"Havia uma componente fundamental, e foi aqui onde o Acordo do Alvor falhou terrivelmente e depois deu lugar a toda a tragédia que se passou, que foi a parte militar", porque não se conseguiu prever o que viria a acontecer depois, afirmou Pezarat Correia, numa entrevista à Lusa quando faltam poucos dias para Angola celebrar 45 anos de independência, a 11 de novembro.
"Não falhou por causa de nós", parte portuguesa, "mas sim porque os movimentos não cumpriram o que tinham acordado" no Alvor, em 1975, uma situação que, na opinião do militar português, foi depois agravada com as interferências externas, inclusive das grandes potências mundiais, em Angola.
O Acordo de Alvor, assinado entre o governo português e o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), em janeiro de 1975, no Alvor, Algarve, estabelecia as bases para a transferência do poder, de Portugal para os três movimentos de libertação ao longo de um período de transição, permitindo, assim, a independência da antiga colónia portuguesa, que era considerada "a joia da coroa" do império colonial português.
Neste sentido, o acordo estabelecia, entre outras coisas que deviam ser constituídas, para o período de transição, aquilo a que se chamou umas "forças militares mistas".
Assim, cada um dos movimentos de libertação deixava de ter as suas forças guerrilheiras, com que se apresentaram nas negociações que antecederam o Alvor, e "contribuiria, em partes iguais, com 8 mil homens cada" para a nova força conjunta, na qual o lado português "teria uma parte igual aos três movimentos juntos".
"Portugal teria 24 mil homens, (...)", com os três ramos, Exército, Marinha e Força Aérea, presentes, e cada um dos outros movimentos "contribuía também com 8 mil homens", explicou Pezarat Correia, salientando que os movimentos tinham praticamente "só Exército, guerrilheiros".
O comando destas forças mistas, seria conjunto, constituído por generais portugueses e "os chefes guerrilheiros dos três movimentos, em total paridade", adiantou.
A força militar mista, composta a pouco e pouco, tinha por missão assegurar "a paz interna entre os movimentos e a inviolabilidade das fronteiras".
O problema residiu no facto de que, para chegarem aos 8 mil homens cada, os movimentos "tiveram que se reforçar", porque "o único que tinha mais guerrilheiros do que os 8 mil era a FNLA".
"O MPLA não tinha 8 mil e a Unita muito menos tinha 8 mil", contou o militar de Abril. Já Portugal, pelo contrário, para chegar aos 24 mil tinha que desmobilizar, porque contava, na altura, com "cerca de 60 mil homens (...)", adiantou.
Assim, Portugal começou por desmobilizar as tropas de recrutamento local, as tropas africanas, contou.
"Na altura, quase 50 por cento das nossas tropas do exército eram africanas, eram angolanos. E estes foram os primeiros, até porque já não se sentiam bem no Exército português", explicou.
Mas "logo que nós começamos a desmobilizar os movimentos de libertação começam a recrutá-los para as suas fileiras", afirmou o General do Exército português agora reformado.
De seguida, Portugal desmobilizou as suas forças auxiliares, compostas "por homens com 13 anos de experiência de guerra, e o MPLA e a UNITA começaram imediatamente a tentar mobilizá-los".
O resultado, de tudo isto foi que "passado pouco tempo a UNITA, a FNLA e o MPLA tinham muito mais do que os 8 mil homens. Só que em vez de contribuírem com essas tropas para as tais forças militares mistas, que atuassem em conjunto, pelo contrário, trataram foi de reforçarem as suas tropas partidárias", admitiu.
"Foi a violação absoluta do acordo Alvor. E em março já estavam outra vez em guerra uns com os outros" e "nós perdemos o controlo da situação", concluiu o militar.
Quanto ao modo como poderia ter sido negociada a parte militar para que não tivesse surgido este problema, o general responde: "Não tenho resposta".
Portanto, "Portugal confiou", disse Pezarat Correia, reafirmando, porém, que ele próprio saiu do Alvor "com a convicção" de que forças militares mistas iriam ser constituídas.
A realidade mostrou que não só não foram constituídas como "os movimentos de libertação reforçaram cada um o seu aparelho e entraram em guerra e reforçaram a guerra uns contra os outros", afirmou.
E "a determinada altura, a única coisa que sobreviveu do Acordo do Alvor foi a data da independência", acrescentou.
"A partir do momento em que se começou a verificar que os movimentos de libertação não contribuíam para as forças militares mistas, apercebi-me que o acordo tinha falhado", confessou.
Até porque Portugal, que estava a desmobilizar, "tinha aqui, na metrópole, tudo nas ruas a dizer: 'nem mais um soldado para as colónias', 'Regresso dos portugueses já'". E, em Angola, os portugueses perguntavam o que estavam ali a fazer.