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"Ninguém tem um hospital ou profissionais à espera de uma pandemia"

Fernando de Almeida, presidente do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, é o entrevistado de hoje do 'Vozes ao Minuto'.

"Ninguém tem um hospital ou profissionais à espera de uma pandemia"
Notícias ao Minuto

09:20 - 27/02/20 por Filipa Matias Pereira

País Fernando de Almeida

O epicentro foi em Wuhan, na China, mas o novo coronavírus rapidamente se alastrou a outras coordenadas geográficas. O Covid-19 já chegou a todos os continentes e já fez quase 3 mil mortos, a grande maioria na China continental. Na Europa, os olhos estão postos sobretudo em Itália. E por cá? Estará Portugal preparado para um possível surto de coronavírus

Até ao momento ainda não há casos confirmados do vírus em Portugal. Todos os casos suspeitos que, ao longo das últimas semanas, foram fazendo soar o alarme não foram validados. Numa primeira fase, as análises laboratoriais às amostras biológicas destes pacientes eram realizadas apenas pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), em Lisboa. 

Fernando de Almeida, presidente do INSA, abriu 'as portas' do Instituto ao Notícias ao Minuto e, em entrevista, revelou que Portugal, à semelhança de outros países, está mais bem preparado agora para um eventual surto do que noutras epidemias. 

Pese embora não haja estruturas preparadas no imediato para uma pandemia, se acontecer, estas têm capacidade para se adaptarem e responderem às necessidades, quer de diagnóstico, quer de tratamento. Neste cenário, Fernando de Almeida destacou a necessidade imperiosa de coordenação da rede, sob as orientações da Direção-Geral da Saúde. 

A caracterização do vírus, a forma como poderá ter chegado aos humanos e as estratégias de tratamento foram igualmente alguns dos temas que não passaram à margem desta conversa. 

Ninguém tem um hospital, estruturas ou profissionais à espera de uma pandemia, não faz sentido nenhum. (...) Não interessa ter 20 hospitais com capacidade de fazer diagnóstico e 20 com capacidade de receber doentes. Se tivermos ruído de informação, instala-se a confusãoPortugal está preparado para um eventual surto de Covid-19?

O mundo, e não só Portugal, está mais bem preparado para um surto de Covid-19 do que estava na altura do MERS-CoV - Coronavírus da Síndrome Respiratória do Médio Oriente, detetado em 2012 -, da SARS Síndrome Respiratória Aguda Grave, detetada em 2003 -, ou da Gripe A. E esta evolução da preparação deve-se a três fatores, desde logo ao facto de o conhecimento ser incomparavelmente melhor do que antigamente. Depois, destaca-se a facilidade da informação científica, que é do ‘outro mundo’. Por fim, a comunicação social faz o papel de divulgação o mais rapidamente possível.

Este nível de informação acaba, por um lado, por ter um efeito perverso, porque a sociedade fica a achar que nunca houve tantos casos. Por outro lado, resulta a favor da capacidade de resposta e de organização. De vez em quando, temos suspeita do MERS-CoV e reagimos imediatamente de acordo com aquilo que fomos conhecendo. E o mesmo se passa com o Ébola que, embora não se fale, continua a existir em África e nós mantemos o seu seguimento. 

Se houver uma pandemia, o nível de preparação de Portugal é igual ao dos outros países. Para responder a este cenário, há estruturas que podem ser preparadas especificamente. Ninguém tem um hospital, estruturas ou profissionais à espera de uma pandemia, não faz sentido nenhum. O que essas estruturas têm é uma capacidade de reação e de resposta muito mais rápida com planos de contingência. 

O INSA está igualmente preparado para um cenário de pandemia?

Há outros hospitais que têm capacidade de fazer o diagnóstico e de receberem doentes infetados, se necessário. Neste momento, estamos fundamentalmente focados, e não me refiro apenas ao INSA, mas também à Direção-Geral da Saúde (DGS), à Saúde 24 e ao INEM, na capacidade de dirigir os fluxos de doentes e nisso somos muito bons. Não interessa ter 20 hospitais com capacidade de fazer diagnóstico e 20 com capacidade de receber doentes. Se tivermos ruído de informação, instala-se a confusão. 

A DGS tem outros hospitais preparados para o internamento, para além do Curry Cabral, do Dona Estefânia e do São João. E este cenário só avança se for necessário, considerando que tem de haver comunicação entre a rede.

Se houver uma pandemia, a maior parte das vezes nem é preciso fazer o diagnóstico. Se chegarmos a esta fase, que esperemos que não, estaremos preparados e tudo funcionará com regra

E nas fases seguintes?

Se houver uma pandemia, a maior parte das vezes nem é preciso fazer o diagnóstico. Na China, do dia 11 para o dia 12 de fevereiro, houve um aumento abrupto de casos diagnosticados, que é explicado pela alteração da definição de caso. Quando chegamos a determinado nível, não é necessário fazer o diagnóstico a todos os pacientes e as ações são iguais. Se chegarmos a esta fase, que esperemos que não, estaremos preparados e tudo funcionará com regra. São fundamentais as orientações da DGS

O INSA teve um papel fundamental nesta primeira fase de contenção. Como é dada resposta a um possível caso de infeção?

O INSA consegue dar a resposta quanto à possível infeção num prazo de cerca de 4 horas e, assim que a amostra chega às instalações, para todos os efeitos tem de ser tratada como contendo o vírus. E isto aplica-se ao Covid-19 ou a outro qualquer vírus. 

Nesta primeira fase, num ambiente de biossegurança de nível 3, a amostra começa por ser inativada. Ou seja, mata-se o vírus. A partir do momento em que a amostra está inativada, já a podemos trabalhar com segurança porque já não corremos risco de sermos infetados. A partir daí, com algumas operações de adição de reagentes, fazemos a extração do DNA e dos ácidos nucleicos, que é o bilhete de identidade do vírus.

Depois, a amostra passa por um outro processo, o PCR (Polymerase Chain Reaction). De forma simplista, isto quer dizer que amplificamos o DNA e os ácidos nucleicos para serem vistos mais facilmente. No final, a amostra entra num equipamento que nos irá permitir concluir se o vírus está, ou não, presente. 

O organismo humano está preparado para vírus como os da gripe - do tipo Influenza -, mas não está preparado para vírus novos

Como é que este novo coronavírus chegou aos humanos? 

Há vários vírus que circulam em todo o mundo, alguns apenas entre espécies animais muito específicas e que, de vez em quando, conseguem ultrapassar a barreira de espécie. No MERS-CoV, foi um camelo, na SARS foi um texugo. Falamos de vírus que vivem em perfeito equilíbrio e que não são perigosos para os homens. 

Se esses vírus adquirem essa capacidade de ultrapassar a barreira de espécie, seja através das aves, seja através muitas vezes do porco, que tem um equipamento genético mais parecido com humano, transmitem-se ao homem. Essa é a primeira fase. Depois o vírus começa a trabalhar uma outra área: a adaptação ao novo hospedeiro. E adquire a capacidade de se transmitir aos outros homens, com cada vez mais facilidade.

O organismo humano está preparado para vírus como os da gripe - do tipo Influenza -, mas não está preparado para vírus novos. A capacidade de reação e de resposta a esses vírus é mais dificultada e, por isso, são normalmente mais graves. Neste caso do novo coronavírus, assim se chama porque o vírus parece uma coroa, provoca habitualmente pneumonias atípicas e que muitas vezes são graves. 

O ‘R0’ é a capacidade de uma pessoa poder transmitir o vírus a outras, um ‘R0’ de dois significa que uma pessoa normalmente tem a possibilidade, em média, de infetar outras duas. Se falarmos do Influenza - o vírus da gripe -, o ‘R0’ varia entre 1,4 e 1,6, ou seja, a capacidade de transmissão é outra porque é um vírus do trato respiratório superior. Neste caso do coronavírus, admite-se que a capacidade de transmissão seja menor porque se trata de um vírus do trato respiratório inferior (pulmões). 

Importa referir que ainda não está totalmente determinada a sua letalidade, a capacidade que este vírus tem de provocar morte depois da doença. [À data da realização da entrevista] a taxa de mortalidade é de 1,7%, não chega a 2%.

Como em todas as patologias, há grupos que são mais vulneráveis, nomeadamente o dos imunodeprimidos

Há grupos da população com maior predisposição para contrair o vírus?

O que sabemos deste vírus é que poupa as idades mais jovens. Como em todas as patologias, há grupos que são mais vulneráveis, nomeadamente o dos imunodeprimidos, seja por doença autoimune, seja porque são doentes transplantados, seja porque têm outro tipo de patologia, como diabetes, ou porque são idosos. Estamos a falar de um terreno muito mais favorável a que o vírus se instale e que a patologia que desenvolve - a pneumonia - seja tendencialmente mais grave. 

Uma gripe também é tendencialmente mais grave neste tipo de pessoas, não por causa da virulência ou da agressividade do vírus, mas sobretudo porque este encontra um terreno favorável. 

Foi relatado, na China, o caso de uma mulher grávida que terá passado o vírus ao feto. Está provada esta via de transmissão?

Não está confirmado aquilo a que chamamos a transmissão vertical. Admite-se que, sendo o mesmo sangue, possam existir vírus. O que não está provado é que esses vírus tenham desenvolvido a doença na criança. Está em estudo.

A melhor forma de fazer o tratamento é a prevençãoNão havendo ainda vacina para o Covid-19, como se tratam os pacientes infetados?

A melhor forma de fazer o tratamento é a prevenção. Não havendo vacinas, parte-se para o outro princípio que é impedir a transmissão através do método barreira. No entanto, quando acontece a transmissão, não se trata diretamente o vírus. Em alguns casos pode recorrer-se aos antirretroviriais, para além dos antibióticos, que nada têm que ver com os vírus porque estão direcionados para as bactérias. Se estamos com uma virose, estamos com a imunidade em baixo e temos muito mais facilidade de apanhar outras infeções bacterianas. Por isso é que uma das complicações da gripe é a pneumonia provocada por outros micro-organismos. 

Para quebrar a cadeia de transmissão, a melhor forma é o recurso ao método barreira, isto é, evitar que o vírus seja transmitido para outras pessoas

Os portugueses que foram repatriados da China foram mantidos em quarentena, mas porque se voluntariaram para tal. A legislação portuguesa proíbe a quarentena obrigatória, salvo em casos específicos. Na sua opinião, faz sentido alterar este enquadramento legal?

Enquanto médico, acho que devemos fazer um processo de reflexão não precipitado sobre essa matéria. Há vantagens e desvantagens. Para quebrar a cadeia de transmissão, a melhor forma é o recurso ao método barreira, isto é, evitar que o vírus seja transmitido para outras pessoas. 

Neste caso falamos de direitos de personalidade e mais especificamente no direito da liberdade individual, que colide com o direito de liberdade coletiva. Embora tecnicamente o isolamento profilático seja um bom mecanismo, temos de perceber que estamos a colidir com a legislação. 

Não é, parece-me, esta a melhor altura para estarmos a fazer este debate. Estamos focados é no coronavírus. Acho, no entanto, que é um debate que tem de ser iniciado. Há na legislação uma figura jurídica que abre portas ao internamento compulsivo, nalguns casos ligados à área da saúde mental. Mas é preciso ter muito cuidado na forma como se utiliza este poder para evitar abusos. Como no caso da eutanásia, quando for para ser, tem de ser uma lei muito bem determinada e regulamentada. 

O INSA tem-se mostrado disponível para ajudar países da CPLP no diagnóstico. Em que domínios?

O Instituto já recebeu pedidos de apoio de colaboração de Moçambique, Guiné-Bissau e Cabo Verde e, como noutros casos, mostrou disponibilidade na formação, no diagnóstico, em outras áreas de aprovisionamento ou de indicação de reagentes, por exemplo. Temos uma ligação cada vez mais forte com esses países e, portanto, esta é só a continuação. E quando nos pedem, estamos prontos para responder, seja em que área for.

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