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Os cães-guia em Portugal são educados e entregues pela Associação Beira Aguieira de Apoio ao Deficiente Visual

Notícias ao Minuto

08:27 - 26/02/17 por Inês André de Figueiredo

País Cães

O cão-guia é muito mais do que uma bengala, torna-se um amigo, um companheiro sempre presente, capaz de estar lá nos momentos mais importantes da vida de um cego. Augusto Hortas, de 66 anos, cegou aos 16 anos, com um descolamento de retina, e foi a primeira pessoa a ter um cão-guia treinado e educado em Portugal. Em conversa com o Notícias ao Minuto, Augusto conta as mudanças radicais na sua vida.

Foi no dia 6 de janeiro de 1999 que Camila chegou às mãos de Augusto, agora reformado, mas dirigente da Associação dos Cegos e Amblíopes em Portugal. Na altura, a cadela foi entregue pelas mãos da Escola Beira Aguieira, agora Associação Beira Aguieira de Apoio ao Deficiente Visual (ABAADV), que continua a ser a única escola em Portugal a treinar e a oferecer estes animais aos deficientes visuais.

Depois de Camila, Augusto teve a Lua e tem agora a Horta, todas cadelas criadas em Portugal.

“Eu fui a terceira pessoa a ser contactada. Quando tive a notícia de que a Camila foi entregue a outro utilizador sofri com isso porque estava com a expectativa de ser o primeiro. Essa entrega falhou por ter havido incompatibilidades com o outro utilizador. À segunda tentativa, o segundo utilizador chega à conclusão de que não tinha vida para ter cão-guia e depois fui contactado, já com alguma surpresa, no sentido de saber se eu estaria interessado”, relata, ao recordar aquele que foi o momento que mudou a sua vida.

Augusto Hortas assume que ficou receoso para perceber se o problema podia ser do cão ou se seria dos anteriores utilizadores. “Mas arrisquei. E arrisquei muito bem. Correu tudo muito bem. Eu e a Camila fizemos uma dupla espetacular. Ela era uma cadela muito inteligente, muito bem treinada”.

Antes da chegada do cão, o utilizador tem um estágio junto do animal, primeiro na escola e na zona onde foi treinado, e depois perto da área de residência do cego. “São mais de 25 ordens e ainda aprendem mais no dia a dia. A escola procura conjugar a personalidade e características dos cães à personalidade do indivíduo. Quando encontram a dupla, chamam o candidato e entram em estágio”, explica.

Quando questionado sobre as mudanças no dia a dia, Augusto Hortas não tem dúvidas. “Mudou muito, porque um cão-guia, além de ser guia, é também uma excelente companhia. Quando vamos na rua, com muita ou pouca gente, vamos sempre acompanhados e vamos com mais segurança. Um cão é diferente de uma bengala”, diz.

Por outro lado, Augusto Hortas realça que quando vai apenas com uma bengala passa pelas pessoas e “praticamente ninguém fala”. O mesmo não acontece quando vai com o animal. “As pessoas têm tendência de perguntar se podem fazer uma festinha e o facto de as pessoas brincarem com o cão, serve de charneira para o início de uma conversa”, revela, falando de uma “abertura à socialização”.

O primeiro utilizador a ter um cão-guia criado em Portugal revela que aprendeu muito sobre a relação entre animal e cego, principalmente na sua primeira experiência. “Já me aconteceu uma vez não obedecer à Camila e cair na linha do comboio. Eu estava a dizer para ela se encostar e ela não se encostava, passei por trás dela e caí quando me assustei com o apito do comboio”, conta. “A cadela voou para o meio da linha e dá vontade de rir porque as pessoas em vez de dizerem ‘coitado do senhor’, diziam ‘coitadinho do cão’”, conta entre risos.

Augusto acredita que a relação que se cria é qualquer coisa de “espetacular”. Não arriscando dizer que a empatia é maior do que com os animais ditos normais, garante que há “uma enorme empatia, uma relação que se cria entre o utilizador e o cão de que não há ideia”.

“Infelizmente tive de me separar tanto da Camila como da Lua. A Camila foi um caso muito especial. As duas cadelas que tive anteriormente saíram de serviço na altura em que me foi entregue outra”, realça.

“A Camila tinha tido um acidente na brincadeira, teve um problema numa pata e nunca conseguiu ficar bem e foi substituída. Porém, eu quis ficar com a cadela e quando eu saía ela ficava com a minha mulher. Entrou em stress, chorava como uma criança, a ponto de me fugir quando a levei a fazer as necessidades. Deixou de comer e morreu poucos dias depois”, recorda com nostalgia.

A ABAADV oferece os cães gratuitamente aos seus utilizadores, depois de um processo em que educa os animais. Neste momento conta com três educadores e consegue dar 16 cães por ano, dois deles vindos de uma parceria com uma escola dos Estados Unidos.

A escola de cães-guia tem o apoio de muitos patrocínios mas também do voluntariado imprescindível das famílias de acolhimento que recebem os cachorros durante cerca de um ano, antes de estes começarem a ser treinados.

Neste momento há mais de 40 pessoas em lista de espera, mas os critérios impõem-se ao tempo de espera, até porque uma boa dupla é essencial para o trabalho do cão e para a forma como o cego é ajudado.

Para ser um possível utilizador de cão-guia e para se candidatar a tal tem de seguir algumas regras, entre elas ser totalmente cego/a ou possuir somente perceção luminosa ou visual mas não suficiente para ser utilizada nas deslocações, ter entre os 18 e 65 anos, não exercer a mendicidade e possuir um modo de vida com um propósito construtivo.

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