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Ataques da NATO à Jugoslávia com pesadas consequências 25 anos depois

Os bombardeamentos da NATO à Jugoslávia iniciados em 24 de março de 1999 constituíram a primeira ação militar em larga escala da organização militar ocidental fora das suas fronteiras e implicará sérias consequências geopolíticas que prevalecem 25 anos depois.

Ataques da NATO à Jugoslávia com pesadas consequências 25 anos depois
Notícias ao Minuto

08:31 - 23/03/24 por Lusa

Mundo NATO

Em 24 de março de 1999, 13 Estados-membros de uma NATO dividida iniciam um bombardeamento sistemático à República Federal da Jugoslávia do Presidente Slobodan Milosevic -- então reduzida à Sérvia e Montenegro na sequência da violenta desagregação da federação socialista desde 1991 --, sem mandato prévio do Conselho de Segurança das Nações Unidas e numa ação assente em pressupostos errados. Estava aberto um precedente.

Pela primeira vez desde a sua fundação em 1949, a NATO desencadeava uma ampla ação ofensiva fora das suas fronteiras, justificada por informações desmentidas posteriormente e que decorre até inícios de junho.

Perante uma apreensiva opinião pública europeia, e numa tentativa de ganhar "os corações e as mentes" das populações, na expressão do então primeiro-ministro britânico Tony Blair, as forças militares e policiais sérvias são acusadas de cometer um "genocídio" na sua província do Kosovo, com larga maioria de população albanesa, com crescentes relatos de uma sangrenta repressão.

Neste contexto, foi divulgado o "plano Potkova" (Ferradura), alegadamente congeminado pelo Governo autoritário de Belgrado e destinado a provar o empenhamento dos sérvios numa "limpeza ética" generalizada. Estas informações servem de justificação para o início da "guerra humanitária", e a consequente intensificação dos bombardeamentos.

Posteriormente foi confirmado que o plano era falso, sendo antes congeminado por dirigentes búlgaros que ansiavam por uma adesão do país à NATO, e depois o transmitiram à Alemanha.

Estas revelações surgem em janeiro de 2000, alguns meses após o fim do conflito, na sequência de uma investigação da revista alemã Der Spiegel, mas não evitaram as pesadas consequências humanas e geopolíticas que ainda se fazem sentir.

Há 25 anos, pelas 20:00 de 24 de março de 1999, as primeiras bombas são lançadas, atingindo cidades, pontes ou infraestruturas militares da Sérvia e do Montenegro, algumas situadas no Kosovo.

O conflito no Kosovo oponha desde há décadas dois nacionalismos irreconciliáveis, o sérvio, cristão ortodoxo, que define esta sua ex-província do sul como berço da nacionalidade e religião, e o albanês, com o argumento da sua progressiva hegemonia populacional (cerca de 90% dos 1,9 milhões de habitantes), da sua religião muçulmana, de anseios independentistas, da unificação com a vizinha Albânia.

As tensões agravam-se a partir de 1996, após o surgimento no início dessa década de uma organização nacionalista radical, o Exército de Libertação do Kosovo (UÇK) que considerava a liderança albanesa local de Ibrahim Rugova e a sua Liga Democrática do Kosovo (LDK) -- mentores da resistência pacífica e do "Estado paralelo" após o fim do seu estatuto de república autónoma, em 1989 --, demasiado ineficaz.

No decurso da guerra de 1998-1999, os "pacifistas" da LDK vão tornar-se num dos alvos do UÇK, com diversos membros do grupo armado a serem posteriormente condenados por um tribunal especial.

Perante um cenário que ameaçava degenerar numa guerra total, a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) envia para o terreno no outono de 1998 uma Missão de Verificação do Kosovo (KVM na sigla em inglês) para a "verificação" do respeito do cessar-fogo concluído em 13 de outubro entre o enviado especial dos EUA, Richard Holbrooke, e o Presidente da "pequena Jugoslávia" (Sérvia e Montenegro), Slobodan Milosevic.

Em meados de janeiro seguinte tudo se precipita com o "massacre de Racak", quando são descobertos 45 corpos de albaneses numa vala comum. O UÇK acusa as forças sérvias de massacre de civis, coadjuvados pelo então chefe da KVM, o diplomata norte-americano William Walker. Belgrado acusa os separatistas albaneses de manipulação, ao referir serem corpos de combatentes mortos e depois vestidos com roupas civis. Um contencioso que perdura até hoje.

O relatório apresentado em 17 de março por uma equipa internacional de médicos legistas é inconclusivo sobre Racak, mas não impede a NATO de desencadear a operação militar -- em 1994 e 1995 já tinha atuado com bombardeamentos cirúrgicos contra posições dos sérvios bósnios -- para "terminar com os projetos de limpeza étnica" do mestre de Belgrado.

Os ataques aéreos prolongam-se por 78 dias e implicam um aumento da repressão das forças sérvias no terreno, dirigida contra as populações civis albanesas, com centenas de milhares, talvez um milhão, a abandonarem temporariamente o território em direção às vizinhas Macedónia e Albânia.

A decisão de desencadear a campanha de bombardeamentos aéreos seguiu-se ao falhanço das conversações que decorriam em Paris e Rambouillet desde o início de fevereiro, e quando os Estados Unidos já exerciam uma influência decisiva sobre a liderança política e militar do UÇK, entretanto excluído da sua lista de "organizações terroristas" e eleito como "força de libertação".

A ofensiva aérea da NATO termina com a assinatura ao Acordo de Kumanovo (na atual Macedónia do Norte), entre o Governo de Belgrado e a KFOR, a força multinacional da NATO que vai substituir no terreno as forças sérvias.

Em paralelo é instalado um protetorado internacional administrado por uma missão interina da ONU (UNMIK), legitimada no Conselho de Segurança pela resolução 1244 de 10 de junho de 1999 -- 14 votos a favor e abstenção da China, cuja embaixada em Belgrado tinha sido bombardeada pela NATO -- que previa a preservação do Kosovo em território sérvio, mas com ampla autonomia.

No balanço final, cerca de 3.000 militares e civis sérvios mortos, num total de perto de 15.000 entre 1998 e 1999 no território do Kosovo, na maioria albaneses, e uma Sérvia arruinada. Ocorre uma nova limpeza étnica, agora dirigida às populações não-albanesas do Kosovo, até à declaração unilateral da independência em 2008 e suas consequências, ainda sem resolução.

Para além da Sérvia, a independência do Kosovo não foi reconhecida por importantes países, incluindo dois membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (Rússia e China) e cinco Estados-membros da União Europeia, e permanece sem assento na Assembleia geral das Nações Unidas.

Na perspetiva da Rússia, tradicional aliada da Sérvia, em recuperação da violenta transição da década de 1990 e liderada por um Boris Ieltsin em fim de mandato e débil saúde, tratou-se de uma humilhação. Moscovo, e sobretudo Belgrado, assistiam agora à instalação de um protetorado internacional no Kosovo dirigido pela ONU, com a presença de um poderoso contingente multinacional da NATO (60.000 no início) e onde pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial a Alemanha intervinha diretamente num conflito ao integrar a missão militar aliada.

Os argumentos avançados pela NATO no início de 1999 para justificar a sua campanha de ataques aéreos contra a Jugoslávia de Milosevic passam a ser utilizados por Moscovo.

Em maio desse mesmo ano, o ainda chefe dos serviços de informações russos (FSB), de nome Vladimir Putin, extraía as suas conclusões: "Assistimos a uma tentativa unilateral de destruir a ordem mundial criada sob a égide da ONU após a Segunda Guerra Mundial. Devemos reagir a este desafio alterando a conceção da nossa defesa nacional".

Algumas semanas mais tarde, Putin assumia a chefia do Governo russo -- será eleito Presidente em 2000 -- já decidido em responder à "humilhação" infligida à Rússia pelos ocidentais, pretensos "polícias do planeta" em nome de razões morais ou humanitárias.

Ao anexar a Crimeia em março de 2014, Vladimir Putin utilizará o precedente do Kosovo como exemplo, como já tinha sucedido com a breve guerra da Geórgia em 2008. "Se, por exemplo, o Kosovo pode tornar-se independente, porque não a Abkházia ou a Ossétia do Sul", perguntou. E num ano em que a NATO voltou a acirrar Moscovo, ao sugerir em abril a integração da Ucrânia e Geórgia no decurso da cimeira de Bucareste.

Foi ainda para "prevenir um genocídio" contra as populações russófonas do Donbass que Moscovo justificou a sua "operação militar especial" contra a Ucrânia em fevereiro de 2022. O "legado do Kosovo" deixou marcas profundas.

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