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Partido de Giorgia Meloni é "pós-fascista, e não neofascista"

O partido Irmãos de Itália, líder da coligação governamental no poder e dirigido por Giorgia Meloni, é pós-fascista e nacionalista, mas não neofascista, e não representa uma ameaça para a democracia, considera o politólogo italiano Leo Goretti.

Partido de Giorgia Meloni é "pós-fascista, e não neofascista"
Notícias ao Minuto

08:23 - 19/01/24 por Lusa

Mundo Itália

Em entrevista à Lusa, o diretor do programa italiano de política externa do Instituto de Assuntos Internacionais, um grupo de reflexão independente, considera que o recente episódio de apologia do fascismo ocorrido em Roma, com centenas de manifestantes a fazerem a saudação fascista, foi "terrível", defende pessoalmente que estes eventos "deveriam ser proibidos", mas relativiza o incidente em termos de representatividade, enfatizando que os protagonistas pertencem a "franjas radicais, sem relevância nem do ponto de vista eleitoral, nem na sociedade italiana".

Segundo este analista, o silêncio de Meloni, muito criticada pela oposição de centro-esquerda por não ter condenado publicamente o ocorrido, deve-se a razões de identidade histórica da própria direita italiana e deve ser entendido no quadro de uma bipolarização sangrenta que marcou o panorama político de Itália nas décadas de 1970 e 1980, "um período muito doloroso", e não deve ser entendido como um 'aval' a manifestações saudosistas de "um passado muito sombrio da história de Itália".

Ao contrário do antigo primeiro-ministro Romano Prodi, que a propósito da controvérsia comentou que Meloni permanecia em silêncio pois não queria alienar parte do seu eleitorado, Leo Goretti considera antes que a líder dos «Fratelli d'Italia», tal como muitos atuais responsáveis políticos que viveram aqueles anos agitados, tem dificuldade em renegar explicitamente algo que considera ser parte da identidade da direita e do seu partido.

O incidente em causa ocorreu a 07 de janeiro em Roma, onde anualmente manifestantes da extrema-direita assinalam o aniversário do assassinato, em 1978, de dois jovens do Movimento Social Italiano (MSI), neofascista, por um grupo de extrema-esquerda. Em imagens que correram mundo, vê-se centenas de pessoas, em formação militar e vestidas de negro, a fazerem a saudação fascista, ou romana, como é designada em Itália.

Goretti começa por notar que "esta celebração, ou o que quer que se lhe chame", durante a qual foi feita "a saudação fascista, e não nazi -- não que faça grande diferença, mas está efetivamente mais relacionada com a história de Itália" e do ditador Benito Mussolini, "não é algo de novo, acontece todos os anos, sob governos de diferentes cores", e considera que "tanta controvérsia este ano deve-se obviamente à herança política do partido de Meloni", considerado o 'herdeiro' do MSI.

"A falta de uma condenação clara não se prende tanto com o eleitorado, pois os nostálgicos do fascismo em Itália são uma minoria e não constituem o núcleo do eleitorado dos 'Fratelli d'Italia'. Penso que está mais relacionada com a identidade do partido, que de certa forma ainda está ligado a este passado, e seria doloroso para o partido cortar claramente com ele", opina.

Leo Goretti recorda que nas décadas de 70 e 80 havia terrorismo, tanto da extrema-direita como da extrema-esquerda (designadamente as «Brigadas Vermelhas»), "houve mortes, pessoas de ambos os lados que passaram muitos anos na prisão", e esse não é um passado fácil de superar ou esquecer.

Para este analista político, essa é também a razão pela qual o partido Irmãos de Itália continua a ter no seu símbolo a polémica «chama tricolor», símbolo 'estreado' pelo MSI, que representa na opinião de muitos observadores a tocha acesa no túmulo de Mussolini, e que é utilizada por diversas formações da direita radical italiana, incluindo organizações assumidamente neofascistas.

"O facto de terem no símbolo a chama também se deve ao facto de os ligar ao passado, é uma questão identitária", diz Goretti, que não tem dúvidas em classificar o partido de Meloni como "pós-fascista, e não neofascista", designação que no seu entender também não pode de modo algum ser atribuída à Liga, de Matteo Salvini, o outro partido mais radical que integra a coligação governamental no poder em Itália, juntamente com o Força Itália (centro-direita).

Na sua opinião, "nenhum dos partidos é neofascista, pois tal significa um partido que tem explicitamente entre os seus propósitos regressar à experiência do fascismo, e isso não é algo que os 'Fratelli d'Italia' ou a 'Lega' partilhem".

"São ambos partidos democráticos. Podemos debater a forma como articulam esta ideia de democracia, mais ligada a uma noção populista, mas são democráticos e isso não pode ser questionado. O Irmãos de Itália é um partido pós-fascista, pois tem as suas raízes nesse passado. Diria que a sua principal característica é ser um partido nacionalista em termos de ideologia, que coloca muito ênfase na ideia da nação italiana, mas não questiona de forma alguma a estrutura democrática. E é pós-fascista face à sua história", diz.

Já a Liga de Salvini, prossegue, "é muito mais aquilo que se pode considerar um partido populista", que não tem uma ideologia especÍfica, abordando antes questões concretas que preocupam a sociedade italiana e oferecendo respostas simples, além de ser atualmente mais eurocético que o partido de Meloni, que é "mais pragmática".

O politólogo admite, todavia, que, "numa perspetiva de longo prazo, se a tendência for para os Irmãos de Itália se tornarem um partido de linha mais conservadora, o que muitos pensam ser o caminho natural, especialmente depois da morte de Silvio Berlusconi, que fragilizou o Força Itália", então chegará uma altura em que será preciso enfrentar a questão da identidade histórica e lidar com questões como a da chama tricolor.

Todavia, enfatiza, na sua opinião a questão da hipotética natureza fascista ou não do partido "não tem politicamente muita relevância" e não é seguramente um tema que preocupe "a grande maioria do eleitorado".

Leo Goretti lamenta que a controvérsia em torno deste tema afaste as atenções das grandes questões e políticas da direita radical, como é o caso dos migrantes, dos direitos da comunidade LGBT ou da transição climática.

"Sem desvalorizar o incidente de Roma, que foi horrível, penso que se deve antes olhar para a direita radical hoje à luz dos seus próprios problemas e políticas. Não creio que enquadrar este tipo no debate no âmbito do fascismo seja particularmente útil. Giorgia Meloni tem uma imagem pessoal muito sólida e até beneficiaria de um debate que diz pouco à maioria dos italianos", sobretudo aos jovens, defende.

Leia Também: Governo de Meloni sob pressão para reprimir apologia do fascismo em Itália

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