Psicólogos pedem resiliência perante claustrofobia de um país inquieto
Manter rotinas, criar tempo a sós evitando o isolamento, esquecer perfecionismos, não ter medo de ter medo e conversar, que ajuda a arrumar a mente num país em isolamento e inquietação devido à Covid-19, recomendam psicólogos ouvidos pela Lusa.

© iStock

País Covid-19
A situação é "brutal" e "tem todos os ingredientes" para criar dificuldades se faltar resiliência, ou seja, a "capacidade de nos adaptarmos a vivências difíceis", descreve Miguel Ricou, presidente da Comissão de Ética da Ordem dos Psicólogos, professor e psicólogo no Porto, referindo-se à "mudança radical imposta por um agente externo" e invisível, um vírus responsável por uma pandemia, que "mandou" países inteiros para casa, deixando-os "a trabalhar sem prazo", por estar ainda indefinido o horizonte de regresso à normalidade.
Perante o cenário de uma certa claustrofobia, face ao encerramento de escolas, o teletrabalho, o confinamento voluntário de uns e a obrigatoriedade de sair para trabalhar de outros, o psicólogo espera que "não se exija perfeição, nem perto disso", porque tudo isto é "muito de uma só vez" e "vamos todos falhar".
"A situação é difícil. Ninguém espera que as pessoas façam tudo bem. É muito de uma vez: gerir as crianças, os trabalhos à distância, o medo, a falta de convívio, entre tantas outras complexidades particulares da vida de cada um. Vamos todos falhar muito e é importante que sejamos tolerantes a isso mesmo", esclarece.
O especialista antecipa o surgimento de "síndromes agudos de stress, muito ligados à ansiedade" e que podem assumir-se como "reações de raiva contra alguém, atitudes de negação ou disfunção, como crises ansiosas, grande angustia, pessoas que explodem ao mínimo rastilho".
O conselho são "coisas simples": manter as rotinas e o tempo esquematizados, sem deixar espaço para vazios de angustia; mediar o acesso às notícias e não estar sempre ligado, nem à televisão nem às redes sociais; fazer muitos contactos com os outros, pelo telefone, porque "é muito importante que as pessoas não se isolem, e isso pode acontecer mesmo às que não vivem sozinhas".
Falar também "é importante", para organizar a cabeça e dar sentido aos sentimentos.
"Quando estou a contar o que sinto, tenho de estruturar um discurso que faça sentido para quem está a ouvir, e, com isso, estou a dar significado às coisas, conseguindo compreendê-las melhor", descreve o profissional, que mantém uma "agenda cheia", pois manteve "80 a 90% das consultas", realizando-as agora por videochamada.
Ricou nota ainda que "é normal o medo, a tristeza ou a angustia".
"A forma como reagimos a essas emoções é que é fundamental. Importa aceitar que é normal e fugir delas. Distrairmo-nos dessas emoções. Fazer algo de que gostamos, ver um bom filme. Tentar que as emoções fluam em vez de nos focarmos demasiado naquela emoção para não a potenciar", descreve.
O psicólogo clínico Jorge Ascensão defende que "será agora altura de sermos o que gostávamos de ver no outro, mais do que exigir perfeição no próximo".
Com muitas famílias em casa, "os dias são mais lentos, mais intensos, e por isso as emoções provavelmente também o serão".
"É importante que se criem horários e novas rotinas adaptadas à nova realidade temporária mas relativamente longa em que entramos", defende.
A sugestão é fixar "horário de trabalho, de trabalho de casa para os pequenos, de tarefas de casa para todos", mas também "de lazer em comum e de cada um, porque nem todos gostam do mesmo".
"Precisamos do convívio, mas também precisamos de privacidade", alerta.
Recomendando também que os membros de uma família criem "tempo a sós dentro de casa", a psicóloga Inês Guimarães alerta que "mesmo em família podem surgir vivências de solidão relativamente a outros afetos -- de amigos, por exemplo".
A especialista destaca que, nesta altura, podem surgir, e são normais, "muitos sintomas relacionados com o stress", nomeadamente "ansiedade, preocupação, pensamentos acelerados, desinteresse pelas atividades, sensações de prostração, irritabilidade, distúrbios de sono ou gastrointestinais".
"A questão é como vamos gerir estes sentimentos, que se poderão manter mesmo após a pandemia, devido aos seus efeitos socioeconómicos", afirma, explicando que, se os sintomas persistirem durante "semanas ou meses", ou resultarem "em sofrimento e incapacidade", será "necessário procurar apoio psicoterapêutico".
Os conselhos de Inês Guimarães são "manter as rotinas e ter o tempo estruturado", com "horários de levantar, comer e deitar".
Deve, ainda, haver na família "flexibilidade e disponibilidade para negociação mediante os temperamentos e preferências de cada um".
Sair para "apanhar ar" pode ajudar a "equilibrar a balança", acrescenta.
"Sair para trabalhar, no caso de quem tem de o fazer, ou ir ao supermercado, tem fatores [psicológicos] acrescidos, porque todas as medidas necessárias para prevenir o contágio recordam o contexto atual", descreve.
Por isso, "o passeio higiénico pode ser um grande recurso" para contornar "os constantes lembretes" da pandemia e "contrabalançar este sentimento quase claustrofóbico" de evitar contactos, manter distâncias, não tocar, limpar, lavar, desinfetar, ficar em casa.
Todas as Notícias. Ao Minuto.
Sétimo ano consecutivo Escolha do Consumidor para Imprensa Online.
Descarregue a nossa App gratuita.
Comentários
Regras de conduta dos comentários