devemos tratar os avistamentos e as quase colisões de forma diferente. Os casos de avistamentos não são só portugueses, acontecem por toda a Europa e por todo o mundo. Segundo um estudo norte-americano de 2015, apenas 3,5% dos avistamentos foram quase colisões que necessitaram deu uma manobra evasiva por parte do piloto. Isso quer dizer que o risco associado é muito diferente e devemos tratá-los de maneira diferente.

Falando apenas dos casos em que existe mesmo esse risco de colisão, as pessoas que estiverem dentro de um avião estão em perigo caso se este colida com o drone?

Existe um risco acrescido para a aviação comercial, tal como existe com pássaros, lasers e outras ameaças. É importante que exista separação no espaço aéreo para garantirmos que o sistema de aviação civil não tem riscos acrescidos. Nenhum de nós os quer, nem o setor nem a sociedade. Neste momento, temos de apelar à utilização responsável, seguindo os regulamentos em vigor.

Estamos a falar de crimes. É importante que as pessoas sejam identificadasNestes incidentes estamos a falar, sobretudo, de drones brinquedos ou tratam-se de equipamentos com características específicas? São drones que se encontram, facilmente, no mercado?

As informações que temos não são muito claras. Temos desde avistamentos a mais de mil metros de altitude, até avistamentos mais baixos, a 300 ou 500 metros, e temos até mesmo a informação de que houve um drone a acompanhar um avião comercial a 300 km/h.

Confirmando-se estas informações, não há muitas aeronaves não tripuladas no mercado com estas capacidades. Não há, à partida, um utilizador tipo que possa cometer estes atos ilícitos. Não quero acreditar que seja um utilizador comercial, porque seria fácil de vir a ser identificado. Mas também não lhe sei dizer quem anda a fazer estes atos. Muito importante é que as ações de fiscalização sejam reforçadas e consigam, efetivamente, identificar estes prevaricadores.

O regulamento em vigor estipula que os drones, sem a devida autorização, não podem voar a uma altitude superior a 120 metros. Têm-se registado casos em que estes se cruzam com aviões a 500 ou 900 metros. Poderão estar em causa crimes, com coimas que deviam ser aplicadas?

Precisamente! Estamos a falar de crimes. O simples facto de colocar o sistema de aviação civil e o transporte aéreo de pessoas em risco é crime e está previsto na lei portuguesa. É importante que as pessoas que andam a praticar este tipo de atos sejam identificadas.

De que tipo de coimas é que estamos a falar?

Sanções monetárias ou até mesmo penas de prisão. Podemos estar a falar de até cinco anos de prisão em casos de negligência.

É urgente que a Agência Europeia para a Segurança da Aviação feche o seu futuro quadro regulamentarNo regulamento consta também que é proibido voar em zonas de aeroportos. Quando um utilizador compra um drone já existe software que faça com que seja impossível o equipamento voar nestas zonas? E a existir, é possível alterá-lo?

Esse software chama-se geofencing e é uma limitação geográfica. Muitas das aeronaves não tripuladas que são vendidas hoje em dia têm essa possibilidade.

Mas, enquanto não forem desenvolvidas novas técnicas não teremos um único sistema disponível no mercado que seja aplicável a todas as aeronaves não tripuladas, segundo os standards da entidade reguladora. É urgente que a Agência Europeia para a Segurança da Aviação (AESA) feche o seu futuro quadro regulamentar para que os Estados membros comecem a avançar nos seus regulamentos para ir ao encontro deste futuro quadro regulamentar.

Nesse sentido, considera o regulamento atual insuficiente? Que medidas devem ser tomadas?

O regulamento atual é o possível, mas, como tudo na vida, há oportunidades de melhoria. Podemos estar a falar, por exemplo, do registo das aeronaves não tripuladas e dos operadores. No entanto, este registo não deve ser feito de hoje para amanhã. Deve ser pensado e, se possível, juntando toda a comunidade aeronáutica para pensar sobre a melhor maneira de aplicar o registo. Por isso, a comunidade aeronáutica tem de se pronunciar sobre quais são as aeronaves não tripuladas e quais são as operação que necessitam de registo e em que moldes é que este deve ser feito.

Quando avançar, este registo não deverá trazer grandes encargos burocráticos para os utilizadores nem um acréscimo financeiro e, nessa altura, certamente que teremos a maioria dos utilizadores a cumprirem a lei.

Temos de ter muito cuidado com as restrições que vamos colocar ao setor neste momentoQuais são as características que as aeronaves não tripuladas devem ter para que tenham de ser obrigatoriamente registadas?

Neste momento, ainda não terminamos esse estudo. Posso referir que, a nível europeu, o que está pensado é que a partir dos 250 gramas o operador tenha de ser registado e a partir dos 900 gramas também a aeronave não tripulada tenha de ser registada. Acreditamos que este é um bom ponto de partida para uma discussão.

Para além da questão do registo, que outras medidas devem ser tomadas e estipuladas na lei?

Associado a este registo, deve existir uma identificação eletrónica. A capacidade de identificar o operador da aeronave, a estação remota e a operação é fundamental.

Temos outras questões, outras tecnologias desbloqueadoras, como o geofencing. Mas todas as tecnologias carecem de que o quadro regulamentar europeu fique fechado para que a indústria apresente as suas soluções e para que os reguladores possam começar a adaptar a sua regulamentação nacional para ir ao encontro do futuro regulamento.

Segundo as informações que existem da Comissão Europeia, para o ano teremos este regulamento, ou seja, estamos a falar de uma questão de seis meses ou um ano. Temos de ter muito cuidado com as restrições que vamos colocar ao setor neste momento, porque, muito provavelmente, daqui a um ano terão de ser completamente diferentes. Por isso digo que existe uma enorme pressão na AESA para que todos os Estados membros possam começar a harmonizar o seu quadro regulamentar.

Se a ANAC vier a proibir os drones, não acredito que estas operações ilícitas paremA Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC) já admitiu que poderá mudar o regulamento, apesar de realçar a importância na prevenção. Que alterações prevê para breve, caso haja alguma mudança?

Prevejo alterações ao nível do registo. Mas, uma vez mais, devemos referir que o importante, neste momento, é reforçar a sensibilização e termos a certeza que todos os utilizares compreendem a regras, bem como reforçar a fiscalização para termos a certeza que cada vez menos temos pessoas que infringem as regras.

Teme que perante a recente polémica possa haver mais pressão para que, eventualmente, haja uma proibição, mesmo que temporária, da utilização de drones em Portugal?

Certamente que poderão haver maiores restrições, na medida em que o setor está a ser pressionado. Mas se a ANAC vier a proibir os drones, não acredito que estas operações ilícitas parem. Precisamente porque são ilícitas. As pessoas que operam, de uma forma consciente ou inconsciente, para além da lei não vão deixar de o fazer. Por isso é que o registo, por si só, poderá não resolver este caso.

Mas sente que há uma verdadeira possibilidade de a ANAC avançar com uma proibição?

Penso que não. Neste momento, penso que isso não está a ser equacionado, porque não iria resolver o problema dos casos ilícitos. Se estivéssemos a falar de avistamentos a acontecer de acordo com o regulamento, certamente que iriam aparecer muitas restrições e até mesmo uma proibição. A questão é que os últimos incidentes estão a acontecer à margem da lei.

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