"É uma pena que Europa e os Estados Unidos tivessem perdido tanto tempo, no início, e não tivessem dado à Ucrânia tanques e armamento para uma reposta mais adequada e para que [Presidente russo, Vladimir] Putin não tivesse chegado tão longe", afirmou hoje no Folio - Festival Literário Internacional de Óbidos, a escritora Svetlana Aleksiévitch.
A bielorrussa, que recebeu o Prémio Nobel da Literatura em 2015, falou hoje sobre a realidade do seu país, admitindo "vergonha" perante o facto de Minsk fazer "tão pouco para ajudar a Ucrânia", mas justificando essa impotência porque "no fundo, a Bielorrússia acaba por ser também um país ocupado pela Rússia".
Para Svetlana Aleksiévitch, o seu país "perdeu a batalha com o passado", porque não estava preparado para avançar com uma reforma após a queda da União Soviética.
"Sabíamos que era necessária uma mudança, mas não sabíamos como a fazer" disse, lembrando que o povo bielorrusso "pensava que a liberdade era uma espécie de festa" e que "quando se livrasse do comunismo começava essa festa".
"Só agora é que percebemos que a liberdade é um caminho longo", frisou a escritora, lembrando que em 2020 a população bielorrussa "tentou livrar-se do ditador [Alexander Lukashenko]", mas "este foi apoiado por Putin, que não podia aceitar que a Ucrânia e a Bielorrússia possam ser livres".
Lamentando que "mais de cinco milhões de pessoas tivessem que sair do país", nestes últimos cinco anos, perseguidos pelo regime, a escritora alertou: "Estamos todos em guerra, a Ucrânia está a lutar por todos nós".
A ofensiva militar russa no território ucraniano, lançada a 24 de fevereiro de 2022, mergulhou a Europa naquela que é considerada a crise de segurança mais grave desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Mas numa altura em que "as democracias estão a perder para os populismos", a prémio Nobel da Literatura alertou para a necessidade de os povos não se deixarem levar por romantismos e lutarem para não serem submetidos a regimes totalitários.
Aos portugueses deixou o apelo: "Vocês que vão ter eleições em breve, não deixem ganhar os populistas, não deixem que vos roubem o vosso país".
Svetlana Aleksiévitch falava na quinta mesa do Fólio Autores, no âmbito do Festival Literário Internacional, onde protagonizou uma das sessões mais participadas, com a lotação da sala (180 lugares) a ter praticamente duplicado, com o público sentado no chão a ouvir a escritora.
O Fólio, que decorre em Óbidos até ao dia 19 de outubro, sob o tema Fronteiras, conta nesta edição com mais dois laureados com o prémio Nobel da Literatura: o sul-africano J. M. Coetzee e o húngaro László Krasznahorkai.
Com cerca de 800 autores e artistas a participar em mais de 460 iniciativas em torno da literatura, o Fólio é organizado pelo município de Óbidos, em parceria com a empresa municipal Óbidos Criativa, a Ler Devagar e a Fundação Inatel, o Fólio realiza-se desde 2015 na vila classificada como Cidade Criativa da Literatura pela UNESCO.
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