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"Defender o país cabe a todos". Médico ucraniano em Portugal pensa voltar

Dmytro tem 33 anos, é ucraniano, e vive em Portugal há 10. Vive os dias colado ao telefone, numa ansiedade que só acalma com notícias do país onde nasceu.

Desde o passado dia 24 de fevereiro que Dmytro Nagirnyak vive colado ao telemóvel. Lê notícias, ouve rádio ucraniana, passa o Telegram a pente fino e não larga as redes sociais. Mantém contacto com a família que deixou na Ucrânia - avós, tios e primos - mas a ansiedade de saber o que se passa no país onde nasceu consome-lhe os dias. 

O médico ucraniano de 33 anos, que vive em Portugal há sete, conta ao Notícias ao Minuto que a zona onde nasceu e onde vivem ainda alguns dos seus familiares, Ivano-Frankivsk, foi das primeiras a ser atacadas pelos russos, logo no dia 24 de fevereiro, aquando da invasão de Putin. Pela cabeça, admite, já lhe passou a possibilidade de voltar para lutar e defender o seu país.

“Os meus primos são médicos e estão a  trabalhar, mas sabem e vivem com o pensamento de que se as coisas se complicarem têm de ir para a linha da frente, para a guerra”. Quando a invasão começou, ainda nem a Lei Marcial tinha sido implementada, e ao falar com os primos, estes disseram-lhe de imediato que sair do país estava “fora de questão”. “Disseram logo que ficavam para lutar, se fosse preciso”, conta. 

Durante a faculdade de medicina, Dmytro foi obrigado a fazer um curso militar, de onde saiu já como tenente de reserva. Uma realidade explicada pela guerra que para ele começou em 2014 - altura em que a Rússia anexou a península da Crimeia e os separatistas tomaram as zonas de Donetsk e Lugansk - e não agora, “como para o resto do mundo”. É por isso que Dmytro concorda com a imposição da Lei Marcial - “Há oito anos que aturamos os russos e a realidade da guerra é esta”, refere.

“Há pessoas que têm vindo a fugir, pessoas com mais posses, e quem fica a lutar são as pessoas mais simples".

Assim, com a lei, “defender o país cabe a todos”, conta, recordando que quando o conflito começou em 2014, foi chamado “quatro ou cinco vezes para ir ao comissariado”. “As pessoas eram chamadas para serem alertadas de que poderiam ter de ir para a guerra, para verificar documentos…”, explica.

“Quando tens um vizinho maluco, tudo é possível”, diz, referindo-se a Vladimir Putin, admitindo que apesar desse pensamento constante, nunca achou que a guerra acontecesse desta forma. “Foi um choque. Tu achas sempre que no século XXI, isto não vai acontecer. No dia 24 eles bombardearam todas as cidades com aeroportos estratégicos para os militares. Aí percebi a gravidade”, afirma. 

Voltar é um pensamento constante

Apesar de já lhe ter passado pela cabeça voltar à Ucrânia para lutar, para já ficará Portugal, a cumprir as suas funções de médico. “Eu aqui tenho a minha família. A minha mãe, o meu irmão que também é médico, a minha esposa, filho… É claro que me passa pela cabeça voltar, se for preciso, mas é mais como um pensamento constante. Mas agora, tenho de pensar com a cabeça fria. Falei com muita gente e para já dizem-me que não precisam de médicos”.

Assim, Dmytro vai manter-se em Torres Novas, onde trabalha como médico.  “Vou fazer a minha vida cá, e vou ajudar como consigo, de cá. Com dinheiro, bens, o que conseguir”. 

De lá, dos amigos médicos, os relatos que tem são de muita falta de medicamentos. “Há falta de antibióticos, anti-inflamatórios, analgésicos, hemostáticos, pensos, garrotes, gazes, seringas… tudo o que seja equipamento de bloco operatório, medicamento de primeiros socorros…”, revela. 

Ucrânia está a defender a Europa

Depois do choque inicial, o médico acredita que a Ucrânia sairá livre e vitoriosa do conflito. “Os ucranianos que estão na linha da frente estão a defender a Europa. Mas se os países europeus acham que esta guerra não lhes vai tocar, estão muito enganados. Esta guerra vai tocar a cada um de nós”, diz, ressalvando entender a posição da NATO e da Europa de não entrar no conflito. “O mundo está numa situação instável e todos temos medo até de respirar um pouco mais fundo e de isto se descontrolar”, afirma. 

O ucraniano mantém esperança, não só pela resposta do mundo à guerra, mas também pela forma como a Ucrânia "dá luta". “Eles acharam que iam entrar em Kyiv e que as pessoas iam entrar em pânico, mas não foi o que aconteceu”, considera.  

Agora, diz, falta a Rússia cair. “O ideal seria os russos e os bielorrussos fazerem a revolução dentro dos países deles, para a acabar com a ditadura do Putin e do Lukashenko, para que esta guerra acabe e para que também eles possam viver em tempos modernos, porque o Putin ficou nos tempos da Guerra Fria”

Em casa, seguro com a mulher o filho, Dmytro não deixa passar a oportunidade de agradecer. “Muito obrigado aos portugueses, à Europa", diz. "Slava Ukraini!”, quase que grita, com a voz embargada, segundos antes de desligar a chamada. 

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