A praça al-Manara, no coração da capital administrativa do território palestiniano, foi tomada por uma pequena multidão, convocada pelas organizações de defesa dos prisioneiros da Palestina, através de um cartaz que saudava os reconhecimentos diplomáticos e no qual figuravam os símbolos nacionais do conjunto de uma dezena países ocidentais que anunciaram o reconhecimento do Estado Palestiniano nos últimos dois dias.
Vários dos manifestantes perfilaram-se em torno do monumento central de al-Manara, formado por uma fonte e quatro leões simbolizando as quatro famílias originais de Ramallah, com bandeiras palestinianas mas também de França, Reino Unido, Canadá ou Austrália, que estiveram na linha da frente dos reconhecimentos prévios à sessão de alto nível da Assembleia-geral da ONU. A de Naim Morar era de Portugal.
"Estou aqui para agradecer a todos os outros países e especialmente aos portugueses, que há muito tempo apoiam a causa palestiniana e respeito-os e admiro-os muito por isso", afirmou o funcionário de 55 anos da administração de Ramallah.
Nos quarteirões adjacentes, muitos habitantes dedicam-se à sua rotina, entre um comércio vibrante que resiste ao estrangulamento económico do território, e indiferentes à manifestação política, enquanto um camião liderava uma marcha de dezenas de pessoas repetindo palavras de ordem nacionalistas: "Ninguém nos pode pisar".
A manifestação de Ramallah, replicada noutras cidades da Cisjordânia ocupada, manteve o tom festivo de quem acabou de receber uma boa notícia, mas também a consciência de que a sua luta está longe do fim.
"Oxalá que mais países possam aparecer e é muito importante que os portugueses e todos os outros continuem a exercer pressão sobre Israel e Estados Unidos para podermos um dia ter uma solução de dois Estados e a nossa capital em Jerusalém", expressou Naim Morar.
A vaga de reconhecimentos do Estado Palestiniano começou com Portugal, Reino Unido, Austrália e Canadá no domingo, a que se seguiram França, Bélgica, Malta, Luxemburgo, Andorra e São Marino na segunda-feira, após uma conferência internacional sobre a solução dos Estados, promovida por Paris e Riade em Nova Iorque, antes da sessão de alto nível da ONU.
Na véspera, o presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmud Abbas, impedido pelos Estados Unidos de participar presencialmente na sessão de alto nível, dirigiu-se por videoconferência à Assembleia-Geral, e prometeu reformas exigidas pela comunidade internacional na sua administração, de forma a criar um Estado "moderno e democrático" e baseado na partilha do poder.
Ao mesmo tempo, apelou para o desarmamento do grupo rival Hamas, que controla a Faixa de Gaza e enfrenta há quase dois anos uma devastadora ofensiva israelita, em retaliação aos seus ataques no sul de Israel em 07 de outubro de 2023, que mereceram a condenação de Abbas, numa intervenção acompanhada com relativa indiferença em Ramallah.
Hoje, vários políticos da Fatah, o movimento dominante da Autoridade Palestiniana, compareceram em força na praça al-Manara, em formatura para entrevistas à imprensa internacional, sob o cartaz dos prisioneiros que convocava a concentração, mas sem demonstrar a capacidade de mobilização de outros eventos.
"Gostaria de dizer às pessoas em Portugal que gostamos muito de vocês. Vocês conseguiram quebrar o mundo do silêncio. Abriram a porta para que os palestinianos vissem a liberdade e incentivaram a comunidade internacional a dar o seu contributo. Foi muito corajoso e é por isso que nos curvamos respeitosamente", declarou à Lusa Sabri Saidam, membro do comité central da Fatah.
Para o antigo ministro palestiniano e ex-conselheiro de Abbas, o mundo está a demonstrar que "já não se deixa conduzir pelo medo dos sionistas" nem pela "força de ocupação" exercida por Israel.
"Hoje, estes reconhecimentos estão a abrir a porta para que os palestinianos prevaleçam numa realidade diferente e certamente para a criação de um Estado palestiniano", manifestou, ao pedir ainda o "passo seguinte, que é parar a loucura em Gaza".
No mesmo sentido, Jibril Rajou, um destacado político da Fatah e antigo combatente palestiniano com um longo histórico de ativismo e várias temporadas nas prisões israelitas, elogiou "a mensagem dirigida a Israel contra o ódio e violência" e também "um passo rumo à independência".
Mas antes disso, Wasel Abu Yusef, antigo líder da Frente de Libertação da Palestina, alertou que "é preciso parar a guerra, a fome e os massacres de inocentes em Gaza", pedindo que "os milhões que se manifestam na Europa pela Palestina continuem" os seus protestos, que considera terem exercido um papel essencial nos reconhecimentos históricos dos países ocidentais.
"O mundo está a mudar e mais importante agora é não parar, pressionar os governos internacionais e libertar a Palestina da guerra e da humilhação", sublinhou, enquanto seguia a marcha pelas ruas do centro histórico de Ramallah a exigir "o fim do genocídio".
A manifestação de hoje exibia também símbolos de outros países europeus que se anteciparam a esta vaga de reconhecimentos do Estado Palestiniano e tomaram a iniciativa -- Espanha, Eslovénia e Noruega --, mas que ainda não integra nem Alemanha nem Itália.
Os dois países participaram na segunda-feira na conferência sobre dois Estados como solução para o conflito israelo-palestiniano, para o qual França e Arábia Saudita apresentaram um plano por fases, que prevê uma Autoridade Palestiniana reformada na gestão da Cisjordânia e da Faixa de Gaza.
Este plano já tinha recebido um amplo apoio em 12 de setembro na Assembleia-Geral da ONU, com 142 votos a favor e dez contra 10, e afasta os islamitas do Hamas da Faixa de Gaza, que governa desde 2007, apesar da campanha militar israelita nos últimos dois anos no enclave palestiniano.
No dia em que a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, indicou que também poderá reconhecer o Estado Palestiniano, embora condicionado à libertação dos reféns detidos pelo Hamas desde os seus ataques em Israel, a antiga vice-presidente do Parlamento Europeu Luisa Morgantini e uma veterana ativista da Palestina também marcou presença em Ramallah.
"Nada começou no dia 07 de outubro, tudo começou muito, muito antes, no plano dos sionistas para conquistarem esta terra e ficarem com ela só para eles", declarou a antiga eurodeputada de 85 anos, aludindo não só à guerra na Faixa de Gaza como aos planos israelitas de expansão da sua ocupação na Cisjordânia e que as autoridades de Telavive se preparam para aumentar.
Luisa Morgantini justificou igualmente a sua participação na concentração com a denúncia do Governo do seu país, da União Europeia e ainda de países árabes, que são "cúmplices do genocídio" atribuído no enclave palestiniano a Israel, que tem vindo a desvalorizar as recentes iniciativas diplomáticas sobre a Palestina, argumentando que não vão mudar nada.
"É muito bom reconhecer o Estado Palestiniano, mas é preciso sancionar Israel", observou Morgantini, num apelo que tem sido replicado por muitas vozes na Cisjordânia ocupada e fora dela, no sentido do isolamento de Telavive, que a antiga eurodeputada não está certa de que tenha sucesso.
Mas "vale a pena tentar", insistiu, tal como na segunda-feira aconteceu nos protestos em várias cidades italianas, com registo de confrontos com a polícia e numerosas detenções.
É por todo o apoio internacional que Alham Shmasna, conselheira na Autoridade Palestiniana e voluntária em várias organizações da sociedade civil, agradece emocionada, entre a parada de políticos nesta manifestação de agradecimento aos países ocidentais.
"Esperamos que continue, porque precisamos de toda a gente para que acabe a guerra em Gaza e o sofrimento de tantas mulheres e crianças e possamos ter a nossa independência", observou, antes de deixar um convite: "São todos bem-vindos ao Estado da Palestina".
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