Mulheres que fugiram da guerra em Cabo Delgado, norte de Moçambique, organizaram-se numa cooperativa e criaram um negócio de venda de comida com apoio de moçambicanos em Itália.
É um recomeço para as respetivas famílias terem receitas com que sobreviver. "O pouco que elas conseguem ganhar serve de ajuda para a alimentação" da família, enquanto reservam "outra parte para que o negócio não pare", explicou à Lusa, Sadia Abdul Latifo, 45 anos, gestora do grupo, em Pemba, capital provincial.
É para lá que têm fugido muitos dos 817.000 deslocados do conflito armado que há quatro anos afeta a região, a maioria dos quais sem saber quando terá a próxima refeição, por falta de rendimentos ou de terra para cultivar.
O grupo de 10 mulheres oriundas da ilha do Ibo decidiu unir-se e criar uma cooperativa baseada na gastronomia local, com o desejo comum de deixarem de depender de ajudas.
"Sinto-me bem por fazer parte desta cooperativa e agradeço às pessoas que nos deram essa ideia. Sinto que é um grande projeto e que nos vai ajudar bastante" refere Sofia Wala, 51 anos, em quimuâni, língua local, uma das mais faladas no Ibo.
Designada Kissiko tcha Waka, o que significa Porto de Mulheres, o nome da cooperativa nasce em homenagem àquelas que nos últimos anos desembarcaram em Pemba, fugindo da violência armada, deixando tudo para trás - muitas vezes perdendo inclusivamente a família.
Para já funciona debaixo de um cajueiro no bairro de Maringanha, com uma ementa que inclui pratos tradicionais de lulas, peixe, camarão, tudo entre 100 e 350 meticais (entre um e cinco euros) por prato.
Uma obrigação ficou definida: vender só comida típica de Cabo Delgado.
A iniciativa está a ser suportada por moçambicanos residentes em Itália, que numa primeira fase vão doar 2.100 meticais (28 euros) para cada membro do grupo durante nove meses, descreve Sadia.
O grupo foi criado com o objetivo de criar rendimento por meio de "atividades de ciclo rápido", acrescenta, decorrendo todo o processo de legalização e inclusão financeira das participantes - muitos deslocados ficaram sem documentos.
Inscrição nos serviços de finanças, abertura de conta bancária e produção de documentos contabilísticos da cooperativa fazem parte das tarefas em curso.
"A grande ação da cooperativa é também a bancarização da mulher", refere Vasco Achá, 50 anos, outros dos apoiantes da iniciativa.
"Contactámos alguns bancos e estamos na fase da abertura de contas", a par da "obtenção de toda a documentação necessária" a desenvolver um negócio, referiu.
Além dos papéis, Vasco tem outra tarefa entre mãos: conta o material já recolhido para construção de um espaço onde a cooperativa vai funcionar, deixando de estar só sob o cajueiro.
O conflito armado entre forças militares e insurgentes em Cabo Delgado já provocou mais de 3.100 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED, e mais de 817 mil deslocados, de acordo com as autoridades moçambicanas.
A luta contra os insurgentes ganhou um novo impulso em agosto após a reconquista de Mocímboa da Praia, vila onde os rebeldes protagonizaram o seu primeiro ataque em outubro de 2017.
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