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Escola das Flores tem "48 professores fantasmas". "Não é adequado"

Mais de metade dos professores no quadro da Escola Básica e Secundária da Ilha das Flores, nos Açores, "nunca meteu os pés na ilha para lecionar".

Notícias ao Minuto

10:00 - 21/02/24 por Natacha Nunes Costa

País Açores

O desfile de Carnaval da Escola Básica e Secundária (EBS) da ilha das Flores, nos Açores, na semana passada, serviu de mote para um protesto de professores e alunos, com o apoio dos pais, contra o regulamento de concursos de docentes em vigor, contestando, principalmente, a extinção da norma que determinava a obrigatoriedade de permanência por três anos na escola de colocação.

Ao Notícias ao Minuto, Rosa Maciel, professora de matemática naquela escola há 28 anos e uma das responsáveis pelo protesto revelou que está nesta "luta" há cerca de sete anos mas que, "nos últimos dois ou três" a situação piorou muito.

Dos cerca de 90 professores em quadro de escola e em quadro de ilha, segundo Rosa Maciel, "48 nunca puseram os pés, para trabalhar, nas Flores" e a maior parte deles está colocada "por afetação" nas ilhas de São Miguel e Terceira.

"O ano passado eram 43 professores fantasmas, este ano são 48", disse a docente ao Notícias ao Minuto, sublinhando, tal como os participantes no desfile fizeram questão de deixar claro, que nada tem contra os professores que "aproveitam esta oportunidade para se integrar na carreira docente", mas sim contra a legislação em vigor.

"É natural que, quem se puder melhorar, assim o faça. O problema está na legislação que o permite, aprovada pelos deputados eleitos para terem assento na ALRAA [Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores]. Imagine-se que na saúde se passava o mesmo, que os médicos, os enfermeiros e todos os outros técnicos desta área podiam ocupar vagas de quadro numa unidade de saúde, podendo ficar a trabalhar noutra. Se assim fosse, estariam os utentes do Serviço Regional de Saúde caladinhos?", realçou a docente.

Tudo começou no início de 2017, segundo apurou o Notícias ao Minuto, quando o governo do PS/Açores, liderado por Vasco Cordeiro, com Avelino Meneses como secretário da Educação, propôs várias alterações ao regulamento de concursos em vigor, entre elas a extinção da norma que determinava a obrigatoriedade de permanência por três anos na escola de colocação.

No dia 17 de março do mesmo ano, a proposta de Decreto Legislativo Regional (DLR) foi aprovada no parlamento regional. A favor de ser retirada a opção de os professores concorrerem por três anos (artigo 9.º do referido diploma) votaram o PS, o PSD e o BE e contra o CDS/PP, o PCP-PEV e o PPM.

Já em março de 2021, com José Manuel Bolieiro a liderar o governo de coligação PSD/CDS/PMM, sendo secretária da Educação Sofia Ribeiro, houve uma nova alteração ao regulamento de concursos tendo-se procedido à "criação de quadros de ilha, os quais garantem estabilidade por colocação geograficamente mais adequada à condição do exercício das funções docentes".

Dar aulas sem "habilitação em ensino"

Para Rosa Maciel, esta foi uma forma "dissimulada de usar as escolas das ilhas mais pequenas apenas para integrar docentes na carreira, sem trazer qualquer benefício às mesmas, pois estes nem um dia têm de lá trabalhar".

"Com este panorama e com a carência generalizada de professores, na região e no país, consegue imaginar o que acontece, no início de setembro, quando as listas regionais de docentes ficam desertas e deixa de haver docentes possuidores de habilitação profissional para substituir os que, apenas no papel, pertencem aos quadros?", questiona a professora.

E a escola da ilha das Flores, que tem 437 alunos, não é caso único. Também os alunos do Corvo, da Graciosa, de pelo menos uma escola de São Jorge e de Santa Maria são "muito prejudicados" com esta situação, apesar de os "pais pagarem os mesmos impostos que qualquer outro açoriano", como realça Rosa Maciel.

Mais. Para substituir os "professores fantasmas" destas escolas, o Governo regional lança horários de escola na Bolsa de Emprego Público (BEP) dos Açores, que acabam por ser ocupados, "em parte, por licenciados que não têm habilitação em ensino", explica a mesma docente.

Em sintonia com a professora, além dos alunos, pais e alguns professores, está também o Conselho Executivo da EBS das Flores.

"Consideramos que este processo de colocação de docentes não é adequado, uma vez que não proporciona estabilidade, dado que os docentes ocupam lugares de quadro, quer seja de ilha quer seja de escola, sem sequer ter de cumprir um ano de exercício efetivo de funções, não tendo qualquer contacto com a escola/ilha/comunidade local e impedindo outros, que pretendem fixar as suas raízes na ilha, de ocupar a vaga permitindo um serviço letivo de continuidade", declarou a direção da escola ao Notícias ao Minuto.

"Todas estas mobilidades estão justificadas por lei"

Contactada pelo Notícias ao Minuto, a Secretaria Regional da Educação e dos Assuntos Culturais, começa por recusar o facto de serem "48 professores fantasmas", garantindo que são 'apenas' "23 os docentes dos quadros que estão a desempenhar funções em outra escola".

A discrepância de números, segundo elucida a escola ao Notícias ao Minuto, está relacionada com o facto de o Governo Regional estar a contar apenas os quadros de escola. Isto quando os alunos são também afetados pelos quadros de ilha.

Confrontada com o facto de esta situação estar a afetar os alunos, a Secretaria Regional da Educação e dos Assuntos Culturais salienta que "todas estas mobilidades, justificadas por lei, estão a ser substituídas por outros docentes, o que faz com que não exista nenhum aluno nas Flores (e de igual modo na restante Região) sem professor, ao contrário do que acontece no continente".

"A legislação prevê a possibilidade de os docentes dos quadros de escola beneficiarem de deslocação por um ano, tendo, para tal, de fazer a necessária candidatura ao procedimento interno de afetação [...] É dada a possibilidade de mobilidade de docentes, tal como é dada a possibilidade de mobilidade de qualquer outro trabalhador da Função Pública, de todos os organismos da administração pública", explica o governo açoriano.

Ainda segundo a Secretaria Regional da Educação e dos Assuntos Culturais, nos três anos em que José Manuel Bolieiro governou a região, abriram "1.398 vagas de quadro", e havia uma "verba destinada a dar incentivos aos docentes para que se fixassem em escolas com maior dificuldade de colocação" no Plano e Orçamento para 2024, o que não aconteceu apenas porque este foi chumbado e o Governo Regional caiu.

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