"A atriz, apresentadora e guionista televisiva madrilena Ana Obregón decidiu, aos 68 anos de idade, voltar a ser mãe*, através da maternidade de substituição, através de técnicas de Procriação Medicamente Assistida (PMA), havendo escolhido para o efeito a cidade de Miami, no Estado norte-americano da Florida.
Quando li esta notícia nos jornais, veio-me imediatamente à memória o primeiro caso de maternidade de substituição de que me ocupei. Corria o ano de 2004 e pouco ou nada então sabia sobre gestação de substituição (A mulher empresta o seu útero para gestar um embrião, oferecendo os seus óvulos para fecundação por espermatozoides do titular exclusivo da maternidade). Tratava-se de um diplomata português, em missão de serviço no exterior, o qual tinha muitas dúvidas quanto à possibilidade de o bebé vir a ser registado em Portugal como seu filho, além do receio de ter de passar por todo um complicado procedimento burocrático nos EUA.
Confesso que as suas dúvidas eram igualmente minhas, o que era normal, porquanto estava eu a entrar numa especialidade do Direito da Família em que ainda existia pouca informação jurídica. Mas os contactos com a clínica escolhida nos EUA, concretamente com os seus advogados, permitiram que o Tiago nascesse, hoje um jovem com 19 anos de idade. Porém os procedimentos para o seu registo em Portugal foram, como se esperava, uma saga, para cuja resolução imprescindível se tornou a habilidade do advogado de mistura com a ineficácia do sistema.
Nos EUA as leis de maternidade são leis estaduais, ou seja, dependem dos Estados. Além disso, trata-se do país que, há mais anos, desenvolve a chamada medicina de reprodução, iniciada nos anos 80 do século passado, com elevada segurança jurídica. Ao contrário do que dizem os ignorantes nesta especialidade da Medicina, a admissão das gestantes passa por rigorosos procedimentos, dos quais se destacam: 1) terem entre 21 e 40 anos de idade; 2) haverem «dado à luz» pelo menos uma vez sem complicações, e não poderem ter sido submetidas a mais de três cesarianas ou a cinco partos naturais; e 3) submeterem-se a exames de saúde física e psicológica que concluam que se encontram devidamente preparadas para os necessários procedimentos médicos, excluindo-se, naturalmente, as consumidoras de álcool ou de drogas. Impõem ainda as leis de maternidade norte-americanas residência permanente no país e não beneficiarem de qualquer tipo de ajuda financeira do governo, ou que o processo de gestação se afigure como um modo de vida.
Só após passar pelo crivo dos requisitos legais pode a candidata ao processo de PMA assinar um contrato, cujo clausulado regula entre outras as seguintes questões: a) interrupção da gravidez; b) implantação de embriões; c) regras sobre estilo de vida e alimentação; d) interdição de relações sexuais; e) procedimentos a seguir durante o parto; f) liberdade de alteração da residência ou deslocações para outras localidades, as quais ficam sujeitas a autorização legal; g) consentimento para se submeter a testes aleatórios de drogas ou álcool; g) autorização para se submeter a todos os exames necessários, a fim de garantir a sua saúde e a do feto. Por todo isto, a dita candidata ao processo de PMA receberá uma compensação de, pelo menos, 30.000 dólares (aproximadamente 28.000 euros).
Sempre que possível, os óvulos e espermatozoides são fornecidos pelos pais, a fim de que o futuro filho seja biologicamente deles. Se não for possível a mãe fornecer o material genético, recorre-se a doadores. A ideia inicial é que a gestante só contribui com o útero para manter a gravidez e partejar o nascituro, mas nem sempre é assim.
O contrato que os futuros pais celebram é quase sempre intermediado por uma agência que serve de ponte entre eles e a clínica de reprodução. Esse contrato, além de definir os direitos e obrigações das partes, estipula as condições em que a técnica reprodutiva pode ser utilizada, quem pode dela beneficiar (casais heterossexuais, homossexuais, solteiros), ou o montante das despesas terapêuticas, custo dos procedimentos médicos, comissão da agência, compensação financeira da gestante e despesas inerentes à documentação do recém-nascido para poder sair para o país de residência dos pais. Ademais, são igualmente previstas penalizações para eventuais incumprimentos ou para práticas que violem os chamados direitos humanos das partes ou não cumpram autorizações legais ou administrativas, indicando também as sanções que enfrentarão os pais, caso abandonem o filho após o nascimento.
Quanto a nós, por cá, vamos estando longe de leis que assegurem a maternidade de substituição, com segurança jurídica para os pais biológicos, ao permitir-se a possibilidade de a grávida/gestante revogar o seu consentimento para lhes entregar o bebé. O prazo para decidir não entregar estende-se até ao momento do registo na maternidade ou durante os vinte dias após o nascimento, em qualquer conservatória do registo civil. Permite-se que a grávida tenha o direito de ficar com a criança. Excluiu-se do acesso à maternidade de substituição, o homem solteiro que quer ser pai solteiro ou até o casal masculino desconhecendo-se, por enquanto, se uma mulher solteira ou um casal de mulheres poderá beneficiar da nova lei.
No entanto, e para já, encontra-se suspensa a aplicação da Lei n.º 90/2021, que foi publicada, mas que não pode ser aplicada enquanto não sair o respetivo diploma regulamentar. O legislador criou uma panóplia de pareceres prévios de entidades como o Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e a Ordem dos Psicólogos.
Com tantas exigências, quem quiser beneficiar do direito à paternidade o melhor que terá a fazer é continuar a ir a certos países estrangeiros, pois nesta Terra não se gosta de maternidade de substituição e, muito menos seria possível ser mãe aos 68 anos!"
[*Entretanto, Ana Obregón veio esclarecer que a bebé é sua neta e não sua filha, tendo recorrido a gestação de substituição usando esperma do seu falecido filho e cumprindo assim o seu último desejo. Não obstante, do ponto de vista jurídico a bebé é filha, ou seja, Ana é mãe. Independentemente de quem seja o doador do esperma, isto é, no registo, apenas irá constar o nome da mãe e nunca o do filho (ou de quem foi o doador). O doador é sempre sigiloso, independentemente das notícias que foram divulgadas.]