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"Claro que casos de Itália preocupam. Orientação é de restringir fluxos"

António Sales, secretário de Estado da Saúde, é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto.

"Claro que casos de Itália preocupam. Orientação é de restringir fluxos"
Notícias ao Minuto

09:45 - 28/02/20 por Filipa Matias Pereira

País Covid-19

A possível chegada do Covid-19 a Portugal está em 'cima da mesa' e, de acordo com o secretário de Estado da Saúde, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) está preparado para essa hipótese. 

Em entrevista ao Notícias ao Minuto, António Sales vincou que há uma rede de hospitais preparados para acolher doentes infetados, para além das três unidades de referência no Porto e em Lisboa. 

A monitorização deste processo será, como assegurou o governante, feita gradualmente, de acordo com a progressão do novo coronavírus "que é dinâmico" e que "tem algum grau de imprevisibilidade".

Por outro lado, o responsável fez ainda questão de realçar, ao longo da conversa, a preocupação do Ministério para com os profissionais da saúde que têm sido vítimas de atos de violência. António Sales mostrou-se igualmente preocupado com as recentes mortes de dois pacientes nas urgências hospitalares, assegurando que estão a ser estudadas estratégias de melhoria. 

Depois da Ásia, o Covid-19 chegou à Europa e tem progredido rapidamente. Em Portugal, há estruturas preparadas para dar resposta a uma epidemia?

O SNS está a preparar-se continuamente para aquilo que é a evolução do surto, que é dinâmico, tem algum grau de imprevisibilidade e, portanto, o SNS tem de se preparar continuamente e é isso que estamos a fazer, com planos de preparação a nível nacional, a regional e local. 

É importante dizer que existe um nível de planeamento regional e todas as regiões do país têm os seus planos

Além dos três hospitais de referência a nível nacional (São João, Dona Estefânia e Curry Cabral), há outras estruturas preparadas para tratarem eventuais doentes infetados?

Em caso de necessidade, temos um nível de contenção superior, portanto com ativação de outros hospitais para além desses. Temos um conjunto de hospitais preparados, nomeadamente o de Braga, Tâmega e Sousa, Matosinhos, CHUP (Centro Hospitalar Universitário do Porto), CHUC (Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra), São Francisco Xavier, Egas Moniz, Garcia de Orta, Lisboa Norte, Pulido Valente, Portalegre, Elvas, Évora, Beja, Litoral Alentejano e o do Algarve. É importante dizer que existe um nível de planeamento regional e todas as regiões do país têm os seus planos. Mas este é um planeamento contínuo, que pode ter de se adaptar àquilo que é o surto, à sua dinâmica. Temos de nos adaptar de forma proporcional à própria evolução do surto. 

Estamos preparados para a possibilidade de haver um caso confirmado

Perante um caso positivo, deve a sociedade, como sugeriram a Direção-Geral da Saúde (DGS) e o primeiro-ministro, agir "sem dramatização e sem pânicos"?

Estamos preparados para a possibilidade de haver um caso confirmado. Se assim for, será devidamente isolado e tratado. Como sabemos, este surto tem algumas características diferentes de outros a que temos assistido no passado, nomeadamente o facto de ter um contágio mais facilitado, mas tem um nível de mortalidade menor, anda na ordem dos 2%. Mantendo o nível de preocupação, sabemos que esta letalidade é menor. Isto significa que temos de adequar os nossos planos também a estas circunstâncias.

O nível de contenção e as orientações são no sentido de restringir ao máximo este tipo de fluxos, como aconteceu com viagens de finalistas e outros tipos de eventos de massas

O surto tem evoluído de forma substancial em Itália. Preocupa-o esta proximidade geográfica?

O mundo é global e preocupam-nos todas as regiões do mundo. É evidente que a proximidade geográfica é um motivo acrescido de preocupação. Mas também é importante dizer que estamos a articular, dentro daquilo que é possível, com as entidades internacionais para que haja um nível de coordenação mais global. 

Claro que os casos de Itália nos preocupam, dado que existe um maior número de cidadãos que vêm ou vão para Itália. E por isso mesmo o nível de contenção e as orientações são no sentido de restringir ao máximo este tipo de fluxos, como aconteceu com viagens de finalistas e outros tipos de eventos de massas. 

Há gente que vem de Itália e, não tendo sintomas, deve manter algum nível de socialização com restrição, não só fora de casa como também dentro, com os próprios familiaresA DGS informou que não existem restrições à estadia em Portugal de crianças, jovens e adultos que regressem de uma área de transmissão ativa do novo coronavírus

Para haver ‘link’ epidemiológico são precisas duas características: o foco epidemiológico (do local de onde vêm as pessoas) e o aparecimento de sintomas. São estas as variáveis que estabelecem a definição de caso. Há gente que vem de Itália e, não tendo sintomas, deve manter algum nível de socialização com restrição, não só fora de casa como também dentro, com os próprios familiares. E nestas diretrizes a Direção-Geral da Saúde tem sido muito efetiva

Em Portugal ainda não está a ser feito nenhum tipo de rastreio nos aeroportos. Não se prevê que esta medida avance no curto prazo?

Para já, ainda não foi ativada nenhuma medida com essas características, a não ser que este tal ‘link’ epidemiológico justifique. Temos estado a articular com a DGS e os técnicos entendem que ainda não há essa necessidade. Porém, sendo este um processo dinâmico e flexível, vamos planeando em função desse dinamismo e dessa flexibilidade e da própria proporcionalidade do surto. 

Não se prevê, no ordenamento jurídico português, a quarentena obrigatória perante uma suspeita de Covid-19. Faz sentido uma revisão legislativa?

As leis são matéria dos órgãos de soberania e a eles dizem respeito. Mas importa ressalvar que hoje já temos a possibilidade de constitucionalmente podermos ultrapassar esta matéria, através de uma declaração de emergência nacional do senhor Presidente da República. 

Na sequência da violência contra os profissionais de saúde, o Ministério da Saúde definiu o Plano de Ação para a Prevenção da Violência no Setor da Saúde. Foi esta uma forma de a tutela dizer aos profissionais que não desvaloriza estas situações?

O Ministério da Saúde sempre se preocupou com os profissionais. É evidente que estas situações aumentam a preocupação porque são fenómenos dinâmicos. Atuámos em tempo oportuno em relação a essa matéria, quer ao nível do reforço da segurança, com o gabinete de segurança sob a tutela da senhora ministra, quer ao nível da lei criminal, tendo como crime de prevenção prioritário as agressões contra profissionais de saúde.

Além disso, implementámos um plano que passa por múltiplas medidas, quer do ponto de vista da correção, quer do apoio jurídico e psicossocial que as instituições e os conselhos de administração têm de dar a estes profissionais em caso de agressão. Portanto, temos um plano com medidas corretivas, preventivas e operativas, aos diferentes níveis. Foi um plano que apresentámos e que vai ser posto em discussão pública durante 30 dias para que os diferentes ‘stakeholders’ se possam pronunciar sobre esta matéria. 

Quando, recentemente, falou na possibilidade de facultar aos doentes “chás e bolos” nas salas de espera, sente que foi mal interpretado?

Pior do que isso, eu nunca falei dessa questão, nunca disse isso. Estávamos numa entrevista na Rádio Renascença, onde eu disse que, num conjunto de medidas operativas, preventivas e corretivas, o facto de termos salas de espera com dignidade para os nossos doentes seria mais do que aconselhável até para diminuirmos a tensão que existia, nomeadamente depois na relação médico/doente.

E se as salas de espera tiverem dignidade, e as pessoas têm de ser tratadas com dignidade, é evidente que isso poderá ser um fator dissuasor para depois termos um bom processo de consulta

Qualquer situação de aumento de tensão num processo de avaliação clínica entre médico/enfermeiro e doente tem causas a montante e a jusante. A montante temos os tempos de espera e esses são feitos nas salas de espera. E se as salas de espera tiverem dignidade, e as pessoas têm de ser tratadas com dignidade, é evidente que isso poderá ser um fator dissuasor para depois termos um bom processo de consulta. 

Porém, houve uma profissional que disse que não era com chás e com bolos que se resolvia o assunto. Expliquei-lhe que não era isso que estava em questão, nunca tinha dito isso. A situação foi completamente descontextualizada.

Dois pacientes morreram, recentemente, nas urgências hospitalares (em Lamego e em Beja). Como vê o Ministério da Saúde estas situações, considerando que os doentes morreram sem terem sido atendidos?

O Ministério da Saúde vê sempre com muita preocupação qualquer situação de morte nas urgências ou noutro local dos hospitais. Os hospitais são sítios para tratar os doentes e para dar vida. Infelizmente essas situações acontecem em todas as unidades hospitalares e às vezes não estão relacionadas só com tempos de espera, mas também com outras comorbilidades [doenças relacionadas]. Essas questões, por vezes, não ficam bem esclarecidas quando se faz a avaliação destes processos. 

Estamos a trabalhar ao nível dos serviços de urgência para que, do ponto de vista de organização de processo, se possam encontrar soluções para que os tempos de espera sejam os menores possíveis

De qualquer das formas, o que é importante é que, ao nível dos serviços de urgência, possamos ter menores tempos de espera e menores tempos de resposta. Ou seja, sermos mais efetivos nas respostas. É evidente que por vezes temos dificuldades e depende do afluxo de pacientes, das estações do ano. Estamos a trabalhar ao nível dos serviços de urgência para que, do ponto de vista de organização de processo, se possam encontrar soluções para que os tempos de espera sejam os menores possíveis. 

Essas soluções passam pela contratação de mais profissionais, nomeadamente nos serviços de urgência?

Sim e em vários serviços. Temos a lei do Orçamento do Estado plurianual e para 2020/2021 prevê-se a introdução no sistema de cerca de 8.400 profissionais. Não temos este valor dividido por profissionais, mas existe um estudo prospetivo das necessidades e a distribuição será ajustada por médicos, enfermeiros, assistentes operacionais e técnicos, etc. Este incremento permitirá com certeza melhorar a capacitação dos serviços de urgência. 

Acreditamos que o mais brevemente possível iremos ter condições para normalizar a situação [do Garcia de Orta]

E quanto à urgência pediátrica do Garcia de Orta, há previsões para que a situação seja normalizada?

Temos, como é sabido, dificuldades em algumas especialidades a nível nacional, não só na pediatria, mas na anestesia, na radiologia e noutras especialidades. O caso do Garcia de Orta é diferente porque houve vários pediatras que deixaram de fazer serviço de urgência [a partir dos 55 anos podem deixar de o fazer, como prevê a lei]. 

O Governo tentou, em conjunto com o conselho de administração, responder o mais rapidamente possível a esta situação. Foi feita uma extensão dos horários ao nível dos cuidados primários, fizemos uma contratação de dois pediatras para o serviço do Garcia de Orta e abrimos cinco vagas no concurso de segunda época na perspetiva de que, com os dois pediatras com contratos individuais de trabalho e com cinco vagas ocupadas, teríamos sete novos elementos, o que permitiria abrir as urgências durante 24 horas por dia.

Acontece que essas cinco vagas não foram ocupadas em concurso de segunda época, mas o despacho que fizemos permite que haja uma contratação direta para essas vagas que ficaram desocupadas. Portanto, logo que sejam identificados, esses colegas da especialidade de pediatria podem ser contratados. 

Também estão a ser estudadas outras soluções e estamos em contacto permanente com o conselho de administração em relação a essa matéria. Acreditamos que o mais brevemente possível iremos ter condições para normalizar a situação. Esta situação, porém, não quer dizer que o Garcia de Orta não tenha atratividade. Tem e a prova disso é que esta é uma circunstância muito específica do serviço de pediatria porque nas outras especialidades isso não se passa. 

Faltarão incentivos para esta classe profissional?

Quanto aos incentivos é sempre a organização interna que tem de os encontrar, para além do suporte e da rede que a tutela tem de dar. É evidente que a organização dos serviços é sempre um processo de âmbito funcional das organizações e o serviço tem a capacidade de reter os médicos se estes estiverem motivados. Isso de facto é um processo interno e tem de ser encontrado dentro do próprio serviço. 

A falta de pediatras não é exclusiva do Garcia de Orta, correto? O Hospital de Torres Vedras passou igualmente por constrangimentos.

Essa unidade tem características diferentes porque trata-se de um centro hospitalar com três unidades: Caldas da Rainha, Peniche e Torres Vedras. Surgiu efetivamente um problema semelhante ao nível da pediatria em Torres Vedras e para o qual se encontrou solução, também com a participação da autarquia.

Foi assinado um protocolo que contempla um conjunto de medidas não só ao nível da pediatria, mas nesse caso as escalas mais próximas ficaram resolvidas. Aqui é importante dar uma palavra de agradecimento, de reconhecimento e de incentivo aos profissionais de saúde que contribuíram para que essa possibilidade pudesse ser efetiva

No próximo concurso vamos abrir vagas para esta especialidade para que não haja problemas no futuro e para dar sustentabilidade ao próprio serviço, sendo que a Câmara Municipal colaborou nesse protocolo ao criar condições que possam também aumentar a atratividade do serviço para os jovens colegas. 

A despenalização da morte medicamente assistida foi recentemente aprovada no Parlamento. Se o diploma passar pelo crivo de Belém, de que forma o SNS se vai adaptar a esta nova realidade?

Gostaria primeiro de clarificar que, enquanto governante, não posso ter estados de alma. Compete-nos respeitar as decisões da Assembleia da República e criar as condições para que essas decisões possam ser implementadas. Esse também é um processo que está a decorrer e teremos de esperar pelo final para adaptarmos as estruturas do SNS que acredito que estejam em boas condições para que tal aconteça. 

O Governo anunciou que vai lançar um novo concurso para a PPP do Hospital de Cascais. Algumas vozes se têm erguido para acusar o Executivo de estar a ‘beliscar’ a Lei de Bases da Saúde. Como reage a esta acusação?

Essa é uma matéria que não está neste gabinete, está com a senhora secretária de Estado Adjunta e da Saúde [Jamila Madeira]. De qualquer das formas, o compromisso que houve relativamente a esta matéria era de que não haveria novas parcerias. O senhor primeiro-ministro já referiu em diferentes debates quinzenais que isso está a ser cumprido e respeitado. Aliás, já se deu a reversão de Braga e de Vila Franca de Xira. Depois temos as outras duas, Cascais e Loures, que estão em avaliação. Não vou pronunciar-me sobre uma matéria que não é a minha delegação de competências. 

Está previsto, neste Orçamento do Estado, um reforço da dotação orçamental para a saúde. Com esta verba o Executivo pretende responder às críticas de desinvestimento no SNS? A saúde é, de facto, uma prioridade para esta legislatura?

A saúde é a prioridade do Governo para esta legislatura e os portugueses estão de parabéns pelo esforço que é feito. Também o senhor primeiro-ministro e este Governo estão [de parabéns] porque acompanharam esse esforço dos portugueses e perceberam a sua necessidade. 

Por conseguinte, esse é o maior reforço de sempre no Orçamento do Estado. É um reforço que tem uma despesa consolidada de 11.725 mil milhões de euros, mais 941 milhões de euros, o que significa qualquer coisa como 524 milhões em relação à despesa estimada de execução anterior. E por isso representa, em relação ao orçamento anterior, cerca de mais 10,4%.

Esses 941 milhões são utilizados também na capacitação do SNS e na resposta em termos de prestação de cuidados de saúde, sendo que temos 190 milhões para investimento plurianual e cerca de 550 milhões para pagamentos em atraso a fornecedores. 

É evidente que sabemos que não resolvemos todos os problemas; não basta atirar dinheiro para cima do sistema

Este reforço da dotação vai contrariar também a suborçamentação do SNS?

Acreditamos que sim, que seja um esforço que vai contrariar os níveis de suborçamentação que existam no passado. É evidente que sabemos que não resolvemos todos os problemas; não basta atirar dinheiro para cima do sistema. É necessário criarmos níveis de organização e de eficiência para poder gerir todo este dinheiro, quer ao nível das estruturas intermédias, quer dos conselhos de administração. É preciso gerir este dinheiro com eficiência e eficácia. Acreditamos que este é, de facto, um reforço muito importante. 

A FNAM acusa o Governo de ser pouco claro, neste Orçamento do Estado, quanto à valorização dos recursos humanos na saúde. Como responde à Federação? 

Respondo com a dimensão dos próprios recursos humanos e com o reforço de 8.400 recursos humanos. Há uma clara aposta também em incentivos ao nível das unidades de cuidados de saúde primários, hospitalares e da introdução e da valorização dos centros de responsabilidade integrada.

Temos novos projetos muito importantes na área da saúde, como é o caso da hospitalização domiciliária, por isso há um conjunto de medidas onde pensamos que poderíamos motivar os recursos humanos, que não se motivam só através do aspeto remuneratório. Claro que essa é uma valência muito importante, mas também se motivam através dos projetos de carreira e da sua valorização. Estamos a fazer um esforço também ao nível da organização para que, não só através dos incentivos, como através da valorização do trabalho, possamos reter esses recursos humanos no SNS

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