Numa conferência de alto nível sobre a situação dos muçulmanos rohingya e outras minorias em Myanmar (antiga Birmânia), Guterres fez-se representar pelo seu chefe de gabinete, Courtenay Rattray, que chamou a atenção da comunidade internacional para a perseguição e deslocação deste grupo étnico e exigiu solidariedade e soluções.
De acordo com Guterres, essa crise, que se agravou desde o golpe militar de 2021, atropela os direitos humanos, a dignidade e a segurança de milhões de pessoas e ameaça ainda a estabilidade regional.
"As minorias em Myanmar têm sofrido décadas de exclusão, abuso e violência. Os rohingya foram privados do seu direito à cidadania. Alvo de discursos de ódio. Aterrorizados com força letal e destruição. Confinados em campos de deslocados internos em Myanmar, com liberdade de circulação severamente limitada e pouco acesso à educação e aos serviços de saúde", descreveu.
Mais de um milhão de pessoas procuraram refúgio no Bangladesh, país que demonstrou uma notável hospitalidade e generosidade, saudou o chefe das Nações Unidas.
Em março deste ano, Guterres viajou até ao Bangladesh numa visita solidária durante o mês sagrado do Ramadão.
Na ocasião, encontrou-se com refugiados rohingya em Cox's Bazar e admitiu ter ficado comovido pela determinação deste povo, que partilhou "relatos arrepiantes" das suas provações em Myanmar.
"Querem voltar para casa. Myanmar é a terra natal deles", frisou hoje Guterres.
Só nos últimos 18 meses, 150.000 rohingya fugiram para o Bangladesh, que manteve as suas fronteiras abertas e lhes ofereceu refúgio. Outros arriscam a vida em perigosas viagens marítimas que, muitas vezes, terminam em tragédia.
Nesse sentido, o secretário-geral da ONU exigiu uma ação imediata em três áreas cruciais.
Em primeiro lugar, todas as partes devem respeitar o direito internacional humanitário e os direitos humanos, exortou António Guterres, apelando à proteção dos civis como uma prioridade imediata.
Em segundo lugar, o ex-primeiro-ministro português pediu que o acesso humanitário irrestrito dentro de Myanmar seja garantido, sendo que nenhuma comunidade deve ser privada de alimentos, medicamentos e assistência vital.
Por último, defendeu investimentos humanitários e de desenvolvimento revigorados, para não só satisfazer as necessidades básicas, mas também para ajudar os refugiados a transitarem da dependência para a autossuficiência, além de aliviar a pressão sobre as comunidades de acolhimento.
"A solução para esta crise reside, em última análise, em Myanmar. Reside no fim da perseguição e da discriminação, na garantia da responsabilização e na restauração e defesa dos direitos. Reside no regresso à democracia e no reconhecimento de que os rohingya lá pertencem --- como cidadãos de pleno direito", sublinhou o secretário-geral.
"Consiste na construção de uma sociedade inclusiva, onde todas as pessoas -- independentemente da etnia ou religião -- possam viver em paz e participar de forma plena e significativa na construção do seu futuro. (...) Os rohingya, e todo o povo de Myanmar, devem poder desempenhar um papel significativo neste processo. Merecem justiça, dignidade e um regresso seguro a casa", acrescentou.
Os objetivos da conferência de alto nível de hoje, realizada na Assembleia-Geral da ONU, são mobilizar apoio político e manter a atenção internacional sobre a situação dos rohingya, a fim de propor um plano abrangente, inovador e concreto para uma resolução sustentável da crise.
No evento participaram ainda a enviada especial do secretário-geral para Myanmar, Julie Bishop, o alto-comissário da ONU para os Refugiados, Filippo Grandi, entre outros, que se focaram na situação enfrentada pelos rohingya no terreno, como os desafios políticos e humanitários.
Milhares de rohingyas procuraram refúgio no Bangladesh, em particular na zona de Cox's Bazar, desde meados de agosto de 2017, quando foi lançada, no estado de Rakhine (em Myanmar), uma operação militar do exército birmanês contra o movimento rebelde Exército de Salvação do Estado Rohingya devido a ataques da rebelião a postos militares e policiais.
A campanha de repressão do exército de Myanmar contra esta minoria foi descrita pela ONU como uma limpeza étnica.
Myanmar, de maioria budista, não reconhece esta minoria e impõe múltiplas restrições aos rohingyas, nomeadamente a liberdade de movimentos.
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