No Casal da Mira ainda se sente o preconceito e trabalha-se para "um bairro melhor"

Quem vive no Casal da Mira, na Amadora, onde foram realojadas mais de 700 famílias que viviam em barracas, ainda sente o preconceito que o estigma de bairro problemático constrói, mas já trabalha para “um bairro melhor”.

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Lusa
05/05/2013 13:01 ‧ 05/05/2013 por Lusa

País

Reportagem

O realojamento aconteceu entre 2004 e 2005 para dar casa a milhares de pessoas que viviam em barracas na Azinhaga dos Besouros, na zona envolvente ao que é agora a Circular Regional Interior de Lisboa (CRIL), e permitir construir a via.

Vivem no bairro cerca de 2.500 pessoas. Durante anos, o espaço viveu isolado. Está no alto de uma colina e nem o autocarro lá subia. O Casal da Mira foi aparecendo nos jornais e na televisão “pelas piores razões”: desacatos, armas, drogas. Foi envergonhando quem ali vive, criando em torno do nome do bairro um preconceito difícil de gerir, por exemplo, na escola ou quando se procura um emprego.

Hoje – 20 anos passados sobre a criação do Programa Especial de Realojamento (PER), ao abrigo do qual este bairro foi construído, e quase uma década depois da mudança destas pessoas –, a vice-presidente da Câmara Municipal da Amadora, Carla Tavares (PS), reconhece que a concentração de largas centenas de agregados “não é a forma mais desejável de fazer um realojamento”.

A responsável no município pelo pelouro da Habitação há mais de uma década considera ainda que, embora o processo de realojamento tenha sido acompanhado de estruturas e serviços de apoio à comunidade, “não conseguiu, em absoluto, criar novos percursos de vida”.

“Não é fácil trabalhar estes agregados”, diz à agência Lusa. Para a grande maioria destas famílias, a falta de habitação “era apenas um de muitos problemas”.

Agora é evidente que essa não era, “de todo, a melhor solução”, mas a urgência do momento fez com que não pudesse acontecer de outra forma: quando a Amadora aderiu ao PER, no fim de 1995 (foi a última autarquia a fazê-lo, tinha cerca de 22 mil pessoas a viver em barracas, distribuídas por 34 bairros clandestinos, e este, recorda, é “o território mais densamente povoado do País”.

Para quem trabalha todos os dias no bairro, com o bairro, o “estigma” de viver no Casal da Mira continua a ser “a grande batalha”. Teresa Martins, da Fundação Aga Khan e coordenadora do Contrato Local de Desenvolvimento Social, diz que a diferença é que hoje “há muita gente a querer ter um bairro melhor ou, pelo menos, que percebe que essa mudança é possível”.

Depois de um caminho de dois anos, “porta a porta”, em conjunto com entidades parceiras, considera que “há muita coisa feita” e “muitas sementes” deitadas à terra do caminho que falta fazer. As mudanças, lembra, “implicam tempo e maturidade”.

“Mas já há muitos grupos a emergir, na área do desporto, da educação, dos idosos e da cultura. Está em perspectiva a criação de uma associação de desenvolvimento do bairro e também a criação de uma marca Casal da Mira para valorizar as capacidades das pessoas aqui no bairro. A ideia é que todos estes pequeninos grupinhos se unam e criem eles próprios a sua dinâmica e a sua identidade enquanto bairro”, explica.

Quando saiu do bairro clandestino de Santa Filomena para ser realojada aqui, a cabo-verdiana Matilde Alves, de 47 anos, “não conhecia ninguém". Hoje, conhece a maioria dos vizinhos, convive “com todos" e até partilha o regresso à escola com alguns.

O curso de alfabetização que ali frequenta é parte do caminho que o Casal da Mira fez “para ter mais coisas” e parte do caminho que a moradora quer fazer para encontrar emprego e deixar de depender do Rendimento Social de Inserção.

“Agora o bairro tem coisas novas, que é muito importante para alegrar. Melhorou. Não havia nada e agora tem muita coisa. Mas eu quero mais: cabeleireiros, lojas, cafés, uma pizzaria era bom e churrasqueira. A gente tem que ir buscar tudo longe”, acrescenta.

Para Odair Almeida, de 21 anos, morador há três, “há preconceito em relação a quem vive no bairro” - o jovem, que completou um curso tecnológico de Turismo, conta que procura trabalho há três anos. É preciso, diz, que se arranje emprego para os mais novos, para que não passem, como ele, “os dias no bairro, por aí”, a fazer tempo para o tempo passar.

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