No início de agosto, aproximadamente 16% das crianças entre os 6 meses e quase 5 anos em Gaza sofriam de um tipo de desnutrição potencialmente mortal, conhecido como emagrecimento agudo, incluindo quase 4% com emagrecimento grave, segundo a análise da Agência das Nações Unidas de Socorro e Trabalho para os Refugiados da Palestina no Próximo Oriente, principal fornecedora de cuidados de saúde aos refugiados palestinianos na região.
O emagrecimento requer tratamento com alimentos terapêuticos durante várias semanas e, por vezes, internamento hospitalar.
O estudo, publicado na quarta-feira no jornal médico The Lancet, é o mais abrangente sobre fome infantil na região até à data, afirmaram os autores. Baseou-se em rastreios a quase 220.000 crianças em dezenas de centros de saúde e locais médicos naquele território, entre janeiro de 2024 e meados de agosto.
"Dezenas de milhares de crianças em idade pré-escolar na Faixa de Gaza estão agora a sofrer de desnutrição aguda prevenível e enfrentam um aumento do risco de mortalidade", afirma Masako Horino, cientista principal do estudo, em comunicado.
Numa nota crítica que acompanha este último estudo, três especialistas em saúde infantil, nutrição e políticas públicas, que não estiveram envolvidos na investigação, consideraram-no como uma das "provas mais definitivas" da extensão da desnutrição.
"Está agora bem estabelecido que as crianças de Gaza estão a morrer de fome e necessitam de assistência humanitária imediata e sustentada", escreveram Jessica Fanzo da Universidade de Columbia, Paul Wise da Universidade de Stanford e Zulfiqar Bhutta da Universidade Aga Khan, no Paquistão, e do Hospital for Sick Children, no Canadá.
O Primeiro-Ministro israelita, Benjamin Netanyahu, negou relatos de fome durante a guerra desencadeada por um ataque mortal do Hamas a 07 de outubro de 2023, fez terça-feira dois anos, afirmando que eram "mentiras" promovidas pelo Hamas.
Mas especialistas e grupos de ajuda têm alertado há meses que as restrições de Israel à entrada de alimentos e ajuda em Gaza, juntamente com uma ofensiva militar incessante, estavam a causar fome, particularmente em crianças e mulheres grávidas. O Ministério da Saúde de Gaza informou que 461 pessoas, incluindo 157 crianças, morreram devido a complicações de desnutrição desde o início da guerra, a maioria delas em 2025.
Os hospitais têm estado sobrecarregados com crianças desnutridas, face a uma grave escassez de alimentos terapêuticos, de acordo com o ministério.
A ONU e muitos especialistas independentes consideram que os números do Ministério da Saúde, que faz parte do governo administrado pelo Hamas, são os mais fiáveis.
Para este novo estudo, enfermeiros treinados usaram fitas calibradas para medir a circunferência do braço médio superior das crianças, uma ferramenta padrão para avaliar o stress nutricional. Braços muito finos, com menos de 125 milímetros, ou 4,9 polegadas, correlacionam-se com corpos muito magros, disseram os cientistas.
As taxas de desnutrição diminuíram durante os períodos em que a ajuda foi autorizada para Gaza, com uma trégua de seis semanas, no início de 2025. Mas as condições das crianças pioraram quando os abastecimentos foram bloqueados durante semanas ou meses, concluiu o estudo.
Israel restringiu a ajuda em vários níveis ao longo da guerra, impondo um cerco total durante semanas a partir de março, por mais de dois meses.
Em maio, Israel começou a permitir um fluxo limitado de ajuda. Um controvertido sistema de distribuição de abastecimentos apoiado pelos EUA e Israel começou em maio, limitando a distribuição de ajuda a quatro locais em Gaza e exigindo que os palestinianos passassem por linhas militares israelitas para receber ajuda.
Mais de 1.000 palestinianos foram mortos pelas forças israelitas dentro e ao redor desses locais, segundo a ONU.
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