Em entrevista à agência Lusa em vésperas da votação decisiva no próximo domingo, o académico polaco antecipa uma "corrida extremamente disputada" e não ficaria surpreendido se a diferença dos resultados ficar abaixo de um ponto percentual, o que torna esta eleição "muito emocional" e imprevisível.
Estão em confronto Karol Nawrocki, um historiador independente apoiado pelos conservadores nacionalistas da Lei e Justiça (PiS) e o presidente da Câmara de Varsóvia, o liberal e europeísta Rafal Trzaskowski, que por sua vez tem o apoio da Plataforma Cívica (PO), do primeiro-ministro, Donald Tusk.
Na primeira volta, em 18 de maio, o autarca, que partia em vantagem nas sondagens, ficou separado de Nawrocki por uma margem mais curta do que esperado, com 31,36% e 29,54%, respetivamente.
A diferença vai ser novamente "muito, muito pequena" no domingo, prevê Adam Balcer, diretor no Colégio da Europa de Leste e investigador do Conselho Europeu de Relações Externas (ECFR), com a possibilidade de "prolongamento" se um candidato encontrar margem para contestar os resultados.
Nesse sentido, o politólogo tem dificuldade em sinalizar os fatores que podem pender a vitória para um lado ou para o outro, no final de uma campanha "tensa e agressiva", que refletiu a divisão da sociedade como "uma espécie de guerra por procuração".
Nestas eleições, o PiS, de base centro-direita, confirmou a sua radicalização que vinha do exercício de oito anos no poder, até ser afastado em outubro de 2023, sob acusação de deriva autoritária, em confrontação com a União Europeia e usando um discurso abertamente populista, ultraconservador e nacionalista.
A sua aposta presidencial encaixa neste perfil e, embora "o mundo não seja tão a preto e branco", Adam Balcer descreve Nawrocki "como um candidato de extrema-direita, sem dúvida", ainda que mais 'soft' do que outros no boletim de voto.
É nesta parte que entra Slawomir Mentzen, um libertário apreciador do movimento norte-americano MAGA (do Presidente Donald Trump) e colíder da Confederação, cujos 14,8% e terceiro colocado na primeira volta revelam a ascensão da extrema-direita, reforçada pelos 6,3% de Grzegorz Braun, um ultrarradical conhecido pelas suas posições antissemitas e que ficou em quarto.
Esta deslocação do eixo político "é realmente preocupante", segundo o politólogo, atendendo a que a "extrema-direita suave do PiS" e a "extrema-direita mais radical" somaram mais de 50% dos votos.
Após o escrutínio, Mentzen desafiou os finalistas para um debate na plataforma YouTube e, como resultado, Nawrocki assinou um compromisso que o vincula a parte da agenda dos extremistas da Confederação se for eleito.
A lista de oito pontos inclui a recusa da subida de impostos, a defesa da moeda nacional (zloty) contra o euro, o fim de restrições no acesso dos polacos às armas, bem como a rejeição da adesão da vizinha Ucrânia à NATO.
Rafal Trzaskowski não subscreveu o documento, mas disse que concordava com metade dos pontos, o que sugere "uma certa acomodação da extrema-direita pelo 'mainstream' político" nos últimos dois anos, até pelos liberais no poder.
Este quadro, segundo o politólogo, torna Mentzen num potencial "influenciador decisivo" do resultado, embora tenha acabado por não declarar apoio a nenhum dos candidatos.
Muitos dos seus seguidores são eleitores de protesto e antissistémicos, a quem muito custará votar num partido com vocação de governo como o PiS, e "mais uma vez imprevisíveis".
Do mesmo modo, Adam Balcer estima que um grupo a rondar os 7% a 8%, "bastante frágil, vulnerável e exposto ao exterior", permanecia indeciso, com os estudos a indicar que uns 5% apenas farão a sua escolha em plena mesa de voto.
A participação na primeira volta foi a mais elevada de sempre em presidenciais, atingindo os 67,3%, e "provavelmente será ainda mais elevada" na segunda, acredita o académico, mas deverá ficar abaixo dos 74,4%, um recorde registado nas legislativas de 2023.
Na altura, a surpreendente adesão em massa às urnas e o voto decisivo das mulheres interrompeu o ciclo do PiS no poder, arredado por uma "geringonça polaca" através de uma coligação pós-eleitoral liderada por Tusk.
No entanto, um ano e meio mais tarde, "muitas pessoas estão desiludidas com o desempenho do Governo", o que poderá prejudicar o autarca de Varsóvia, após os candidatos presidenciais dos outros partidos da coligação terem tido resultados muito pobres na primeira volta.
Como sinal, Balcer assinala que os candidatos da esfera do executivo, incluindo Trzaskowski, obtiveram, na sua soma, cerca de 40% dos votos, muito aquém dos 55% que as suas forças políticas valiam nas legislativas e bastante abaixo dos adversários o campo da oposição.
O desgaste do Governo dificilmente levará à repetição de uma votação em massa, comenta o académico, mas os dados em jogo poderão ainda assim mobilizar eleitores através da "política do medo" e do "mal menor", mesmo que se seja crítico do executivo de Tusk e da sua dificuldade em impor reformas como a justiça e a revisão da lei do aborto.
Se o seu candidato ganhar, o atual primeiro-ministro pode esperar "uma presidência muito mais amigável", após a difícil coabitação com o conservador Andrzej Duda, apoiado pelo PiS, e que usou amplamente o seu poder de veto no fim do seu segundo e último mandato.
Mas se na segunda-feira o cenário for inverso, destaca o politólogo, "vai haver definitivamente um terramoto" e um problema "muito grande" para o Governo.
Adam Balcer assinala que Nawrocki "é uma versão muito mais dura do que Duda", como resultado da viragem do país à direita, e que o próprio executivo ficaria sob ameaça se chegar à presidência, não só devido ao fortalecimento da oposição como por via de eventuais realinhamentos de alianças dos partidos minoritários.
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