Entre greves e protestos motivados pelo despedimento de trabalhadores e os salários em atraso no Global Media Group (GMG), janeiro continua a trazer algumas notícias de ‘última hora’ para o grupo.
Na quinta-feira o tema voltou a estar em cima da mesa – na redação, nas ruas e no Congresso de Jornalistas.
As reivindicações começaram depois de o GMG despedir entre 150 a 200 trabalhadores e de os salários de dezembro terem ficado por receber, assim como o subsídio de Natal. Também os jornalistas em prestação de serviços ficaram sem os pagamentos que lhes são devidos.
Mas, afinal, quando vão ser pagos os salários em atraso?
Segundo o CEO do grupo, João Paulo Fafe, a World Opportunity Fund (WOF), que controla o GMG, só o vai fazer quando existir uma decisão da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC).
“O World Opportunity Fund transmitiu-me no dia de hoje [quinta-feira] a sua indisponibilidade em efetuar qualquer transferência, sem que o Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) conclua o processo administrativo autónomo para a aplicação do art.º 14 da Lei da Transparência, e que pode eventualmente resultar na inibição do exercício dos direitos de voto por parte do WOF", explicou o responsável, em comunicado, acrescentando que o fundo também mostrou a sua "indisponibilidade em efetuar qualquer transferência até que o alegado procedimento cautelar de arresto anunciado publicamente pelo empresário Marco Galinha seja retirado".
"O comunicado de José Paulo Fafe deixa clara uma ideia repulsiva: não pagam porque não querem", escreveu a redação do jornal O Jogo.E o que dizem os trabalhadores? “Não cedemos a chantagens”
Já os trabalhadores do Jornal de Notícias e d’O Jogo suspenderam os seus contratos, lamentando: "Não podemos deixar de notar a coincidência de os dias de plenário do jornal O Jogo e Jornal de Notícias serem sempre marcados por comunicados da Comissão Executiva (CE)", referiram, num comunicado a que o Notícias ao Minuto teve acesso. Na missiva indicavam que "desta feita, a nota foi apenas assinada por José Paulo Fafe", mas surgiu antes na comunicação social, "apesar dos sucessivos pedidos de esclarecimento levados a cabo pelos representantes dos trabalhadores".
"O comunicado de José Paulo Fafe deixa clara uma ideia repulsiva: Não pagam porque não querem", escreveu a redação do jornal O Jogo.
"Não cedemos a chantagens, pressões e táticas terroristas da CE ou de José Paulo Fafe, que fazem dos trabalhadores autênticos reféns e armas de arremesso", continuaram, apontando que "se a CE não é capaz de solucionar os problemas, que assuma isso e aja em conformidade" lembrando que "há propostas e vias de saída em cima da mesa para todos os títulos". "A situação exige em toda a linha a abertura para uma negociação", destacaram.
Já a ERC 'respondeu' que a questão do pagamento de salários no grupo "não tem absolutamente nada a ver" com o regulador.
De Lisboa para Bruxelas
Numa altura em que a crise no GMG está mais premente, acontece também o 5.º Congresso de Jornalistas, que arrancou na quinta-feira – e com a presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
À chegada do cinema São Jorge, em Lisboa, o chefe de Estado cumprimentou os trabalhadores do grupo que à porta seguravam uma faixa onde se lia: "Em luta pela defesa dos postos de trabalho".
Marcelo não prestou declarações, mas, durante a abertura do congresso, e sem se referir a este caso particular, pediu “transparência no saber quem lidera o quê” no jornalismo. Apontando que o “jornalismo consegue excelência, apesar da precariedade" e que assim "como todas as paixões resiste ou tenta resistir sem limites", Marcelo diz ser preciso haver "transparência no saber quem lidera e gere o quê na comunicação social, com que projetos editoriais, com que modelos, com que perfis e viabilidade de dar vida ao setor". O chefe de Estado pediu ainda aos "proprietários e gestores de meios, mais os especialistas nas mudanças científicas, tecnológicas e sociais em curso estejam em constante convergência, interação e prospetivas estratégicas, formando uma plataforma de dialogo e decisão com os jornalistas".
Também a vice-presidente da Comissão Europeia, Vera Jourová, se pronunciou sobre o assunto, numa mensagem transmitida no congresso. “Sei que os desafios [do setor] são bem conhecidos em Portugal, como evidenciado pela situação na Global Media. Espero que seja encontrada uma solução rápida e sustentável", afirmou, expressando a solidariedade para com os jornalistas do grupo, que "continuam a preencher as páginas", apesar de não receberem os seus salários.
A comissária europeia apontou ainda que o congresso acontece numa altura em que em Portugal se celebram 50 anos de democracia, vincando que não há democracia sem liberdade de imprensa.
As saídas
Depois de uma quinta-feira marcante e de o Global Media Group já ser ‘primeira página’ não só em Portugal como também em Bruxelas, a porta foi aberta na administração.
Paulo Lima de Carvalho foi o primeiro a deixar ontem o conselho de administração e a comissão executiva, denunciando a "permanente asfixia financeira onde nem sequer nos é possível assegurar os compromissos já existentes, designadamente remunerações, quanto mais desenvolver qualquer tipo de projetos".
Segundo a carta de renúncia enviada ao presidente do conselho de administração, Marco Galinha, e ao presidente da comissão executiva, José Paulo Fafe, o agora ex-administrador sublinha também que o incumprimento das obrigações contratuais para com os trabalhadores dos diversos meios de comunicação do GMG deu-lhe uma "elevadíssima exposição negativa", defendendo ser "totalmente alheio" às responsabilidades pela crise no grupo.
Mas esta porta ficou entreaberta e, mais tarde, também o administrador executivo Filipe Nascimento decidiu sair. Invocando “justa causa”, o até agora responsável pela área financeira assumiu alguma “magoa e consternação” com condições que não estavam a ser cumpridas. "Não posso admitir que o meu nome seja arrastado para uma batalha de oportunismos empresariais, e também políticos, bem como de egos e guerras de um mercado que está demasiado prisioneiro de interesses conflituantes, nem todos preocupados com a sobrevivência e sustentabilidade das marcas jornalísticas", explicou.
Além de Filipe Nascimento e Paulo Lima de Carvalho, a administração da Global Media já perdeu mais elementos em apenas um mês. O administrador executivo Diogo Agostinho anunciou a saída em dezembro e, segundo o Expresso, seguiram-se os abandonos dos administradores não executivos Carlos Beja e Victor Menezes.
Perante este cenário, restam na administração do GMG Marco Galinha, José Paulo Fafe, Kevin Ho e António Mendes Ferreira.
Leia Também: Jornalistas apontam ataques, ingerência e "terrorismo" na Global Media