Nas alegações finais do processo que julga uma alegada fraude no caso das golas de autoproteção e 'kits' no programa 'Aldeia Segura - Pessoas Seguras', o advogado José António Barreiros, que representa o general Carlos Mourato Nunes, antigo líder da Proteção Civil, manifestou o seu espanto com as alegações do Ministério Público (MP), às quais imputou falta de elementos concretos de acusação ao seu cliente.
Considerando que há um "plural majestático de que a acusação enferma", José António Barreiros rebateu a tese do "amplo conluio" e a participação e coparticipação dos arguidos de "geometria variável" que disse a narrativa do MP, afirmando que as alegações da procuradora Angelina Freitas "têm mais a ver com a prosa ficcional do que com a prosa jurídica".
"Estava à espera de facto de mais, confesso", disse.
O advogado apontou a ausência no processo de provas que possam demonstrar qualquer culpa ou ato criminoso de Mourato Nunes, rejeitando, por exemplo, que soubesse que havia empresas escolhidas antes de serem lançados concursos, ou relações prévias com membros do Governo, assim como qualquer alinhamento partidário, referindo, com ironia, que as relações com o ministro Eduardo Cabrita "parece que não eram famosas".
"Do nada tira-se nada", disse José António Barreiros, que contestou ainda parte da argumentação do MP para pôr em causa a competência das empresas contratadas para o fornecimento de 'kits' de proteção, nomeadamente o seu âmbito de atividade legalmente registado e a localização da sede da empresa no domicilio dos proprietários.
"O CAE [Código de Atividade Económica] era fundamental para aferir a capacidade de cumprir? A aferição tem que ser material, não meramente burocrática. O importante é que o serviço foi prestado", disse José António Barreiros.
O advogado insistiu que a concretização do programa 'Aldeia Segura -- Pessoas Seguras' não se traduziu em qualquer prejuízo para o Estado, mas sim num benefício, que "ainda hoje produz efeitos benignos", sublinhando a ausência de mortos em incêndios desde os fogos trágicos de 2017 na região centro que motivaram o programa de sensibilização.
E frisou que não houve qualquer benefício para o seu cliente, o que invalida os crimes que lhe são imputados, disse, questionando ainda se não será "um atestado de menoridade intelectual" do arguido praticar os crimes sem retirar qualquer proveito.
Admitindo como hipótese que possam ter existido irregularidades procedimentais nos concursos de contratação, José António Barreiros questionou a pertinência de o julgamento decorrer na jurisdição penal e não na administrativa, questionando ainda se há razão para se falar em crime.
Manifestou igualmente espanto por ter ouvido a defesa da Agência para o Desenvolvimento e Coesão, que gere a aplicação dos fundos europeus, pedir nas alegações finais a restituição dos montantes relativos aos subsídios europeus atribuídos, algo que já foi feito.
A defesa do arguido Jorge Barbosa, antigo adjunto do secretário de Estado da Proteção Civil José Artur Neves, também arguido no processo, contestou a acusação, rejeitando haver qualquer conluio e encenação de concursos públicos.
Sublinhando também os resultados positivos do programa, a defesa de Jorge Barbosa apontou que o arguido fez, no âmbito deste processo, "aquilo que foi determinado superiormente e para o qual estava legitimamente mandatado", referindo a situação de urgência no fornecimento dos 'kits' e uma ação proativa de busca de fornecedores que não existiam nas listas públicas das entidades.
A advogada frisou ainda que destas diligências de busca de empresas fornecedoras era dado conhecimento à Autoridade de Proteção Civil, "sempre com um parágrafo a dizer que era meramente sugestão".
Afirmou que "não há prova nenhuma de que Jorge Barbosa retirou um cêntimo de beneficio" deste processo e questionou os montantes defendidos pelo MP como vantagem da prática de crimes, referindo que "até reembolsos de IRS aparecem listados" nos autos.
Em causa neste processo estão alegados crimes de fraude na obtenção de subsídio, participação económica em negócio e abuso de poder, relacionados com a contratação pública e compra de golas de autoproteção no programa 'Aldeia Segura - Pessoas Seguras', lançado na sequência dos incêndios florestais de 2017.
Entre os 19 arguidos (14 pessoas e cinco empresas) estão o ex-secretário de Estado da Proteção Civil José Artur Neves e o ex-presidente da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), general Carlos Mourato Nunes.
O Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) enviou em janeiro de 2024 todos os arguidos para julgamento, ao validar na íntegra a acusação do MP.
A acusação foi revelada pelo MP em julho de 2022, após a investigação identificar "ilegalidades com relevo criminal em vários procedimentos de contratação pública" no âmbito do programa 'Aldeia Segura - Pessoas Seguras', que foi cofinanciado pelo Fundo de Coesão, considerando que causou prejuízos para o Estado no valor de 364.980 euros, supostamente desviados a favor dos arguidos.
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