"O que contou nesta surpresa da passagem do Aécio Neves (Partido da Social Democracia Brasileira/PSDB) à segunda volta das presidenciais foi a questão da máquina partidária", disse Filipe Vasconcelos Romão, professor na Universidade Autónoma de Lisboa (AUL).
Dilma Rousseff (Partido dos Trabalhadores/PT) foi a candidata mais votada na primeira volta das eleições presidenciais, a 05 de outubro, com 41,59% dos votos, seguida de Aécio Neves (33,55%), com quem disputará a segunda volta.
Marina Silva (Partido Socialista Brasileiro/PSB) - que chegou a estar em segundo lugar, ultrapassando Aécio Neves nas sondagens e ameaçando o primeiro lugar de Dilma Rousseff - foi afastada da corrida presidencial ao ficar em terceiro lugar (21,32%).
"A máquina do PSDB tem uma estrutura muito mais sólida do que o Partido Socialista Brasileiro, de Marina Silva", disse Romão, especialista em Relações Internacionais.
O investigador referiu que três "máquinas partidárias" são muito fortes no Brasil, a do PSDB, do PT e do Trabalhadores e o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), que está em coligação com o PT nas presidenciais.
"Creio que no Brasil a dimensão dos aparelhos partidários ainda conta muito, ao contrário de outras democracias que já estarão a comunicar através de meios mais avançados, democracias do norte da Europa ou de algumas regiões dos Estados Unidos em que as redes sociais contam muito", indicou.
"Esta campanha, na hora de atuar, fez valer os meios tradicionais, fez valer o PSDB e conseguiu que o seu candidato passar para a segunda volta", avaliou.
Para o investigador Andrés Malamud, "os brasileiros, entre as eleições, pensam várias coisas e mudam muitas vezes de pensamento, mas na hora de votar, votam sempre mais ou menos igual, sem grandes mudanças. Há uma continuidade de partidos e no voto dos eleitores".
"Isto tem a ver com a grande organização partidária, há apenas três grandes partidos nacionais neste momento no Brasil, o PT e o PMDB, que estão coligados, e o PSDB. São sempre estes que ficam em primeiro lugar nas eleições presidenciais", referiu Malamud, investigador do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa.
"Não devemos pensar que é uma `máquina partidária´ que arrasa com a vontade dos cidadãos. A máquina trabalha em contacto com os cidadãos, a máquina são as pessoas também, a máquina do partido tem militantes funcionários, dirigentes em todo o território, enquanto os novos partidos não tem", referiu Malamud.
Os dois académicos sublinharam também a enorme importância do horário eleitoral televisivo no Brasil, como os grandes partidos tem o domínio deste meio de divulgação e como pode influenciar o voto dos eleitores.
O professor da UAL sublinhou ainda o apoio que o PSDB teve da Rede Globo, o canal de televisão mais visto no Brasil, e de jornais de São Paulo e Rio de Janeiro.
Malamud e Romão também concordam que a campanha para a segunda volta o PT vai utilizar o recurso de comparar os seus 12 anos de governo com os do PSDB (do Presidente Fernando Henrique Cardoso), num discurso de medo, de volta ao passado, da pobreza e desemprego.
Já em relação ao PSDB, Aécio Neves vai continuar com o discurso da mudança, da esperança, ironicamente utilizado pelo PT, sobretudo na campanha de eleição de Lula da Silva.
Romão acredita que a disputa será renhida, mas "há grandes hipóteses de Dilma Rousseff revalidar o seu mandato".
"Penso que não é uma declaração de voto de Marina Silva a Aécio Neves que levará, automaticamente, o eleitorado a votar no PSDB. Muitos destes eleitores de Marina Silva vão votar em Dilma Rousseff", afirmou Romão.
O investigador do ICS acredita que, na segunda volta das presidenciais brasileiras, "qualquer resultado é possível".
Os académicos pensam que a diferença de votos entre os dois candidatos vai ser muito pequena na segunda volta de 26 de outubro.
André Malamud referiu que se houver uma alternância na Presidência, acontecerá, provavelmente, devido aos resultados muito abaixo do esperado da economia brasileira, que este ano tem previsto crescer menos de um por cento.