Alguns 'Episódios' da nossa História 'que não aconteceram bem assim'

Já alguma vez lhe passou pela cabeça que alguns episódios da História de Portugal podem não ter ocorrido exatamente da forma como nos foram ensinados?

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© Câmara Municipal de Guimarães

Patrícia Martins Carvalho
13/11/2016 09:09 ‧ 13/11/2016 por Patrícia Martins Carvalho

País

Literatura

É isso mesmo que Ricardo Raimundo, licenciado em História e mestre em História Moderna, nos demonstra no seu mais recente livro.

‘Episódios da História de Portugal Que Não Aconteceram Bem Assim’ é o nome da obra que desconstrói e desmistifica alguns mitos e lendas que foram passando de boca em boca ao longo dos séculos. Para o fazer, o autor recorreu a várias fontes e documentos oficiais e históricos.

Certamente que se lembra de D. Inês de Castro e da sua coroação depois de morta que incluiu uma cerimónia em que os nobres lhe beijaram a mão. Mas e se não for bem assim?

E se Portugal já sabia da existência do Brasil antes da sua descoberta oficial?

Nós lemos o livro, que foi lançado em setembro passado, e escolhemos alguns episódios para lhe aguçar a curiosidade.

D. Afonso Henriques bateu mesmo na mãe?

Notícias ao Minuto

Por um lado o infante Afonso Henriques queria a independência do Condado Portucalente, por outro lado D. Teresa, que geria o território, pendia mais para o lado castelhano.

O mito conta que, aquando da Batalha de S. Mamede, em 1128, as tropas do infante derrotaram as da sua mãe, tendo-a aprisionado na companhia do amante e há quem diga que Afonso Henriques chegou mesmo a agredir a progenitora e que esta lhe lançou uma maldição que se cumpriu.

O confronto bélico está comprovado por diversos documentos históricos, porém, a agressão e a maldição são apenas um mito que sobreviveu à passagem dos séculos.

É verdade que alguns anos após a batalha, D. Afonso Henriques partiu uma perna noutro confronto com os mouros, um acontecimento que foi aproveitado pelos cónegos regrantes de Santa Cruz de Coimbra para dar uma “carga sobrenatural” ao primeiro rei de Portugal, afirmando que se tratou da concretização da maldição lançada por D. Teresa como vingança pela alegada agressão.

Egas Moniz, aio e herói. Só que não

Notícias ao Minuto

Em 1127, Afonso VII torna-se imperador de toda a Hispânia e, como tal, exige vassalagem ao Condado Portucalense. O infante Afonso Henriques recusa prestar vassalagem e o imperador monta cerco a Guimarães que deixa a população em risco de morrer à fome. Perante tal facto, o infante manda alguns nobres negociar tréguas com Afonso VII, entre os quais se encontrava Egas Moniz, antigo aio do infante.

Os nobres e o imperador chegaram a acordo: o infante presta vassalagem e Afonso VII retira as tropas. E assim foi.

Mas quatro anos depois, Afonso Henriques invade a Galiza, quebrando desta forma o acordo.

Conta a lenda que Egas Moniz havia dado a sua palavra de honra a D. Afonso VII em como o infante iria cumprir o acordado. Com a invasão da Galiza, o antigo aio viu a sua palavra desonrada. Posto isto vestiu-se de penitente, colocou uma corda ao pescoço e viajou para Toledo com a mulher e os filhos. Na presença do imperador ofereceu-lhe a sua vida e a da sua família para o compensar do acordo desrespeitado. Afonso VII teve compaixão e mandou-o para casa, são e salvo.

O mito foi criado por João Soares Coelho, um trovador que era trineto, por linha bastarda, de Egas Moniz e que, muitos anos depois, quis honrar o antepassado conseguindo para si alguma projeção social.

De acordo com o autor este mito carece de fundamentos reais pois documentos da época referem que Afonso Henriques cedeu às exigências do imperador depois de ter invadido a Galiza. Assim, não havia razão para Egas – que também não é certo que tenha sido aio do infante, pois é provável que tenha sido o seu irmão mais velho que morrera cedo – colocasse a sua vida nas mãos do imperador.

Martim Moniz e a conquista de Lisboa. Outro (falso) herói

Notícias ao Minuto

A lenda conta que Martim Moniz atravessou-se num portão, que os mouros de Lisboa tentavam fechar, o que levou à vitória dos católicos e à conquista daquela que é agora a capital de Portugal.

Porém, o que os documentos históricos deixam claro é que em 1147 D. Afonso Henriques conquistou Lisboa com a ajuda de cruzados ingleses, alemães, normandos, flamengos e galeses. O assalto à cidade foi feito através de uma torre móvel colocada junto à muralha da cidade. Ou seja, o ataque foi feito por cima, o que inviabiliza o mito sobre o portão e o sacrifício de Martim Moniz. Além do mais, os mouros renderam-se antes que a violência dos confrontos atingisse níveis dramáticos.

O mito nasceu entre o povo e o autor não descarta a possibilidade de Martim Moniz se ter efetivamente sacrificado numa das “escaramuças” que houve com os mouros aquando da conquista. Porém, não foi esta a ação que deu a vitória às tropas de D. Afonso Henriques. 

D. Inês e a coroação ‘fantasma’ de uma morta

Notícias ao Minuto

D. Pedro I ficou conhecido por Justiceiro depois de o pai, Afonso IV, ter mandado matar D. Inês de Castro, o amor da vida do então príncipe. Quando subiu ao trono, D. Pedro vingou-se dos autores do crime e declarou D. Inês como rainha, assegurando que se havia casado uns anos antes. A lenda diz-nos ainda que D. Pedro convocou toda a nobreza para o Mosteiro de Santa Clara onde jazia o corpo da sua amada, obrigando os nobres a beijar a mão sem vida da rainha depois de a coroar.

Ricardo Raimundo sublinha que o cronista Fernão Lopes descreve com precisão a trasladação do corpo de D. Inês para o Mosteiro de Alcobaça, sem referir a cerimónia do beija-mão ou a própria coroação. De acordo com o autor todo o mito surge em 1557 com o escritor castelhano Frei Jerónimo Bermudez.

Mais vale rainha por um dia que duquesa toda a vida”. Será?

Notícias ao Minuto

Em 1640, aquando da revolução que restaurou a independência em Portugal, D. João IV, antes de ser aclamado rei, perguntou à sua esposa, Luísa de Gusmão, se deveria assumir a coroa. Esta disse-lhe, segundo a ‘História do Portugal Restaurado do 3º Conde da Ericeira’: “Ainda que a morte fosse consequência da coroa, antes morrer reinando que acabar servindo”.

Porém, a frase que se popularizou foi “Mais vale rainha por um dia que duquesa toda a vida”. Porquê? O autor explica que resulta de uma deturpação ou dos espanhóis ou dos portugueses apoiantes do domínio espanhol em Portugal com o objetivo de tornar a rainha numa mulher ambiciosa aos olhos do povo.

A frase do Marquês que não era o de Pombal

Notícias ao Minuto

A 1 de novembro de 1755, um forte terramoto seguido de maremoto destruiu grande parte de Lisboa. D. José, o rei, salvou-se porque estava com a rainha em Belém, uma zona rural onde a ausência de edifícios evitou uma tragédia ainda maior. Perante o cenário de milhares de mortos e destruição, o rei perguntou “e agora?” e a resposta foi perentória: “Enterrar os mortos, cuidar dos vivos”.

Esta frase imortalizou-se como tendo sido proferida por D. Sebastião José, mais conhecido por Marquês de Pombal, mas não foi ele o verdadeiro autor.

Conta Ricardo Raimundo que foi outro marquês, o de Alorna, que era um respeitado general que já havia sido governador de Minas Gerais (Brasil) e vice-rei da Índia, que proferiu a frase, uma vez que terá sido a ele que o rei se dirigiu.

Não só o autor foi adulterado, como também a frase o foi. O autor escreve que a declaração original foi: “Sepultar os mortos, cuidar dos vivos e fechar os portos”.

As palavras foram atribuídas ao Marquês de Pombal porque foi ele a face mais visível da reconstrução de Lisboa após o sismo. 

A invenção de um jornalista que chega atrasado ao assassinato do Presidente da República

Notícias ao Minuto

Em dezembro de 1918, Portugal não era um país em paz. A jovem República enfrentava dificuldades e o Presidente Sidónio Pais era alvo de críticas. A 14 de dezembro, o Chefe de Estado foi assassinado no Rossio, onde ia apanhar o comboio para o Porto, por José Júlio da Costa que disparou uma arma de fogo por duas vezes. Reinaldo Ferreira, jornalista do Diário de Notícias, contou que antes de fechar definitivamente os olhos, Sidónio Pais deixou um apelo: “Morro bem, salvem a Pátria”.

Contudo, é quase certo que as palavras foram inventadas, pois o jornalista, que estava encarregue de cobrir a partida do Presidente para o Porto, chegou atrasado ao Rossio, não tendo assistido aos acontecimentos. Por outro lado, uma das balas perfurou o pulmão de Sidónio o que torna quase impossível que tivesse proferido uma frase tão heroica.

Brasil, uma descoberta, duas teorias

Notícias ao Minuto

Pedro Álvares Cabral desembarcou em Terra de Vera Cruz a 22 de abril de 1500. Há quem defenda que a sua descoberta foi um acaso, mas há quem diga que estava tudo planeado.

A teoria mais forte é a de que se tratou de um acaso quando um dos navios da Armada que partira para a Índia se perdeu junto a Cabo-Verde. Pedro Álvares Cabral avistou terra e ali desembarcou.

Mas existe também a teoria de que o Brasil já havia sido encontrado, mas que a divulgação da sua descoberta foi atrasada devido ao Tratado de Tordesilhas, que estava em negociação.

Salazar, o homem poupado de grandes gastos

Notícias ao Minuto

António de Oliveira Salazar governou Portugal durante quatro décadas com mão-de-ferro. A propaganda do Estado Novo fazia dele um homem casto e muito poupado, mas estudos que têm vindo a público mostram exatamente o oposto.

No que diz respeito à castidade, Salazar não era exemplo, pois teve, pelo menos, oito amores carnais. Embora não fossem de conhecimento público, o seu círculo mais próximo sabia o que se passava no seu gabinete.

Quanto à poupança, Franco Nogueira, seu antigo ministro, garante que o ditador gastava elevadas quantias em fatos, gravatas e sobretudos. E muitos eram os presentes que enviava a um dos seus amores, a jornalista francesa Christine Garnier.

Aquando da visita da rainha Isabel II a Portugal, Salazar não poupou nem um cêntimo, pois sabia que quanto maior fosse a exuberância da receção, maior seria a publicidade para o país na imprensa internacional.

 

O galo de Barcelos e a invenção de um símbolo português

Notícias ao Minuto

António Ferro, diretor do secretariado da Propaganda Nacional, precisava de oferecer algo a uns congressistas estrangeiros que vinham a Portugal para uma conferência. Dono de uma criatividade imensa, António Ferro aproveitou uma lenda antiga que circulava em Barcelos para a tornar num símbolo português. Esta lenda, como explica o autor, dizia respeito a um galego condenado à morte por crimes cometidos em território nacional.

Contudo, o suspeito sempre se disse inocente e garantiu que um galo, que estava já cozinhado e servido numa bandeja, se iria levantar e cantar quando fosse executado o seu enforcamento. E assim foi. Aproveitando esta lenda, o responsável pela Propaganda criou um símbolo português. Mas não foi esta a sua única criação. António Ferro foi também quem deu origem às Marchas Populares (1932) e à institucionalização de Monsanto como a aldeia mais portuguesa de Portugal (1938).

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