Antigo presidente deixa legado complexo e importante para a África do Sul

O antigo presidente sul-africano Frederik de Klerk, que morreu hoje aos 85 anos, considerado "o último Presidente do 'apartheid'", deixa um legado complexo numa sociedade dividida após 27 anos de governação do ANC depois da queda do regime segregacionista.

Frederik Willem de Klerk

© Getty Imagens

Lusa
11/11/2021 14:09 ‧ 11/11/2021 por Lusa

Mundo

África do Sul

"A natureza do regime e o nacionalismo 'Afrikaner' mostrou-se fundamentalmente diferente em 1989 comparativamente à década de 1948, quando se tornou na ideologia oficial do regime branco", constatou em 2015 o jornalista Max Du Preez.

O autor sul-africano referiu que "o nacionalismo 'Afrikaner' atingiu o seu apogeu na década de 1960, quando Hendrik Verwoerd era primeiro-ministro", mas "também iniciou o seu declínio gradual".

Du Preez salientou que após o assassinato de Verwoerd, em 1966, "a principal motivação" do 'apartheid' começou a desaparecer com o avanço do projeto segregacionista no seio da classe média branca sul-africana.

A mudança decisiva na geopolítica da região Austral do continente africano a partir da década de 1970, nomeadamente em Angola e Moçambique, teve igualmente um "impacto profundo" no Partido Nacionalista (NP, na sigla em inglês) e nos seus governos.

A ironia da história do país reservou o papel de supervisionar a transformação para a democracia num membro da família nacionalista sul-africana.

O pai de Frederik Willem de Klerk integrou o executivo de Hendrik Verwoerd e o ex-primeiro ministro JG Strijdom era seu tio.

"A característica mais marcante da carreira política de De Klerk desde que ingressou no parlamento, em 1972, foi provavelmente a sua indefinição no seio do Partido Nacionalista", sublinhou a imprensa sul-africana, em 1994, após a queda do regime de segregação racial.

Na abertura do parlamento, em 02 de fevereiro de 1990, Frederik W. de Klerk revelou-se "um estadista corajoso e visionário" ao anunciar a legalização dos movimentos de libertação, nomeadamente o Congresso Nacional Africano (ANC), o Congresso Pan-Africanista (PAC) e o Partido Comunista Sul-Africano (SACP). Logo a seguir, nesse mesmo mês, Nelson Mandela foi libertado.

Após as negociações entre o ANC, liderado por Nelson Mandela, e o Governo sul-africano, que chefiou em Groot Schuur, Cidade do Cabo, em maio de 1990, De Klerk visitou nove países da Europa Ocidental, incluindo Portugal.

Tratou-se da primeira visita oficial de Frederick W. de Klerk a Portugal, a convite do então Presidente Mário Soares.

O seu antecessor, Pieter Botha, esteve em Lisboa, em outubro de 1988.

Mário Soares foi recebido em outubro de 1989, em Pretória, por Frederik de Klerk, durante uma visita privada do chefe de Estado português a Pretória para visitar o filho, João Soares, que se encontrava num hospital militar a recuperar de um acidente aéreo na Jamba de Jonas Savimbi, sudeste de Angola, em setembro de 1989.

A imprensa internacional da altura descreveu o périplo europeu como "o mais extenso e potencialmente importante realizado por um chefe de Estado sul-africano desde que o Partido Nacional do governo chegou ao poder, em 1948".

"Ou será que não teve escolha e simplesmente agiu para preservar os interesses económicos dos brancos?", questionou Max Du Preez, em 2015.

A forma calma e determinada com que De Klerk "destituiu" o seu "temível" antecessor, P. W. Botha, rendeu-lhe respeito. Também demonstrou uma "determinação de ferro" em manter o país no caminho das negociações nos últimos anos do seu mandato.

Embora seja creditado com a abolição do regime segregacionista do 'apartheid' no país, a sua recusa, em 1994, em admitir que o 'apartheid' era imoral, ainda hoje, à data da sua morte, se levanta em vários setores da sociedade sul-africana.

Em março de 1992, Frederik W. de Klerk convocou um referendo nacional entre a população branca no país para ser mandatado a implementar as reformas constitucionais que culminaram nas primeiras eleições multirraciais e democráticas em abril de 1994.

De Klerk nasceu em Joanesburgo, cresceu em Krugersdorp e terminou os seus estudos superiores na Universidade de Potchfstroom. Foi eleito líder do NP na região do Transvaal (atual Gauteng), em 1982, após a rutura da ala conservadora do partido. Em fevereiro de 1989 assumiu a liderança do NP e, em agosto do mesmo ano, a Presidência da República.

Em 1993, De Klerk partilhou o Prémio Nobel da Paz com Nelson Mandela, indicando a transição que liderou até à readmissão do país na comunidade internacional.

A África do Sul realizou, em 1994, as suas primeiras eleições democráticas e multirraciais, com uma vitória esmagadora do ANC de Nelson Mandela (62,65%).

De Klerk, com 27,81% dos votos, integrou o governo de unidade nacional na qualidade de vice-presidente de Mandela, conforme previamente acordado.

Deixou a política em 1997 e em 2000 criou a fundação com o seu nome para promover seu trabalho pela paz e a defesa do seu legado.

Frederik W. de Klerk morreu na Cidade do Cabo, aos 85 anos, vítima de cancro, anunciou a sua fundação.

"Questiona-se se De Klerk deveria ter recebido o prémio Nobel da Paz pelo seu papel depois de 1990, em que incansavelmente percorreu o país em reuniões com o NP, o Broederbond, as Igrejas, empresários, académicos e cidadãos para vender o seu plano de negociações ao seu eleitorado. Até convocou um referendo branco para garantir um mandato para as negociações, sabendo muito bem que, se aquela votação desse errado, seria o fim da sua carreira política", referiu Max Du Preez.

"Será um argumento para ter uma rua com o seu nome em sua homenagem?", questionou Preez.

 

Leia Também: Óbito/De Klerk: Legado é "importante mas desigual" pela Fundação Mandela

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