Política de 'zero casos' afasta investimento estrangeiro da China
A estratégia de 'zero casos' de covid-19 está a afastar investidores e a suscitar a saída de expatriados da China, ameaçando o estatuto de cidades como Xangai, contam à agência Lusa estrangeiros radicados no país.
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Mundo Covid-19
"O meu novo restaurante ainda nem sequer se ergueu e já começou a levar nas pernas", descreve o empresário André Zhou, natural de Braga e dono de dois restaurantes portugueses em Xangai.
"Pus ali muito dinheiro e não vamos desistir", diz sobre o seu segundo estabelecimento, cuja inauguração estava prevista para abril. "Mas, neste momento, é impossível fazer planos".
A altamente contagiosa variante Ómicron está a obrigar as autoridades chinesas a impor medidas de confinamento cada vez mais extremas, para salvaguardar a estratégia de 'zero casos', assumida como um triunfo político pelo secretário-geral do Partido Comunista Chinês, Xi Jinping.
Xangai, a "capital" económica do país, está há sete semanas sob uma quarentena de facto, com os seus 25 milhões de habitantes proibidos de sair de casa.
A estratégia obriga ao isolamento de todos os casos positivos, incluindo os assintomáticos, em centros de quarentena. Trata-se sobretudo de instalações improvisadas, com as camas distribuídas num espaço comum, sem chuveiros, e com uma casa de banho para centenas ou até milhares de pessoas.
"Tenho mais medo de ir para um centro de quarentena do que de apanhar covid-19", resume a portuguesa Raquel Seabra, radicada em Xangai há nove anos.
O abrupto encerramento dos serviços na "capital" económica da China e as ordens para a população ficar em casa criaram também dificuldades no acesso a alimentos e medicamentos.
"Há condomínios que proibiram a entrega de bens, porque acham que podem estar infetados", explica. "Muitas regras carecem de base científica", observa.
A portuguesa admite que a pandemia está a transfigurar a China. "Uma grande parte dos meus amigos já saíram", conta. "A presença estrangeira está a desaparecer".
Uma pesquisa 'online' direcionada à comunidade de expatriados em Xangai, realizada no início deste mês, revelou que 85% dos quase mil entrevistados estão a pensar deixar a China, devido aos confinamentos altamente restritivos e ao encerramento das fronteiras.
"Estou a pensar mudar-me para o Médio Oriente", diz um treinador português de futebol radicado em Xangai. "Tirania por tirania... ao menos lá faz bom tempo", justifica.
Os líderes empresariais europeus alertaram este mês que a estratégia de Pequim ameaça o investimento estrangeiro no país.
A Câmara de Comércio da União Europeia na China disse que cerca de 23% das 372 empresas europeias que responderam a um inquérito estão a considerar sair do país - o nível mais alto no espaço de uma década.
"Estamos a tentar explicar ao Governo chinês que, se a estratégia não mudar, estamos de saída", disse Joerg Wuttke, presidente da Câmara de Comércio.
É difícil de avaliar o nível de descontentamento popular que as medidas estão a gerar, devido à ausência de estudos de opinião ou imprensa livre no país.
Os órgãos chineses continuam a descrever o mundo exterior como "devastado pelo vírus", em contraposição com uma China "segura". Mas, em cidades como Xangai, onde grande parte da população tem ligações ao exterior ou acesso a fontes noticiosas estrangeiras, através do uso de VPN (Virtual Proxy Network, mecanismo que permite contornar a censura na Internet do país) existe hoje "noção do que se passa lá fora", explica André Zhou.
"É clara a discrepância crescente entre a narrativa oficial e o que as pessoas estão a ver", nota. "E as pessoas têm cabeça para pensar", diz.
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