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Psicóloga de apoio alerta para "brecha" entre Lima e interior do Peru

A psicóloga peruana Ana Maria Guerrero, envolvida no apoio clínico a vítimas da violência policial e militar no país, alerta que a atual crise aumentou a divisão entre a população da capital, Lima, e das regiões remotas.

Psicóloga de apoio alerta para "brecha" entre Lima e interior do Peru
Notícias ao Minuto

08:44 - 21/02/23 por Lusa

Mundo Peru

"A brecha entre a população de Lima e o resto do país cresceu", disse Ana Maria Guerrero em entrevista à agência Lusa.

Porém, esta afirmação pode induzir as pessoas em erro, "porque Lima é a cidade com mais migrantes, deslocados das mais diferentes regiões e culturas" do Peru.

"Quando dizemos Lima, devemos imaginar as elites tradicionais e os círculos próximos", ressalvou a diretora do Proyecto UMA, um centro de saúde mental que atua em diferentes regiões do país sul-americano, atendendo sobretudo "pessoas de baixos rendimentos e alta vulnerabilidade social, afetadas de muitas maneiras pela violência".

Nas últimas semanas, na sequência da destituição e prisão do ex-presidente Pedro Castillo, em 07 de dezembro, e dos protestos que se seguiram, nos quais já morreram pelo menos 60 pessoas, a equipa de profissionais liderada por Ana Maria Guerrero "tem dado apoio individual e grupal" a vítimas da repressão.

"As histórias que recolhemos são de confrontos terríveis, batalhas de guerra campal, situações abusivas cruéis, desumanas, que colocam as pessoas na difícil questão de se perguntarem pelo estatuto da sua própria humanidade", ante forças policiais e militares que "disparam a matar e ainda propalam insultos racistas", relatou.

Sobre os grandes meios de comunicação social do Peru, realçou que, em geral, "a maioria é limenha", num país "fortemente centralista" com quase 34 milhões de habitantes, dos quais 12 milhões, mais de um terço, vivem na área metropolitana de Lima.

"Os meios de comunicação só divulgam a posição oficial das elites, seus donos, vinculados a outros grupos do poder financeiro, empresarial e político", criticou a psicóloga.

A Organização dos Estados Americanos (OEA) enfatizou, ano passado, que existe "falta de pluralidade nos grandes media" do Peru.

Entretanto, nos últimos dois meses, recorrendo à internet, os meios independentes "têm divulgado as imagens abusivas da repressão, silenciadas ou justificadas [pelos grandes meios da capital] com a retórica do terrorismo", num país onde "mais de 60% da população não tem acesso" aos meios digitais, adiantou Ana Maria Guerrero.

"No campo indígena, as coisas estão também divididas. Especialmente no sul andino, apoiam Pedro Castillo. Mas não é a regra para todos, pois os povos da Amazónia e alguns setores andinos estavam em disputa com o seu governo", disse.

Antes da destituição do ex-presidente, era evidente essa contestação, "pelo retrocesso que implicava a mudança na política educacional intercultural bilíngue", sublinhou, para recordar que "os povos indígenas levaram 10 anos para conseguir essa política junto de diversos governos".

Neste momento, na opinião da também professora universitária, "a única saída para a crise" político-social do Peru é a renúncia da presidente Dina Boluarte, num país da América Latina onde "ainda se vivem as sequelas psicossociais do conflito armado interno" (1980-2000), protagonizado, principalmente, pelas guerrilhas de esquerda do Sendero Luminoso e do Movimento Revolucionário Tupac Amaru, ambas na época em contenda com o governo de Lima.

No atual cenário, importa reconhecer que "não foram concretizadas as ações que o Estado devia desenvolver para reparar os danos produzidos pelo medo e pela desconfiança" originados nesse processo.

"Além da acumulação de promessas eleitorais nunca cumpridas, as pessoas confrontam-se há décadas com o facto de a palavra dos líderes ou representantes valer pouco ou nada", lamentou Ana Maria Guerrero.

Neste quadro, na sua ótica, "pode-se entender as razões por que os partidos políticos e as organizações da sociedade civil não gozam de legitimidade para propor possíveis saídas" para a crise.

Com esta "margem de ação limitada", é necessário, designadamente, "insistir no diálogo, denunciar internacionalmente as graves violações aos direitos humanos, contar com os media independentes e com a imprensa estrangeira", opinou a ativista.

"Castillo não deve ser libertado, sendo um fato verificável que tentou dar um golpe de estado", defendeu, ao afirmar que o Congresso da República, "com uma maioria de direita, foi um grande obstáculo da governação" e que, em alegada aliança "com os grandes media", quis sempre "golpear a imagem" do ex-presidente.

Contudo, por outro lado, "é bastante compreensível a ira" popular desencadeada em dezembro, "pois, mais uma vez, por uma razão ou por outra", o voto da maioria "não serviu para mudar as frágeis condições de vida" de largos estratos da população.

"O Congresso foi gravemente obstrucionista e irresponsável e o governo optou por não se defender com um mínimo de apego aos valores da transparência e do respeito pela legalidade", acusou a psicanalista, que detém um mestrado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, no Brasil.

Segundo a sua análise da sociedade peruana, "os valores progressistas ou fortemente democráticos não têm expressão maioritária" no Peru.

"O governo e as elites que justificam as ações do governo têm sido indolentes e profundamente irresponsáveis, socavando feridas antigas na população mais pobre", concluiu.

Leia Também: Peru rejeita "violação massiva e sistemática dos direitos humanos"

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