Num debate aberto do Conselho de Segurança da ONU sobre o futuro das missões de paz, o subsecretário-geral para Operações de Paz, Jean-Pierre Lacroix, frisou que tais missões "não são um luxo, mas sim uma tábua de salvação para milhões de pessoas que contam com elas para um futuro sem medo".
O debate acontece num momento em que as Nações Unidas têm em marcha a "Iniciativa ONU80" - um projeto que visa mudanças estruturais na própria organização multilateral devido à grave crise de financiamento que atravessa e que foi potenciada por cortes de países como os Estados Unidos.
A "Iniciativa ONU80" defende a urgência de fundir unidades, eliminar duplicações funcionais e estruturais, e cortar nas funções que são desempenhadas noutras partes do sistema, incluindo nas Operações de Manutenção da Paz.
De acordo com Jean-Pierre Lacroix, mais de 60.000 soldados da paz, representando 115 Estados-membros, estão atualmente ao serviço em 11 missões da ONU, "fazendo da manutenção da paz a maior e mais visível atividade das Nações Unidas no terreno".
Num momento em que a ONU está já a fazer cortes significativos em postos de trabalho, Lacroix observou que, paralelamente, o nível de conflitos ativos atingiu números alarmantes - 61 em 2024 -, o mais elevado desde 1946.
"Num futuro tão incerto, é provável que vejamos mais civis em risco e a necessitar de proteção. Isto significa que a necessidade de operações de paz aumenta (...). Isto significa também que os contextos para o destacamento podem ser mais incertos, e o sucesso total mais difícil de alcançar", avaliou.
O subsecretário-geral salientou que a capacidade da ONU de proteger as pessoas é, muitas vezes, o parâmetro pelo qual a organização é julgada.
"Mas não devemos ser indefinidamente responsáveis pela proteção das populações. É por isso que a procura de soluções políticas deve permanecer no cerne do que fazemos e de como podemos salvar as gerações futuras da guerra de forma mais sustentável e económica", disse.
Nesse sentido, Lacroix dirigiu-se diretamente ao Conselho de Segurança, frisando que cabe a este órgão apoiar solidamente a promoção de soluções políticas duradouras em regiões em conflito.
Esse apoio "deve ser acompanhado pelo pagamento integral e pontual das contribuições estatutárias", instou.
No debate esteve também presente a subsecretária-geral da ONU para Assuntos Políticos, Rosemary DiCarlo, que destacou que o fracasso das missões de paz está frequentemente relacionado com a falta de apoio político a tais operações -- "nos países onde são implantadas, entre os países da região e no próprio Conselho [de Segurança]".
Sugerindo possíveis mudanças, DiCarlo indicou que as missões da ONU são frequentemente destacadas para situações politicamente voláteis, com guerras civis já em curso, defendendo, por exemplo, que os objetivos iniciais dessas missões sejam mais limitados.
A subsecretária-geral disse ainda que, para tirar lições para o futuro, os Estados-membros precisam de "aprender com o passado", observando que as primeiras missões da ONU a serem destacadas tinham prazos e eram direcionadas, além de que eram de fácil implementação e de manutenção económica, "sem grandes despesas gerais e custos".
E acrescentou: os mandatos eram frequentemente escritos de forma concisa e direta, por vezes com "uma ou duas frases numa resolução do Conselho de Segurança".
"Isto proporcionou às missões orientações claras, mas também um certo grau de flexibilidade na sua implementação", lembrou.
Os EUA - o maior financiador da ONU, mas também o país que mais cortes decretou - voltaram hoje a defender a necessidade de reforma do sistema das Nações Unidas.
"Os EUA continuam a defender o retorno da ONU ao seu propósito fundamental de manter a paz e a segurança internacionais. Em outras palavras, precisamos de 'voltar ao básico'. Como parte desses esforços maiores de reforma da ONU, a manutenção da paz da ONU, em particular, deve ser mais responsável, adaptável e transparente", insistiu o diplomata norte-americano John Kelley.
Apesar de os EUA serem o país que acolhe a sede da ONU, em Nova Iorque, o Presidente, Donald Trump, anunciou a retirada do país de agências como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), da Organização Mundial da Saúde (OMS) ou do Conselho de Direitos Humanos, assim como decretou profundos cortes de financiamento.
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