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Portugueses têm camelos, cangurus, serpentes e capivaras. Mas é legal?

O Notícias ao Minuto quis saber quais os animais que os portugueses têm em casa e esclarecer as questões legais em torno desta questão.

Portugueses têm camelos, cangurus, serpentes e capivaras. Mas é legal?
Notícias ao Minuto

14:40 - 29/08/22 por Carmen Guilherme

País Animais

Quando dois cangurus foram resgatados na sequência do incêndio que afetou a zona de Palmela, no passado mês de julho, muitos foram aqueles que se questionaram sobre a legalidade de deter estes animais. O caso lembra aqueles que, nas suas propriedades, também têm espécies que nos habituámos a ver longe das pessoas. Mas, afinal, que animais podemos ou não ter em casa? Há assim tantos portugueses a acolher espécies que não estamos habituados a ver como animais de companhia?

As questões podem ser complexas, mas o Notícias ao Minuto tentou chegar a algumas respostas. 

Mário Nóbrega é médico veterinário de animais exóticos e conta que o seu "dia a dia" é trabalhar com espécies que a maior parte das pessoas considera menos "comuns" e que fazem parte de coleções privadas em Portugal, nomeadamente "camelos, dromedários, capivaras – o maior roedor do mundo-, cangurus, lagartos, muitas serpentes, araras"

O diretor clínico da Exocticvets, que é também docente em Medicina e Enfermagem Veterinária no Instituto Universitário Egas Moniz, destaca que é fundamental perceber que todos estes animais, ainda que nos tenhamos habituado a conhecê-los noutros ambientes, foram criados em cativeiro.

"É comum perguntarem: 'Doutor, é possível ter uma arara, é legal?' Sim, claro que sim, se for criada em cativeiro e se tiver toda a documentação que comprove a sua origem em cativeiro e de criadores regulamentados, claro que sim. Quando falamos de espécies mais raras, de um canguru, de uma zebra, de um camelo, também é possível ter, a partir do momento em que a fonte seja a mesma, algum animal em cativeiro ou reprodução em cativeiro", explica.

Tendo em conta a sua origem, o veterinário sublinha que é importante perceber que ainda que estes animais sejam descritos como selvagens, na verdade, não é bem assim… E alerta para a ideia de libertar estes animais na natureza, considerando que este é um pensamento romantizado e que pode prejudicar verdadeiramente estes seres vivos, que não estão aptos para sobreviver dessa forma.

"É importante esclarecer. De facto, isto não são animais selvagens, embora a lei erradamente diga que são animais selvagens que estão em cativeiro. São animais exóticos de companhia muitos deles. E estes animais, mesmo as espécies zoológicas, não podem ser novamente recolocadas na natureza, não estão aptas sequer a fazer um comportamento natural - um predador de caçar, uma presa de fugir ao predador. Não são espécies preparadas para isso. São espécies criadas em cativeiro e nunca nunca devem ser soltas na natureza", nota.

"Às vezes, as pessoas romantizam este pensamento de 'tenho uma tartaruga e ela cresceu demasiado e vou pô-la na natureza, porque lá é que ela está bem', e não é assim que funciona. Esse animal está condicionado logo à partida, porque não está habituado. Aí, sim, irá sofrer", acrescenta.

Contudo, é relevante entender o que estas espécies "exigem" e que são necessárias determinadas condições para as deter e para que recebam os cuidados que merecem, tendo em atenção que são "muito diferentes" de um cão ou gato.

"É importante tentar saber de antemão o que estas espécies exigem, não só da parte legal, mas da parte da manutenção. São espécies muito diferentes, não é um cão e um gato. No caso de um lagarto, por exemplo, temos de criar condições artificiais que simulem ao máximo um habitat natural. E isso às vezes é muito complicado e pode ser custoso", sublinha.

"As gaiolas quanto maior melhor, se possível ter o animal a viver fora da gaiola, no caso de aves. E, no caso de outros animais, ter um maior recinto", aconselha.

"Agora, para ter estas espécies, é preciso ter informação credível, tanto por parte das instituições oficiais, que regulamentam, como de um biólogo ou um medico veterinário, que possam dar esta ajuda e que impeça a aquisição deste tipo de animais quando as pessoas não têm condições", refere.

O que diz a lei

É aqui que entra o lado mais burocrático da questão. A lei é complexa e é preciso ter em conta que existem milhões de espécies no planeta e cada caso acaba por ser um caso específico. Para saber que animais selvagens/exóticos podemos ter em Portugal é importante responder, primeiramente, àqueles que definitivamente não podemos ter.

Como já foi anteriormente referido, este tipo de animais só pode ser detido se for provado que foi criado em cativeiro. Tal como explica João Loureiro do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), é importante começar pelos pelos animais com origem selvagem, ou seja, que são retirados da natureza. Neste caso, em Portugal ou na União Europeia, a detenção é proibida para privados.

"Essa  detenção é possível, excecionalmente, para fins científicos, incluindo projetos de recuperação de uma espécie, ou para colocação de espécimes irrecuperáveis provenientes dos centros de recuperação, mas apenas incluídos em projetos científicos aprovados pelo ICNF ou em parques zoológicos devidamente legalizados (animais irrecuperáveis)", explica o chefe da Unidade de Coordenação Nacional de Vigilância Preventiva e Fiscalização do ICNF.  (Consulte os seguintes documentos: DL 140/99 + DL 156-A.2013; DL_38_2021 (Berna e Borna + Indígenas); DL_38_2021 (Berna e Borna + Indígenas); Convenção de Bona - anexo I; Convenção de Bona - anexo II; Convenção de Berna - Anexo III)

Comprovada a sua origem em cativeiro, vamos aos animais pertencentes a espécies listadas na CITES - Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies Silvestres Ameaçadas de Extinção, um acordo internacional ao qual os países aderem voluntariamente com o objetivo de assegurar que o comércio de animais e plantas não põe em risco a sua sobrevivência no estado selvagem. 

A União Europeia possui regras mais ainda restritivas do que as indicadas pela Convenção e rege-se por um Regulamento que distribui as espécies. Note-se que a detenção de animais CITES depende da prova da sua legalidade e, caso exista criação ou  venda de animais, do registo no ICNF e atualização anual da coleção. A girafa, por exemplo, é uma espécie CITES que é possível deter por privados. (Consulte os seguintes documentos: Portaria n.º 85/2018; DL 121 .2017; REGULAMENTO (UE) 2021/2280)

"A girafa é uma espécie CITES, tem de ter um certificado comunitário que prove a sua origem legal, tem de estar marcada, e o detentor tem de provar que tem as condições de alojamento minimamente adequadas para a sua detenção", explica João Loureiro.

Em Portugal, vigora também uma lista de animais proibidos por serem considerados animais perigosos. Podem ser detidos para fins pedagógicos ou científicos aprovados pelo ICNF, mas nunca para a detenção de privados. Esta lista pode ser encontrada na Portaria n.º 86/2018, de 27 de março, e nela incluem-se, por exemplo, todas as cobras venenosas, primatas ou felídeos. Por isso, não, não podemos ter um macaco em casa ou um tigre. 

Na mesma Portaria (Anexo II), podemos encontrar ainda animais que podem ser detidos por privados mas que, devido ao seu nível de perigosidade, os seus detetores têm de ser maiores de idade e registar essas espécimes junto do ICNF, como aranhas e algumas aves, como é o caso da avestruz.

Há ainda espécies invasoras, listadas no anexo II do DL 92-2019 espécies exóticas, de 10 de julho (acrescidas das espécies listadas no Regulamento de Execução 2022/1203 (Regulation (EU) 2022_1203) da Comissão, de 12 de julho de 2022, que altera o Regulamento de Execução 2016/1141 para atualizar a lista de espécies exóticas invasoras que suscitam preocupação na União), que por causarem impacto negativo nas espécies ou habitats naturais de Portugal e da União Europeia, são de detenção ou comércio proibidos.

"No caso da aquisição ter ocorrido antes da entrada em vigor de uma recente atualização desta lista, os animais podem ser detidos, desde que esterilizados e declarados no ICNF", indica o responsável do organismo.

Tirando tudo isto, "não há nenhuma proibição à partida, há é uma necessidade de provar que há condições para deter os animais", reitera João Loureiro.

Contudo, é preciso ter em atenção que "todos os animais têm de estar marcados, de modo a permitir a sua traçabilidade", já o "registo só é necessário em algumas situações".

"Para espécimes, com origem legal, de espécies que ocorrem no estado selvagem no espaço da União Europeia, como por exemplo o pintassilgo ou o furão, o registo (para além da marcação individual) é obrigatório para a simples detenção de um indivíduo. O mesmo se passa para a detenção de espécimes das espécies constantes no anexo II da Portaria n.º 86/2018", indica.

"Para as restantes espécies que podem ser detidas, o registo apenas é obrigatório para quem transfere espécimes (troca, doação ou venda). A marcação e a prova de origem legal são sempre obrigatórias", explica. (Consulte o documento: Portaria n.º 85/2018)

Mário Nóbrega explica que a marcação no caso das aves, por exemplo, é feita com "anilhadas fechadas" que são colocadas "quando são bebés". "Não dá para colocar quando são adultos e isso atesta que foi criada em cativeiro". Noutros animais, a marcação é também feita com microchips. 

Contudo, a criação de animais em cativeiro não deixa de levantar questões. Mário Nóbrega admite que "também é um mercado", mas que estes animais "embora sejam usados para fins comerciais, podem vir a ser muito importantes para projetos de conservação". 

Como exemplo, o veterinário explica o que aconteceu com a Arara de Spix, uma arara "declarada extinta na natureza entre 2000/2002". "O facto de haver alguns destes espécimes em cativeiro, inclusivamente em Portugal, em coleções privadas, levou a que fossem todos dados para um projeto de reabilitação desta ave e, 20 anos, depois temos a libertação destes animais na natureza. É fantástico", contou.

"Os habitats estão a desaparecer", realça. "Se pensarmos nas araras e na Amazónia, conseguimos perceber que, tudo bem, podemos deixá-las na natureza e lá estarão, mas não será por muito tempo. Se estes animais não existirem em cativeiro, não temos forma de tentar salvar alguma destas espécies que vão desaparecer".

Mário Nóbrega admite que "o homem tem muita culpa" e admite que também a criação em cativeiro "deveria ser mais controlada".

"Nem tudo é bonito e fantástico, mas é importante ter estes espécimes em cativeiro", completou.

Opiniões e questões à parte, a conclusão mais importante resume-se numa palavra: informação. Na hora de adquirir um animal, seja ele qual for, é essencial estar informado e, sobretudo, ter a certeza que adquiri-lo é sinónimo de uma vida melhor para ele. 

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