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Brasil lembra-nos que os nossos corpos são políticos, diz ativista

O Brasil faz-nos lembrar que nossos corpos são políticos, disse o ativista, 'drag queen', professor e influenciador digital brasileiro conhecido como Rita von Hunty, que participou no Festival Internacional de Literatura e Língua Portuguesa, em Lisboa.

Brasil lembra-nos que os nossos corpos são políticos, diz ativista
Notícias ao Minuto

09:54 - 18/05/22 por Lusa

País Ativismo

"O Brasil faz um trabalho constante de nos relembrar que os nossos corpos são políticos. O Brasil, é um país que tem uma política de encarceramento em massa, encarceramento e genocídio das populações jovens, pretas, pobres e periféricas", disse Rita von Hunty à agência Lusa, numa entrevista em que falou sobre o seu trabalho, o cenário político do Brasil e o aumento da violência contra minorias do seu país, no regresso da capital portuguesa.

"Essas populações vivem e são constantemente defrontadas com uma ideia, e a materialidade de que o corpo delas é político. O mesmo acontece para as populações de mulheres. O Brasil é o quinto país do mundo em feminicídio, o quarto país do mundo em [números de] casamento infantil. O mesmo acontece com a população LGBT (...). O mesmo acontece com os ativistas e trabalhadores do meio ambiente, pelos povos indígenas", acrescentou.

Rita von Hunty é o nome artístico do artista e professor brasileiro Guilherme Terreri Lima Pereira, de 31 anos, cujo canal do Youtube chamado "Tempero Drag" reúne centenas de vídeos que tratam de temas sociais e políticos, com cerca de um milhão de inscritos e mais de 46 milhões de visualizações.

O influenciador - o ativista se apresenta sempre no masculino embora a sua personagem 'drag queen' seja feminina - contou à Lusa que seu canal, onde fala sobre temas relacionados com a sociedade contemporânea, tem o objetivo de fornecer instrumentos através da educação para auxiliar a população a desenvolver pensamento crítico. Para isso, prefere vídeos curtos e uma linguagem lúdica, que acabam por mobilizar uma grande audiência entre o público jovem.

Questionado sobre o aumento da violência no Brasil, o artista e ativista contou que já sofreu ameaças por causa do seu trabalho, mas frisou que as ameaças contra si não importam, já que se considera uma 'ideia em rede' e, portanto, seus dramas pessoais seriam irrelevantes face às lutas políticas em andamento no país.

Ao avaliar o quadro eleitoral no país sul-americano, cuja polarização tem se acirrado e dividido grande parte da população, entre aqueles que defendem a eleição do ex-presidente e líder progressista Luiz Inácio Lula da Silva e os apoiantes do atual Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, Rita von Hunty disse esperar que o debate eleitoral seja amplo e envolva temas sociais.

"Espero que os movimentos sociais consigam, durante este ano de disputa ou de promessa de construção de campanha colocar de forma inequívoca, inegociável, incontornável as suas demandas", avaliou.

"A gente não pode avançar democraticamente sem que as nossas discussões centrais no Brasil sejam sobre demarcação de terras indígenas, reforma agrária, [sem que] sejam sobre violência, encarceramento, sejam sobre miséria, produção e gestão de miséria, sejam sobre o que seis anos de políticas marcadamente neoliberais, contra o povo brasileiro produziram de horror e produzirão de horror na nossa população", acrescentou.

O ativista frisou, no entanto, perceber que não há um cenário favorável no país para as eleições que ocorrerão em outubro.

"Não é um cenário favorável. É um cenário no qual as pessoas estão organizadas em torno do medo. Como dizia [o filósofo francês] Gilles Deleuze, ao retomar Espinosa, o medo é um afeto perigosíssimo, porque é por ser um afeto triste, ele é um afeto paralisante, é a coisa que a gente menos precisa agora é de paralisia, a gente precisa falar de organização, resistência de contraofensiva", destacou.

Rita von Hunty foi categórico ao afirmar que "não existe a menor possibilidade de a gente pensar a reeleição do Bolsonaro e a existência do Brasil como a gente o conheceu."

"Quatro anos de gestão 'bolsonarista' resultaram numa destruição do nosso país que era difícil de imaginar nos cenários mais aterradores. Tivemos, talvez, o manejo mais desastroso da pandemia, começam a ser divulgados dados que falam sobre quantas vidas poderiam ter sido poupadas caso o manejo da pandemia tivesse sido feito de forma séria, humana", afirmou.

"Enfim, é um quadro desesperador. Não existe, em nenhuma possibilidade de cenário, a ideia de pensar o Brasil e Bolsonaro no futuro," assegurou.

Sobre sua visita a Portugal, onde esteve a convite do Itaú Cultural, Rita von Hunty considerou que foi uma boa experiência ter uma boa relação com o público local.

"É uma relação muito boa. Existe uma troca muito potente. Acredito que isto ocorra por três fatores. O primeiro deles é que eu vejo, em especial com a juventude portuguesa e setores da intelectualidade mais orgânica, uma direção de se educarem para pensar a colonialidade [colonialismo] e temas centrais como género, raça e classe, e também epistemologias do sul global", destacou.

O ativista brasileiro destacou, em seguida, também ter notado interesse dos portugueses em temas relacionadas a política brasileira, facto que torna seu trabalho relevante já que é uma das áreas que aborda.

Rita von Hunty concluiu revelando não saber o número de visualizações que os seus vídeos têm em Portugal. Explicou que não faz conteúdo específico para portugueses, como alguns influenciadores brasileiros, mas considerou que o conteúdo que produz é relevante para o público local, porque trata de problemas globais como economia, educação e cultura.

Em Lisboa, Rita von Hunty discutiu as possibilidades "de organizar, resistir e lutar contra os poderes estabelecidos e os tomadores de almas", evocando Spinoza e Gilles Deleuze, assim como os trabalhos de Raymond Williams e Paulo Freire, para ajudar a entender como os afetos tristes são instrumentalizados pela política, e como a educação pode subverter esta "estrutura perversa".

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