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Sob som de artilharia, Dasha e Vióla aventuram-se por "tesouros"

Kherson está praticamente deserta e o silêncio apenas é interrompido pelo som da artilharia, umas vezes ao longe, outras bem perto, mas para Dasha e Vióla ouvir os bombardeamentos é sinónimo de mais uma caça ao tesouro.

Sob som de artilharia, Dasha e Vióla aventuram-se por "tesouros"

© OLEKSANDR GIMANOV/AFP via Getty Images

Lusa
19/02/2023 23:48 ‧ há 2 anos por Lusa

"Olha ali uma janela aberta! Talvez alguém viva lá", diz Dasha, com 10 anos, para Vióla, com a mesma idade, mas que vai fazer 11 "já no próximo mês", enquanto aponta para um edifício que foi atingido por um míssil, em Kherson, na Ucrânia.

"Isto aconteceu no outro dia", explica Vióla à Lusa, olhando para uma cratera no chão já preenchida com água da chuva e rodeada por vidros, pedaços de persianas e do edifício que o míssil arrancou quando o atingiu. Está a tentar varrer a terra com os pés à procura do achado do dia.

As janelas que aguentaram a violência da explosão estão fechadas e emparedadas para, com sorte, aguentarem o próximo bombardeamento. Contudo, é possível vislumbrar uma janela aberta no terceiro piso, por detrás de um pedaço de contraplacado, e isso desperta o interesse de Dasha.

A rapariga grita, mas ninguém responde e esmorece o interesse na janela e na pessoa misteriosa que poderia lá estar, dentro de um edifício que como muitos outros foi esventrado pela artilharia russa disparada do outro lado do rio Dnieper.

Dasha e Vióla nasceram em Kherson e é nesta cidade, agora silenciosa e fustigada depois de vários meses de ocupação russa e da sangrenta libertação pelos militares ucranianos, que estão a crescer. Os pais continuaram lá, por isso elas também.

Não frequentam a escola de momento, mas estão "sempre de mochila às costas" -- uma preta e uma rosa. Vióla está com um gorro azul, com um emblema das Forças Armadas da Ucrânia bordado, Dasha com um cor de rosa, que apenas cobre as orelhas, mas deixa a cabeça desprotegida do frio. As duas vestem longos casacos pretos e calçam botas. A imaginação leva-as a dizer que "são o exército".

E a posição que ocupam nas fileiras é a de resgate de fragmentos de mísseis.

"Tenho medo que alguma coisa possa explodir", diz Dasha, a mais temerária das duas, a Vióla, enquanto tenta caminhar pelos destroços do bombardeamento que ocorreu há poucos dias. O medo está lá, mas a recompensa vale o risco.

Ao fundo ouvem-se duas explosões. Caíram mais dois mísseis, o nono e o décimo desta tarde, mas as raparigas já estão habituadas. Levantam a cabeça, absorvem o momento e continuam a caça ao tesouro. "Já tenho vários [fragmentos de mísseis] em casa. Tenho os melhores", gaba-se Vióla. Dasha é a destemida, mas a colecionadora é Vióla, os estilhaços são para ela.

Ouve-se mais uma explosão. O som desta última é mais forte, parece estar mais perto.

"Já temos suficientes... Tenho medo, despacha-te", grita Vióla a Dasha, que continua a caminhar, com muito cuidado, entre as persianas quebradas e os pedaços do revestimento do prédio. Passa por um pequeno pato de borracha, mas não liga. Aqui o tesouro é outro.

Cerca de 20 minutos depois, o achado. Dasha apressa-se a regressar para perto de Vióla. A expedição de hoje foi fortuita. Ou pelo menos assim achava.

"Isso não é parte de um míssil, é parte da casa", respondeu Vióla perante o entusiasmo da amiga, que desiludida atira o objeto de metal que tinha na mão para trás das costas: "Queria dar-te um presente, não consegui".

As duas raparigas desistem por hoje. Está a anoitecer e sabem que com o cair da noite os bombardeamentos russos do outro lado do rio intensificam-se. Amanhã voltam a tentar.

Dasha e Vióla despedem-se, dizem adeus, e já de luvas nas mãos seguem pelo passeio, atravessando edifícios parcialmente destruídos.

O dia-a-dia destas duas crianças -- das poucas que ainda estão na cidade - é desenterrar os estilhaços e construir um repositório, para memória de uma infância que é vivida a compasso de mísseis.

Leia Também: "Crimes contra a humanidade"? Tentativa dos EUA de "demonizar" Rússia

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