Expropriados anteveem "zaragatas" entre comunidade islâmica da Mouraria

Projeto de reabilitação da Mouraria está pôr os nervos à flor da pele do proprietário de dois prédios que vão ser demolidos para dar lugar a um novo templo islâmico. Proprietário e inquilinos acusam a autarquia de estar a criar problemas onde eles não existem.

Uma nova mesquita na Mouraria? “Vão arranjar sarna para se coçar”
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Elsa Pereira
05/06/2016 10:01 ‧ 05/06/2016 por Elsa Pereira

País

Lisboa

A Câmara Municipal de Lisboa vai reabilitar a zona da Mouraria, expropriando quatro prédios na Rua da Palma e na Rua do Benformoso. O projeto, que custará à autarquia 3 milhões de euros, prevê a construção de uma mesquita até ao próximo ano. Um empreendimento que está a pôr António Barroso, de 63 anos, e a sua esposa, num estado de grande tensão nervosa. São as poupanças de uma vida de trabalho, gastas na compra e reabilitação de duas propriedades na Rua do Benformoso, que se lhes estão a escapar entre os dedos.

Apenas um dia antes de o Notícias ao Minuto ter ido ao local onde vai nascer a nova mesquita, o que mais temia António Barroso, aconteceu mesmo. A Câmara tomou posse administrativa do prédio que custou ao Sr. Barroso, só nas obras de reabilitação terminadas em 2009, 350 mil euros. “Fora o que ainda estou a gastar”, frisa.

Naquele dia, a autarquia passou a ser dona da propriedade de António Barroso. Visivelmente transtornado e ainda no rescaldo do desfecho, explica por que razão não dá ‘carta branca’ ao projeto da Mouraria. “Nada contra os muçulmanos, com quem me relaciono muito bem aqui na rua”, salvaguarda, antecipando-se a uma eventual pergunta sobre a multiplicidade de credos da zona, habitada maioritariamente por imigrantes do Bangladesh.

António Barroso não quer passar a mensagem errada e insiste que não é a construção do templo em si que o aflige. Mas sim o processo e a forma como a Câmara Municipal de Lisboa (CML) o desencadeou, em 2012, “quase em segredo”, acusa, lembrando que nem o próprio “islão consente que alguém seja prejudicado para fazer uma mesquita".

Credos à parte, o proprietário queixa-se de que a ideia de construir uma Mesquita ali “foi iniciada com base em algumas mentiras”. E enumera-as: “A primeira, que só havia uma mesquita na Mouraria. Há duas, uma no Beco de S. Marçal e outra na Rua do Terreirinho”. A outra “mentira”, alega António Barroso, é que os seus prédios estavam “degradados, devolutos e sem valor arquitetónico”, contrariando pareceres anteriores da Câmara dados através do gabinete da Mouraria, por altura das obras que levou a cabo.

António Barroso conta que este projeto camarário “não agrada a ninguém, nem aos próprios" visados, que nem “vão ter dinheiro para os acabamentos", uma vez que a Câmara lhes vai entregar a mesquita ainda sem estar terminada.

“Já andam aí às zaragatas”, diz, sublinhando que a autarquia “deveria ter o cuidado de construir a mesquita num sítio onde não prejudicasse ninguém”, nas zonas com prédios devolutos que o municípiotem. “Mas não, prefere vendê-los em hasta pública, ao preço de mercado, e vir expropriar prédios de terceiros e ainda por cima pagar indeminizações ridículas, não dando hipótese para as pessoas dizerem o que sentem em relação ao projeto”, acusa.

 A construção da 'Praça da Mouraria', que  está orçada em 3 milhões de euros (metade destinada à construção da Mesquita), vai causar transtorno não só o proprietário, António Barroso, como aos inquilinos que têm no rés-do-chão o próprio negócio. Um restaurante chinês, uma loja de transferências de dinheiro de um imigrante do Bangladesh e ainda uma pequena agência de viagens, do moçambicano Mohamed Azfal, de 48 anos, com quem também conversámos. Negócios de subsistência que correm o risco de ser, literalmente, demolidos se a autarquia avançar com o projeto, aprovado em 2012 sem nenhum voto contra.

Volte face: Tribunal aceita a providência cautelar e suspende expropriação... pelo menos o "carácter de urgência"

Dizia Mohamed Azfal no dia em que conversou com o Notícias ao Minuto que esperava que a providência cautelar viesse a “colocar os pontos nos i’s”. No final da semana, era então conhecida a primeira vitória dos expropriados. A providência cautelar interposta por António Barroso com vista a obter a suspensão da declaração de utilidade pública da expropriação, com caráter urgente, foi “liminarmente” aceite pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa. Passando agora a batuta novamente para o lado da autarquia que se vê obrigada a suspender o processo de expropriação, mas que não deverá ceder sobre a implementação do empreendimento, avizinhando-se até lá uma batalha judicial demorada.

Mohamed, ele próprio muçulmano, também não condena a construção do novo templo, mas não compreende por que razão uma mesquita vai ser entregue a uma comunidade específica. “Deveria ser entregue à comunidade islâmica de Lisboa, que agrega muçulmanos de todo o mundo, da Índia, de Moçambique, do Egipto, etc.”, assinala o moçambicano que já vive em Portugal há mais de 40 anos. “Isso não está correto”, diz, criticando o facto de a nova mesquita ir ser entregue à comunidade islâmica do Bangladesh ali sediada.

Mais: “vai ser entregue a imigrantes do Bangladesh ligados a partidos políticos lá da terra deles, que não propriamente meninos de coro”. O moçambicano explica que existem divisões políticas naquela comunidade que poderão gerar problemas a médio e longo prazo, e que já saltam à vista na forma como os crentes se distribuem pelas duas mesquitas existentes na Mouraria.

“Segundo me constou, cada mesquita está ligada a um partido. Seguidores de um partido frequentam uma mesquita, seguidores de outro frequentam a outra”, relata, dando-nos uma imagem para enfatizar como a rivalidade entre eles é grande: “Uns são os do Bruno de Carvalho, outros do Luís Filipe Vieira”.

No entendimento de Mohamed, a autarquia só está a criar condições para que surjam problemas. “Arranjaram sarna para se coçar”, frisa, antevendo aquilo que poderá acontecer. “Se tomarem conta dessa entidade nova que vai nascer com a construção da mesquita… se um determinado grupo tomar conta e o outro também achar que tem direito, vai ser bonito”, ironiza. “Não sei quem teve essa brilhante ideia, mas quem a teve só arranjou sarna para se coçar. Isso não é brincadeira nenhuma”, prossegue.  

Contudo, este moçambicano espera que prevaleça o bom senso e que se opte por fazer a Mesquita noutro sítio, ou então “que se pague o que é devido”

Medina aberto a negociações

O presidente da Câmara Municipal de Lisboa já veio entretanto dizer que a indemnização ao proprietário de dois prédios expropriados foi definida pelo tribunal, mostrando-se disponível para "consensualizar uma solução”.

Em reunião pública de Câmara na semana passada, Fernando Medina frisou que "a expropriação dos dois prédios decorreu nos termos da lei, foi aprovada pela Câmara", mas "a indemnização foi estabelecida pelo tribunal" e não pelo município.

António Barroso recebeu a informação de que vai receber uma indemnização no valor de 530 mil euros para sair dos dois prédios. O proprietário considera a indeminização ridícula e o processo uma “barbaridade”, exigindo um montante quatro vezes superior ao que a autarquia quer dar. Para António Barroso, o valor justo rondaria os 1,9 milhões de euros, valor esse que foi recusado pela Câmara.

Apesar disso, o autarca prometeu uma reunião com o proprietário, afirmando que "há vontade, disponibilidade e interesse em consensualizar uma solução". "A cidade de Lisboa é uma cidade livre, aberta, que se tem caracterizado nos seus momentos de expansão pela tolerância religiosa, étnica, cultural, que tem pugnado por essa abertura", acrescentou.

Entretanto, a polémica estende-se à internet, onde se discute a legitimidade de um Estado laico despender fundos com a construção de um templo religioso. Foi criada a petição 'Contra a construção de mais uma mesquita em Lisboa', que, até à data desta publicação, contava com mais de 5.200 assinaturas.

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