"A abertura da pesca leva a uma desclassificação da reserva e trata-se até de um caso inédito", alertou, vincando que o recuo na proteção integral da reserva teria um "impacto reputacional negativo", considerando o esforço atual de vários países na criação de políticas de conservação do ambiente.
Manuel Biscoito, conservador do Museu de História Natural do Funchal e representante da Estação de Biologia Marinha do Funchal, falava em audição na comissão de Ambiente, Clima e Recursos Naturais do parlamento da Madeira, com a finalidade de esclarecer questões relacionadas com o projeto de decreto legislativo regional, da autoria do Chega, intitulado "Alteração do regime de proteção de parte da Área Marinha da Reserva Natural das Ilhas Selvagens".
O partido propõe que a zona de proteção integral da Reserva Natural das Ilhas Selvagens passe de 12 para duas milhas náuticas, permitindo a abertura da restante área, que fica sob proteção parcial, à captura de tunídeos, "praticada tradicionalmente por embarcações que utilizam o salto e vara".
Em março de 2022, a reserva foi ampliada de 92 para 2.677 quilómetros quadrados, numa área de 12 milhas náuticas em redor das ilhas, na qual é proibida a pesca e qualquer outra atividade extrativa, passando a ser a maior área marinha com proteção integral do Atlântico Norte.
Manuel Biscoito afirmou que a reserva das Selvagens, criada em 1971, e a floresta laurissilva, património mundial natural desde 1999, são as "joias da coroa da conservação da natureza na Madeira" e considerou que, no caso das Selvagens, não há razões económicas nem sociais que justifiquem recuar no estatuto de proteção integral.
De acordo com o biólogo, a atual área da reserva representa menos de 1% do total da Zona Económica Exclusiva e, antes da sua ampliação, a pesca na zona representava apenas 1,1% do esforço total de pesca na região autónoma, pelo que a interdição não teve impacto relevante na atividade da frota atuneira.
Manuel Biscoito, que foi ouvido na comissão a pedido do JPP, sublinhou, por outro lado, que a reserva das Selvagens constitui uma área de refúgio e descanso para os cardumes de atum, uma espécie migratória que é capturada praticamente em todo o seu trajeto entre o golfo da Guiné e o Atlântico norte.
A comissão de Ambiente, Clima e Recursos Naturais está a ouvir especialistas sobre o diploma do Chega, tendo já realizado audições a responsáveis da associação ambientalista Quercus, que se manifestaram contra, assim como à Ordem dos Biólogos da Madeira, que disse não ver vantagem na alteração.
Também foram ouvidos representantes do Observatório Oceânico da Madeira, que alertaram para o que seria um "golpe duro" na reputação do país e da região a eventual redução da área marinha com proteção integral das Ilhas Selvagens.
Uma proposta do Chega já foi discutida na anterior legislatura, tendo sido rejeitada em janeiro, com os votos contra de PSD, CDS-PP e PAN, a abstenção de PS, PCP e BE, e o voto a favor de Chega, JPP e IL.
Em 08 de julho, depois das eleições legislativas regionais antecipadas de maio, nas quais o PSD não conseguiu maioria absoluta, o Chega indicou que a abertura das Ilhas Selvagens à pesca do atum iria ser assumida pelo Governo Regional (PSD).
Dois dias depois, o presidente do Governo da Madeira, Miguel Albuquerque, referiu que estava a ser elaborado um estudo científico para aferir se a captura de atum e gaiado nas Ilhas Selvagens colocava em causa o estatuto de proteção integral.
Entretanto, em 11 de julho, a secretária de Agricultura, Pescas e Ambiente, Rafaela Fernandes, revelou que autorizou a captura de peixe gaiado na reserva natural das Ilhas Selvagens para efeitos de investigação, até dezembro, sendo que uma parte também poderá ser comercializada.
As Selvagens, um subarquipélago da Madeira localizado a cerca de 300 quilómetros a sul do Funchal, constituem o território mais a sul de Portugal, tendo sido classificadas como reserva natural em 1971.
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