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Lyudmyla: "Já perdi um familiar para os russos, não quero perder mais"

Lyudmyla Serhiyenko, de 25 anos, é ucraniana e mora há 11 anos em Portugal. Viveu quase metade da sua vida aqui, mas a ligação à Ucrânia e a família lá tornaram o dia de ontem "horrível". 

Lyudmyla: "Já perdi um familiar para os russos, não quero perder mais"

A ofensiva militar que a Rússia lançou ontem de madrugada na Ucrânia, com forças terrestres e bombardeamento de alvos em várias cidades, tomou-nos a todos de assalto. Os indícios que faziam adivinhar uma guerra acabaram por se tornar realidade e o mundo estremeceu. A comunidade ucraniana em Portugal em particular. 

Lyudmyla Serhiyenko, de 25 anos, é ucraniana e mora há 11 anos em Portugal. Viveu quase metade da sua vida aqui, mas a ligação à Ucrânia e a família lá tornaram o dia de ontem particularmente difícil. 

Mas não foi só ontem que o pânico se apoderou de si. "Durante os últimos dias, vivia num estado de pânico interno que estava a tentar não mostrar. É aquela sensação quando tu tens quase a certeza absoluta de que isto vai acontecer, mas ainda tens aquela pequena esperança porque como se diz 'a esperança é a última a morrer'", contou ao Notícias ao Minuto.

 Foi pânico, choque e principalmente medo. Medo pelo meu país, povo e obviamente familiares

Apesar de saber que o ataque era possível, Lu, como prefere ser tratada, não esperava a dimensão do mesmo, que fosse dirigido a "tantas cidades" ou que acontecesse ontem. "Não esperava que acontecesse de todo", lamenta. 

Uma chamada da sua família, a que vive em Portugal, na manhã de ontem foi o que a alertou. Lu conta que atendeu com o habitual “bom dia”, mas em resposta ouviu "é dia, mas não é bom, a Ucrânia está em guerra”.

"Foi um choque. Um balde de água fria a ser despejado em mim. Um choque elétrico. É uma sensação que nunca senti e nunca pensei que ia sentir. Foi pânico, choque e principalmente medo. Medo pelo meu país, povo e obviamente familiares. Demorei imenso tempo a percecionar isto tudo, acho que ainda estou a tentar. Continuo à espera que seja só um pesadelo. Mas infelizmente, neste caso, o pesadelo tornou-se realidade", descreve. 

Os familiares de Lu na Ucrânia não se encontram em nenhuma das cidades bombardeadas, ainda assim o medo é grande. "Eu e a minha família somos de uma cidade chamada Ternopil, que está perto de Lviv, que está na fronteira com a Polónia. Até agora, na nossa cidade não aconteceu nada, mas não significa que não vá acontecer", explica indicando que os seus familiares decidiram ficar em Ternopil, por enquanto.

A jovem que estudou Marketing em Portugal afirma que tanto ela quanto os seus familiares na Ucrânia acreditam e confiam nos militares ucranianos. "As ordens do governo são de não entrar em pânico, então é que estão a fazer", explica. 

Confiamos aos militares ucranianos as nossas vidas

Mas não é tarefa fácil. Cá, a jovem ucraniana admite que o dia de ontem foi "horrível", desde o momento da primeira chamada até ao final da noite, a cada notícia que ia vendo. "Com cada notícia, aparecem lágrimas nos olhos, mas com cada avião abatido deles, cada tanque abatido, aparece uma pequena alegria no fundo do coração. Mas é o dia em que não consegui fazer nada: comer, beber, trabalhar e viver uma vida normal. Foi o dia de ter na televisão as notícias portuguesas, no computador as ucranianas, no telemóvel os chats, como Telegram e redes socias no geral", conta ao Notícias ao Minuto.

O coração apertava com cada notícia de um novo bombardeamento, com cada novo vídeo dos meus amigos da Ucrânia

Serhiyenko detalha ainda que nasce em si uma grande raiva por "cada mentira que está a ser transmitida pelos russos".

"A grande lavagem cerebral que estão a ter e que genuinamente estão a acreditar que a Rússia veio defender [os separatistas] e nós estamos a atacar as nossas próprias cidades", descreve.

"Já perdi um familiar para os russos, não quero perder mais"

No final de 2014 e início de 2015, durante a guerra na Ucrânia na qual a Rússia conseguiu a ocupação da Crimeia, o tio de  Lyudmyla era um dos que lutava. E um dos perdeu a vida. A jovem teme que o mesmo volte a acontecer com outro familiar. 

"O meu maior medo é que o meu tio morreu para nada em janeiro de 2015 a proteger a cidade de Lugansk. Eu já perdi um familiar para os russos, eu não quero perder mais familiares e, principalmente, o meu país. Nós lutamos durante muito tempo para ter a nossa liberdade e nós não estamos prontos e dispostos a perdê-la", assume.

A jovem teme que a Rússia se apodere do seu país, no qual tem família e memórias de infância felizes. "O maior medo é que a Rússia se apodere do meu país. Do país onde eu nasci, eu e todos da minha família. Onde eu passei a minha infância e a minha juventude. Onde eu fui feliz. Onde quero levar os meus filhos um dia e contar histórias sobre a minha alegre infância. Não quero contar histórias de guerra. O meu maior medo, é perder o meu país. A minha Ucrânia", conta.

"Preferimos morrer a estar submissos a Rússia"

Da vontade em manter a independência da 'sua' Ucrânia ao grito por ações em vez de sanções, Lu explica como vê esta guerra e como acredita que Putin tem de ser travado de outra forma. 

"A minha visão disso tudo é que nós e eles estamos a morrer por causa de uma ideia doente de um velho que quer voltar a juntar a União Soviética. Ele nunca gostou da nossa independência e quer acabar com ela. Quer-nos submissos. Mas isso não vai acontecer. Preferimos morrer a estar submissos à Rússia", sublinha indicando que essa é a sua visão e da família. 

Quanto às sanções, a ucraniana defende que "enjoam" e não vão resolver o problema que cresce de dia para dia. Lu afirma que os líderes mundiais não estão a fazer o suficiente e que o que está a ser feito não é suficiente.

"Obviamente, eu espero ajuda. Não são sanções. Cada vez que ouço palavra sanções, enjoa-me. As sanções não vão salvar os nossos soldados. As sanções não vão impedir os civis de pararem de morrer. As sanções não me vão ajudar a dormir melhor. Já nem me interesso como eu durmo. As sanções não vão ajudar a minha família estar segura", começa por dizer. 

"Eu espero ajuda militar, eu espero ajuda monetária, eu espero ajuda com armas que tanto andavam a prometer durante os últimos dias. Infelizmente depois de ver os discursos dos líderes mundiais durante o dia de hoje, deu a perceber que nenhuma ajuda militar a Ucrânia vai receber. Eles estão prontos a proteger a União Europeia e os parceiros e países da NATO. Mas não nós. E nós precisamos tanto dessa ajuda. Para ganhar, para viver, para sobreviver", conclui.

Ofensiva já matou pelo menos 120 e deslocou cerca de 100 mil

A ofensiva militar da Rússia na Ucrânia já provocou, desde ontem de madrugada, pelo menos mais de 120 mortos, incluindo civis, e centenas de feridos, em território ucraniano, segundo Kiev. A ONU deu ontem à noite conta de 100.000 deslocados no primeiro dia de combates.

O Presidente russo, Vladimir Putin, disse que a "operação militar especial" na Ucrânia visa "desmilitarizar e desnazificar" o seu vizinho e que era a única maneira de o país se defender. O tempo que durará esta invasão é incerto, tendo o Kremlin afirmado que dependerá do seus "resultados" e "relevância", não precisando exatamente quais os objetivos. 

O ataque foi veemente condenado pela generalidade da comunidade internacional. Foram realizadas reuniões de emergência de vários governos, incluindo o português, e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), União Europeia (UE) e Conselho de Segurança da ONU. 

No seguimento destas reuniões foram aprovadas sanções em massa contra a Rússia mas também especificamente contra Putin e Lavrov.

Ainda de referir que os russos saíram ontem às ruas em massa para protestar contra guerra de Putin tendo as autoridades reprimido estes protestos. Mais de 1.800 manifestantes foram detidos na Rússia por se manifestarem contra a guerra. 

Leia Também: Rússia reivindica controlo de aeroporto militar e isolamento de Kiev

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