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"Pessoas LGBTI são, muitas vezes, toleradas desde que não sejam visíveis"

Ana Aresta, presidente da ILGA Portugal - Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo e ativista pelos Direitos Humanos, é a convidada desta sexta-feira do Vozes ao Minuto.

"Pessoas LGBTI são, muitas vezes, toleradas desde que não sejam visíveis"

Feminista e ativista pelos Direitos Humanos, Ana Aresta é atualmente a presidente da ILGA Portugal - Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo e sonha com o dia em que possa dizer "está tudo feito" mas, aos dias de hoje, falta-lhe a confiança pelo momento mais frágil que vive a comunidade LGBTI.

Em entrevista ao Vozes ao Minuto, a ativista considerou que, ao mesmo tempo que se batem recordes de pessoas que participam nos eventos ligados ao orgulho LGBTI e se ganha terreno na "visibilidade e igualdade", os discursos de ódio aumentaram de forma preocupante e podem destruir o "processo de construção democrática de direitos LGBTI".

Ana Aresta assume que "Portugal poderia estar a fazer mais", nomeadamente no que diz respeito à penalização das manifestações de ódio contra a comunidade, uma vez que "o 'regresso ao armário' parece ser uma realidade crescente".

"Isso é reflexo do avanço dos movimentos e partidos de extrema-direita no nosso país, é o reflexo da fragilização da democracia, que já estava a acontecer noutros países da Europa e que agora chega a Portugal", declarou a presidente da ILGA Portugal ao Notícias ao Minuto.

O Arraial Lisboa Pride acontece amanhã, dia 24 de junho, para celebrar a diversidade. "Ao silêncio e ao isolamento, respondemos com visibilidade e orgulho perante quem somos", garante Ana.

Arraial Lisboa Pride é um grande momento de celebração da diversidade e da garantia de contextos de igualdade e visibilidade de pessoas LGBTI+

No âmbito do mês do orgulho LGBTI, realiza-se o Arraial Lisboa Pride já este sábado. É um dos maiores eventos da comunidade LGBTI+, onde são esperadas mais de 100 mil pessoas…

Este ano, o evento terá a sua 25.ª edição, teve dois anos suspenso por causa da pandemia, mas o ano passado regressamos em força e tivemos presentes 100 mil pessoas, portanto, este ano a expectativa é que esse número aumente e ainda por cima estamos a aumentar a dimensão do próprio recinto. O evento costumava ocupar metade do Terreiro do Paço e passa agora a ocupar o Terreiro do Paço todo. É uma grande expansão estar na maior praça da cidade de Lisboa e uma das maiores da Europa. É um evento que tendencialmente é, não só, um momento de grande reivindicação política - porque há sempre discursos em palco e momentos de empoderamento -, mas também, claro, um grande momento de celebração da diversidade e da garantia de contextos de igualdade e visibilidade de pessoas LGBTI+.

Nós procuramos que essa visibilidade seja presente não só em palco, com as várias atuações de artistas queer residentes em Portugal, vários deles pessoas migrantes, mas também com outras ações em todo o recinto. Além de haver bares da cidade e arredores - bares LGBTI e friendly, onde pessoas LGBTI e aliadas têm as suas vivências durante o ano -, há também áreas associativas, onde várias associações parceiras da ILGA Portugal apresentam o seu trabalho e interagem com o público. Temos o 'Arraialito', um espaço para crianças e famílias arco-íris e todos os que queiram participar, uma área onde há horas do conto, atividades para crianças e, pela primeira vez, teremos também um encontro do grupo sénior da ILGA Portugal - o LGBTI++. Portanto, tentamos aqui, desde a infância até à população idosa, ter âmbitos de interação entre pessoas LGBTI e pessoas aliadas, num evento que tenta agregar todas as vivências.

No sábado, está ainda confirmada a presença da ministra Ana Catarina Mendes, Carlos Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, e a secretária de Estado da Igualdade e Migrações. Isto significa que este evento tem também uma grande importância política, há uma aproximação do Governo e da autarquia e um compromisso para com as políticas de igualdade.

São espaços de afirmação, onde se reivindicam direitos, mas onde toda a gente pode ser aquilo que é sem vergonha ou medo.

Sem dúvida, porque no percurso das nossas vidas e também enquanto comunidade é muito normal, infelizmente, que cresçamos e vivamos em contextos de grande silêncio e invisibilidade. Muitas vezes, as pessoas LGBTI são toleradas desde que não sejam visíveis, desde que façam tudo no domínio da esfera privada, quando na verdade isso não acontece com outras orientações sexuais diferentes ou identidades de género ditas mais normativas e hegemónicas. O que tentamos fazer é ao silêncio e ao isolamento, respondemos com visibilidade e orgulho perante quem somos. Este evento é muito isso e sente-se muito uma atmosfera de celebração.

O arraial acontece após a marcha de orgulho LGBTI, que se realizou no sábado passado. Qual o balanço do evento?

O mote deste ano foi 'Existimos, lutamos, resistimos'. Esta marcha foi um sucesso, estiveram presentes mais de 30 mil pessoas, um recorde, e foi uma marcha muito significativa porque acontece também num momento em que as tensões e os ataques à comunidade LGBTI aumentam, não só por todo o mundo, mas também infelizmente no nosso país. Esta marcha, e tantas outras pelo país, foi muito simbólica e acontece mais uma vez no contexto de afirmação, de nós não termos medo, estamos aqui, nós existimos, estamos em todas as famílias e temos também as nossas famílias.

Notícias ao Minuto Ana Aresta, presidente da ILGA Portugal, na marcha de orgulho LGBTI© Filipe Ribeiro

Movimentos de ódio são reflexo do avanço dos partidos de extrema-direita no nosso país, é o reflexo da fragilização da democracia

Os eventos ocorrem de norte a sul do país, em regiões mais envelhecidas e, talvez, mais 'resistentes' na aceitação, tendo até ocorrido alguns episódios menos felizes, como o exemplo de uma exposição sobre comunidade LGBT+ que foi vandalizada em Évora.

Infelizmente, se consultarmos notícias da Pride de outros países é muito comum estas manifestações já terem muitas indicações e normas de segurança contra ataques ou contra manifestações. A verdade é que, infelizmente, essa realidade começa a ser uma novidade em Portugal, aquilo que sentimos este ano é que as condições de segurança tiveram de ser reforçadas porque, em algumas marchas, já houve movimentos de ódio, a criar aqui situações de provocação, desconforto, de provocar medo em quem livremente e com todo direito participa nestas marchas.

Isso é reflexo do avanço dos movimentos e partidos de extrema-direita no nosso país, é o reflexo da fragilização da democracia, que já estava a acontecer noutros países da Europa e que agora chega a Portugal. E a resposta a esse movimento não pode partir só das pessoas e das associações e coletivos LGBTI, isto é uma realidade à qual, de facto, o Estado tem de estar atento e os Governos têm de estar atentos para garantir que estas situações não aconteçam. Estamos a falar de um direito à liberdade de manifestação e um direito constitucional à existência e à igualdade que não pode ser ameaçado desta forma. 

Desde há uns anos, parecia que se tinha vindo a fazer um percurso positivo relativo à aceitação da comunidade LGBTI+, mas têm vindo a público notícias como o alerta da Amnistia Internacional para a existência de discriminação em Portugal e os resultados do relatório Pride 2023 que dão conta de que as mensagens anti-LGBTI+ nas redes sociais em Portugal aumentaram 184,85%. São dados preocupantes…

O discurso de ódio online tem sido dos mais provocadores de situações de violência e discriminação depois, na prática, no mundo offline, no mundo real. As mensagens de ódio nas redes sociais são uma preocupação muito grande e continua a não haver os devidos mecanismos legais e até jurídicos e judiciais dignos para travar este ódio e para punir quem veicula essas mensagens.

Estamos a falar de mensagens de ódio, muitas delas, graves, que desejam a morte às pessoas LGBTI ou de outras pessoas ditas de contextos minoritários. Portanto, isto provoca situações de muito desgaste, situações em que as pessoas eventualmente têm medo de demonstrarem livremente quem são. É um ato que é relativamente comum e, através destes insultos e discursos de ódio e criminosos, volta-se a empurrar as pessoas para dentro do armário quando socialmente já tinham vindo a fazer um processo de construção democrática e de igualdade de direitos LGBTI que facilmente pode ser arruinado por este tipo de discursos.

Isto porque Portugal não tem um plano governamental de ação de combate a este tipo de discriminação? Não estamos a evoluir no que diz respeito a questões de proteção das pessoas LGBTI+?

Os planos governamentais, neste momento, estão atrasados e faltam esses tais mecanismos legais para travar este discurso. Portugal poderia estar a fazer mais, nós sabemos, enquanto cidadãs e cidadãos e utilizadores das redes sociais, o quão voraz é o movimento das redes sociais, o quão difícil é, até porque muitas vezes as redes sociais são geridas por empresas privadas, mas a verdade é que, quer do ponto de vista até da própria Comissão Europeia e do Parlamento Europeu, quer da própria estrutura legislativa portuguesa, faz falta enrobustecer a legislação e os mecanismos anti-ódio nas redes sociais. Além de, claro, criar mecanismos de denúncia mais céleres e que as pessoas também sejam punidas por provocar este tipo de discurso. Os crimes de ódio estão tipificados em Portugal e tem é de haver correlação com este tipo de discurso online e mecanismos mais ágeis sobre quem está a cometer estes atos.

O desejável é viver livres em qualquer contexto do nosso dia a dia, o que não acontece muitas vezes com as pessoas LGBTI

Depois da legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo, ficaram 'pendentes' questões de parentalidade, cirurgias para pessoas trans, casos de discriminação laboral. Há ainda muito por fazer…

Há um dado que é importante dar nota que é, em Portugal, ao contrário do que acontece noutros países, há um grande ato entre os avanços legais e legislativos e depois nos avanços que existem na sociedade. Em determinados ciclos governativos foi muito mais fácil avançar com as leis e é muito mais difícil depois que essas leis se revertam em contextos de igualdade, porque a sociedade portuguesa, apesar de tudo, ainda é muito fechada. Nos últimos anos, tem havido uma estagnação do avanço de direitos de pessoas LGBTI, mas felizmente, nos últimos meses, os assuntos LGBTI voltaram ao Parlamento para serem discutidos e têm de passar o quanto antes a lei, nomeadamente a questão das chamadas práticas de conversão sexual, mas efetivamente nos serviços públicos de resposta às especificidades das pessoas LGBTI, nomeadamente nos serviços de saúde, há um atraso muito grande e as pessoas LGBTI continuam no fim da linha, especialmente as pessoas trans e intersexo.

Neste momento há um grupo de trabalho sobre saúde LGBTI - com o Governo e várias associações - e estamos a reunir para apontar todas estas falhas na saúde e para, em conjunto, se procurarem respostas que sejam céleres e que cumpram os desígnios e o acesso à saúde, que para as pessoas LGBTI ainda não é uma realidade.

Parece tornar-se um ciclo vicioso, as pessoas LGBTI não se sentem socialmente aceites e, por isso, 'decidem' esconder a sua orientação sexual ou identidade de género.

Se as pessoas não sentem confiança nos serviços, se não sentem confiança no contexto das comunidades escolares, na saúde, se não se sentem seguras nos seus locais de trabalho, naturalmente que vão proteger-se. E essa proteção é continuar, muitas vezes, no silêncio e no medo. Todas as pessoas compreenderão que isso não é saudável nem desejável para ninguém. O desejável é que possamos viver livres em qualquer contexto do nosso dia a dia e com toda a naturalidade, o que não acontece muitas vezes com as pessoas LGBTI.

Infelizmente podemos estar aqui numa fase em que o regresso ao armário parece ser uma realidade crescente. Por isso é que estas manifestações são importantes, por isso é que é importante que eventos como o Arraial Lisboa Pride aconteçam e por isso é que é importante que as pessoas venham, não só as pessoas LGBTI, como também todas as pessoas que acreditam que é possível continuar a viver em contextos democráticos e de igualdade. Mais uma vez reforço: em relação ao silêncio, nós respondemos com visibilidade.

Aliás, a linha de apoio da ILGA Portugal registou um aumento de pedidos de ajuda após a pandemia de Covid-19. Que tipo de ajuda foi solicitada? Estes números continuam a aumentar?

Entre 2020 e 2021, os pedidos de apoio psicológico aumentaram em 60%. A pandemia foi um momento em que muitas pessoas tiveram de regressar para contextos menos seguros, estamos a falar, por exemplo, de estudantes que viviam em residências universitárias e tiveram de voltar para casa das suas famílias e que, portanto, regressaram a contextos eventualmente menos seguros e dos quais já se tinham libertado. A pandemia foi um momento de grande isolamento e, se a comunidade LGBTI já sente esse isolamento, houve um redobrar destes contextos. A pandemia teve efeitos muito negativos, inclusive nos jovens LGBTI e já há estudos que comprovam esta realidade. Infelizmente, os pedidos de ajuda têm vindo a aumentar, também com várias situações de violência e discriminação em espaço público e situações de violência doméstica entre pais e filhos, por exemplo.

Os pedidos de apoio psicológico também têm aumentado, mas não quer necessariamente dizer que é mau. Isto significa também que as próprias pessoas LGBTI já estão mais atentas a processos de autocuidado e de construção de processo de resiliência e saúde mental. Nem sempre estes números são negativos, o que estes números significam, acima de tudo, é que é preciso haver resposta do Estado a esta procura de ajuda. E a saúde mental no nosso país, como sabemos, é uma área onde ainda não há investimento suficiente, nem há resposta suficiente. Muitas vezes as associações tentam substituir o Estado, mas sem a capacidade e os recursos para o fazer, e a resposta fica sempre aquém das necessidades. Nós tentamos sempre dizer às pessoas que elas não estão sozinhas, podem entrar em contacto e que nós podemos ajudar e, obviamente, muitas e muitos profissionais de saúde e de apoio a vítimas, dos próprios serviços públicos, estão disponíveis. É preciso continuar a confiar nos serviços públicos, é preciso continuar a confiar nas autoridades para garantir que o sistema funciona.

Como é que isto pode mudar? Com iniciativas nas escolas com as crianças, ou tem de ser feito um trabalho de casa com os pais?

É difícil determinar, mas sabemos que esta é uma geração - de crianças e jovens em contexto escolar - que também está polarizada, tal como está o resto da sociedade, mas também sabemos que é uma geração que, do ponto de vista, da visibilidade e no orgulho da diversidade de género, tem muita capacidade, muita força, é muito afirmativa, o que é muito interessante. Temos visto e acompanhado vários casos, até com outras associações, de inclusivamente crianças trans que muito mais cedo afirmam junto das suas famílias e da comunidade escolar que são pessoas trans e querem ter direito a todos os direitos e isso é uma realidade que não acontecia antes, as pessoas trans tinham uma visibilidade muito mais tarde.

A questão educacional é fundamental, assim como a formação de profissionais. Isto é um investimento que o Estado tem de fazer, não se constrói igualdade nem contextos de segurança, sem haver investimento, sem haver verbas alocadas, sem haver planos sérios de formação e de capacitação de profissionais e sem haver currículos escolares adaptados e com a devida formação das professoras e dos professores que, naturalmente, já têm uma vida bastante complicada e precisam de apoio nesta área. Tenho toda a certeza que a grande maioria das professoras e dos professores quererá que os seus alunos vivam num contexto de maior segurança e liberdade e, portanto, também eles precisam dessa formação. 

A cidadania também se aprende...

A cidadania aparece em todos os contextos do dia a dia e aprende-se num contexto de educação, seja ela familiar ou escolar. A aprendizagem no contexto da cidadania é essencial para continuarmos em contextos democráticos e o desinvestimento na educação da cidadania é um desinvestimento na construção da democracia. Isso sente-se muito no momento em que estamos a viver hoje. Muitas vezes, a desinformação ganha em relação àquilo que é o trabalho do cidadão e o trabalho pela luta pelos direitos humanos.

E essa luta ganha mais força quando é defendida por agentes políticos? Como foi o caso de Mariana Mortágua, coordenadora do Bloco de Esquerda, que assumiu a sua orientação sexual.

Há, de facto, pessoas LGBTI em todo o lado, em todos os espectros de vida, em todos os locais de trabalho e, portanto, quanto mais visibilidade houver, melhor. Só demonstra que, se calhar, as pessoas LGBTI existem em maior número do que aquilo que até a maioria da população pensa. Essa é outra questão: o Estado não tem dados sobre a população LGBTI que vive no país, o que nos próximos Censos seria um dado bastante interessante de ter.

Figuras políticas e figuras mediáticas falarem sobre a sua orientação sexual ou sobre a sua identidade de género não é uma questão de estarem a expor a sua vida privada, é uma questão de ser importante para todas as pessoas para que se perceba que há pessoas visíveis e que, inclusivamente, conseguem chegar a cargos de poder, conseguem chegar a bons níveis nos seus locais de trabalho, conseguem viver vidas seguras e são LGBTI. E são as pessoas que têm mais visibilidade que, naturalmente, conseguem demonstrar mais facilmente isso a todas as outras pessoas. Claro que ninguém é obrigado a dizê-lo - nem sempre estão na sua própria fase ou no seu próprio processo de saída do armário - mas, sim, a visibilidade continua a ser fundamental.

Essa visibilidade destaca-se também pelo facto de, pela primeira vez, este ano a Assembleia da República (AR) ter iluminado a fachada do edifício com as cores arco-íris no Dia Nacional e Internacional de Luta Contra a Homofobia, Transfobia, Bifobia e Interfobia, celebrado a 17 de maio. É um momento que fica para a História?

A ILGA Portugal fez um apelo a todas as Câmaras Municipais do país, a vários museus, a estruturas governativas e fizemos também esse apelo à Assembleia da República. Recebemos um ofício em resposta que, no seguimento deste apelo, a Assembleia da República seria iluminada. É um ato simbólico, mas de grande, grande peso. É a casa da democracia, é o sítio onde se constroem as leis, e ver que esse local está do lado dos direitos humanos e do lado dos direitos das pessoas LGBTI é uma posição muito, muito, muito significativa, principalmente neste contexto em que todas as pessoas - não só as LGBTI - começam a ver os seus direitos sociais e humanos ameaçados e o seu espaço de liberdade cívica ameaçado. Por isso, este gesto fica para a História e desejamos que obviamente se repita nos próximos anos. É muito interessante que não foi só uma ação da AR, este ano houve um maior número de autarquias a demonstrar que, de alguma forma, estão já com processos reforçados de programas de igualdade ou que estão a iniciar este primeiro diálogo com a população LGBTI.

Direitos humanos demoram décadas a serem construídos, estão em constante definição, mas podem ser rapidamente revertidos

Da mesma forma que há avanços crescentes no apoio e inclusão à comunidade LGBTI+, há também um aumento dos discursos discriminatórios. É contraditório…

Bem, basta assistir-se às sessões do plenário da AR para perceber que o discurso de ódio chegou em força ao Parlamento, não só ódio racial, mas também dirigido às pessoas LGBTI. O discurso não está tão instalado na AR, está instalado em realidades que estão muitas vezes mais invisíveis, que são as próprias assembleias municipais e as próprias assembleias de freguesia, locais onde se formulam políticas e isso é muito perigoso, porque a partir do momento em que esse poder se instala… Direitos humanos demoram décadas a serem construídos, estão em constante definição porque a sociedade está em constante evolução, mas podem ser rapidamente revertidos, como já vimos noutros países - como o caso da Hungria, da Polónia e do Brasil.

Pessoas que tenham memória histórica compreenderão o quão é fácil, de repente, instaurar-se um modelo político que retira a liberdade, não só às pessoas LGBTI, mas a todas as pessoas. As primeiras a sofrer com essa retirada de liberdade serão, sem dúvida, as minorias, mas depois toda a gente sofrerá deste problema. Tentamos sempre apelar a esta memória histórica, para que as pessoas percebam que seguir discursos populistas nunca poderá correr bem.

Esta luta constante tem aqui mais uma conquista, que é uma candidatura ganha para realizar o EuroPride, em junho de 2025, na cidade de Lisboa. Será mais um evento de grande importância para Portugal?

A ILGA Portugal é uma das organizadoras com mais três associações - a AMPLOS, a rede ex aequo e a Variações. Estamos, neste momento, nas formalizações do evento, mas será um momento histórico, muito significativo, não só para a cidade de Lisboa, mas para todo o país. Os Euro Pride e os World Pride são momentos de celebração do orgulho, a candidatura portuguesa traz aqui uma lógica interessante de ser interassociativa, com um conjunto de associações que, apesar de cada uma ter os seus propósitos e âmbitos de atuação, acabam por tentar reunir essas visões e criar um evento o mais inclusivo e diversificado possível. Traz também uma lógica de debate político, social e sobre os direitos humanos. Vamos tentar trazer as questões da intersexualidade, do cruzamento de discriminações e também do quão unida a população deve ser para garantir contextos de igualdade.

Aquilo que prevemos é que, para além destes momentos de festa e celebração, temos também momentos de diálogo social e entre comunidades que acaba por trazer uma dinâmica diferente daquilo que tem sido o Euro Pride em outras cidades na Europa. Esperamos mais uma vez ter o apoio do Governo e da própria Câmara Municipal de Lisboa nesta celebração, porque apesar de acontecer numa cidade, é um evento que tem uma dimensão nacional e internacional e trará muitas pessoas a Portugal.

Como imagina o dia em que já não será mais preciso lutar pelos direitos LGBTI+? Ou é uma luta que nunca vai acabar?

Se me tivesse feito essa pergunta há uns anos, estaria mais confiante do que estou agora. De facto, seria fenomenal se algum dia chegássemos a um ponto em que Portugal estaria no topo daquilo que seriam os direitos, a conquista dos direitos humanos LGBTI e que nós pudéssemos dizer que está tudo feito. Infelizmente, na fase atual, é difícil de vislumbrar essa realidade. Acredito que os direitos humanos estarão sempre em construção até porque a sociedade está sempre em constante movimento, mas será muito difícil chegarmos a um ponto e dizermos que está mesmo tudo feito. Gostava muito e seria de uma grande felicidade - não só em Portugal, mas em outros países -, que acabasse a violência contra as pessoas LGBTI e se promovessem contextos de igualdade e de liberdade. Seria um grande sentido de missão cumprida!

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