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Luta climática debatida em Madrid ameaça bairro dos pescadores em Maputo

As árvores do Bairro dos Pescadores da Costa do Sol, em Maputo, têm as gordas raízes à vista, porque a areia que as cobria está a ser levada pelo mar que ano após ano come um bocadinho da costa.

Luta climática debatida em Madrid ameaça bairro dos pescadores em Maputo
Notícias ao Minuto

06:39 - 05/12/19 por Lusa

Mundo Madrid

Por mais fortes que sejam, as raízes não conseguem vencer a luta com as marés, descreve Julião Chilengue, 39 anos, pescador que cresceu ali a conviver diariamente com uma paisagem moldada ao ritmo das marés.

"Está a mudar. As água rompem a própria ilha", ilha da Xefina que fica em frente ao bairro e por onde os pescadores costumam passar, fintando as correntes o melhor que sabem.

"Essas águas enrolam por aqui", diz, enquanto aponta para a areia da praia, comida, formando um socalco abrupto, mais à frente.

Jonas Paulo, 44 anos, outro morador, diz que um passeio pela zona vai revelar "outros sítios que estão derrubados", depois de terem desaparecido "os mangais", vegetação baixa, de inúmeras raízes, que aplacava as marés e as ondas.

"A água do mar respirava e agora já não consegue", refere com o mesmo olhar de um médico quando olha preocupado para um paciente.

Aqui, se a zona costeira fica doente, ninguém escapa: "quando as marés crescem, às vezes, chegam às casas" e esse é um drama que diz já estarem habituados a viver, de novembro a abril, na época chuvosa.

As autoridades depositaram toneladas de blocos de pedra na praia, à entrada do bairro, uma espécie de muro para impedir as ondas de avançar, porque a seguir, já não há areia, nem mangais.

A seguir estão a estrada e as casas. A estrada marginal "era uma duna, que tinha de um lado o mar e do outro mangais", descreve Daniel Oliveira, coordenador técnico da organização Justiça Ambiental, em Maputo.

A pressão urbanística da cidade fez com que os mangais dessem lugar a construções, fazendo do bairro de pescadores um exemplo das comunidades que fazem de Moçambique um dos países mais vulneráveis às mudanças climáticas.

"Temos as mudanças climáticas que aumentam o nível do mar e as tempestades", por um lado, e "uma concentração das águas devido à expansão da cidade", por outro.

Os moradores do Bairro dos Pescadores da Costa do Sol, assim como a maioria do 28 milhões de moçambicanos, que vivem sobretudo nas zonas costeiras, estão na linha da frente de uma luta a que nunca pediram para assistir - aliás, sempre foram dos que menos contribuíram para ela.

Ainda assim, foram brindados com dois ciclones de magnitude cinco no mesmo ano (Idai e Kenneth, no início do ano), que Daniel Oliveira encaixa no quadro dos sinais de alarme.

"Vamos ter sempre tempestades e cheias. O problema é que a magnitude está a aumentar, a frequência é maior e é cada vez menos previsível quando e como podem acontecer", refere.

A Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2015, em Paris, foi um primeiro passo para lutar, realça.

Mesmo parecendo cada vez mais difícil de atingir a meta de conter o aquecimento global abaixo de 2º C, "houve uma união" em torno de um objetivo, que agora, na reunião de Madrid (COP-25, até dia 13), tem de ser mais ambicioso.

Daniel Oliveira acredita que a chave está no combate às desigualdades, que os milionários aceitem enriquecer menos, visando financiar a mudança da produção de energia e outros paradigmas, sem comprometer o crescimento da economia mundial.

Moçambique, tal como outras nações em busca de desenvolvimento e industrialização, podem aproveitar para saltar etapas.

Tal como quem nunca teve telefones fixos em matas isoladas, mas agora tem acesso a vários telemóveis, a expansão da eletricidade no país já não precisa de usar carvão, mais poluente, mas pode recorrer a energias mais limpas.

Bernardo Nhampule, 50 anos, já ouviu falar destas alterações climáticas, mas passa à frente na conversa, porque aquilo que quer falar e conhece mesmo bem, são as ondas gigantes, ondas que lhe causam cada vez mais problemas

"Já sofremos bastante, nós que moramos lá ao pé dos mangais, coisas que não tínhamos sofrido dantes" e que o colocam a ele e aos vizinhos no grupo dos mais vulneráveis do planeta a qualquer sobressalto no mar ou no céu.

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