Aos 92 anos e com cinco bisnetos, Clotilde Ferreira só usa bengala na rua, “para passar buracos”. Podem conhecê-la por Professora Clô ou mestre Rupa. É a professora de Yoga mais velha do país e continua a dar aulas todos os dias.
“Comecei por dar quatro aulas por dia agora dou uma por dia. Com a minha idade dizem que chega mas…”, ri em conversa com o Notícias ao Minuto.
Clotilde vive numa casa de repouso, mas o seu repouso é a atividade física, a agilidade do corpo e da mente. O Ginásio Clube Português, diz, é a sua “segunda casa”.
“Eu acho que as pessoas não têm idade, têm a idade que parecem. Há pessoas com a minha idade que estão sentadas e não se mexem e pessoas como eu que estão sempre ativas. Uma pessoa deve trabalhar enquanto pode, o que é difícil porque não dão o lugar aos mais novos”.
Pratica o kripalu yoga há setenta anos e dá aulas há cerca de cinquenta. Começou por fazê-lo em casa, desde que os filhos saíram de lá e resolveu transformar os seus quartos num estúdio.
Estudou a disciplina na Bélgica e em Paris mas foi nos Estados Unidos que conheceu o mestre indiano que a “encantou”. Formada mestre, foi uma das fundadoras (agora a última dos 25) de um encontro internacional anual durante o qual se passava uma semana a fazer yoga.
"Levanta-te já"
“Quando vejo as pessoas fico triste. Não sabem andar nem respeitar, estão a prejudicar as ancas e o corpo”, explica Clotilde, motivo por que quis ensinar yoga.
“Saber respirar, é a base da vida” e a coordenação entre respiração e movimentos é uma das coisas que os alunos da mestre passam a fazer de forma automática no dia-a-dia para que o seu “corpo passe a ser consciente, um corpo que existe”.
“Quando fazemos um exercício lento com o braço, por exemplo, sentimos a articulação que rodou, o braço que esticou, os músculos, se esticamos bem o cotovelo. Tudo isso com a idade vai-se atrofiando”.
“Temos de ter consciência do corpo e sentir os nossos defeitos para os melhorar”, conta. Uma serenidade e equilíbrio físico e mental que só se mantém com trabalho e sobretudo força de vontade.
“Quando foi operada [às ancas] e estava pior também não me apetecia levantar mas tinha uma voz dentro de mim que me dizia ‘o quê?! Nem penses, levanta-te já!’ Tem de ser. Se nos deixarmos ir, a nossa mente é um brinquedo que abusa logo. ‘Vê lá, olha que dói. Eu se fosse a ti não ia’”.
“Ou está a chover e pensamos ‘hoje não vou ao yoga’. Pelo contrário, devemos pensar ‘hoje é que vou’ é uma maneira de viver”.
Leveza de espírito
São também já avós e bisavós, pelo menos grande parte delas, as alunas que estendem os tapetes num meio círculo à volta da mestre para mais uma aula. Mulheres, quase todas, diz Clotilde que os homens têm mais dificuldade em experimentar coisas novas.
O estúdio é no último piso do Ginásio Clube Português, em Lisboa. Amplo e luminoso, com muitas janelas de onde se vê a cidade e o rio.
Clotilde traça o caminho a percorrer com movimentos e indicações em tom sereno. Da respiração passa-se à coordenação de movimentos e depois a posições impossíveis para principiantes.
Odete Fontan, de 89 anos, faz com que a aula pareça fácil. Passa da posição Sarvangasana, o corpo esticado, perpendicular ao solo, para Halasana - os pés antes apontados ao teto passam a tocar o chão atrás da cabeça, com a agilidade de quem o fez quase toda a vida.
Pratica yoga há mais de 40 anos, desde que perdeu uma filha bebé. Conta nessa altura ter perdido a força de viver. Recomendaram-lhe o Yoga para sair da cama. Só assim conseguiu passar a “encarar os problemas e as angústias de outra forma”.
A sensação de leveza, física e mental, acompanha as alunas à saída do estúdio. É “como se não tivéssemos corpo”.