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"Não sou vedeta, sou um médico que vai à TV fazer serviço público"

O Lifestyle ao Minuto entrevistou o Dr. João Ramos, especialista em medicina geral e familiar conhecido pela rubrica ‘Médico de Família’ no programa da RTP ‘Agora Nós’ e pelo seu programa de sábado no mesmo canal ‘Diga Doutor’.

"Não sou vedeta, sou um médico que vai à TV fazer serviço público"
Notícias ao Minuto

09:00 - 27/10/16 por Vânia Marinho

Lifestyle Dr. João Ramos

Em entrevista exclusiva ao Lifestyle ao Minuto, o muitas vezes classificado como o Dr. Oz português, Dr. João Ramos, 38 anos, começa por destacar: “Não sou nenhuma vedeta, sou um médico de família que vai à televisão fazer serviço público e informar as pessoas para a saúde”.

Conta que foram as relações interpessoais e a possibilidade de acompanhar uma pessoa e a sua família ao longo de toda a vida que o fizeram escolher a especialidade de medicina geral e familiar e lamenta que “todos sejamos vítimas de um sistema [de saúde] que cada vez utiliza mais os tempos e os indicadores de saúde”.

Sendo que a medicina geral é muitas vezes vista como uma medicina menor, o que o fez optar por esta área e não outra mais ‘na moda’?

É verdade, quando se fala em medicina geral e familiar a população em geral ainda acha que estamos a falar do médico da Caixa. Isso mudou há muitos anos, a sociedade é que não está bem informada. A sociedade não sabe o que é que faz e qual é a especialidade do médico de família. 

Não é verdade, o médico de medicina geral e familiar seja um médico especialista como outro qualquer, a nossa especialidade hoje em dia é de quatro anos e nós somos especialistas na pessoa. Está muito na moda a medicina holística. Não há nenhuma especialidade tão holística como a medicina geral e familiar. Estamos preparados e somos treinados para ver a pessoa como um todo. A nós interessa-nos tudo, o bem-estar psico-social, a pessoa integrada na sua comunidade, no seu emprego, na sua família.

Mas, acredita que todos os médicos de família aplicam completamente a sua aprendizagem ou ainda há alguns que se ficam muito por passar exames e receitas?

O que se passa hoje em dia é que todos somos vítimas de um sistema que cada vez utiliza mais os tempos e os indicadores de saúde. Estamos a falar de dinheiro, de economia. Obviamente que nós temos todas as técnicas e os meios para avaliar uma família e avaliar um indivíduo no seio desta comunidade. Mas não conseguimos é em 15 ou 20 minutos fazer uma boa história clínica, perguntar os sintomas, ver os exames, apontá-los no computador e aplicar estas ferramentas com que nós nos formamos. Há aqui esta dificuldade. O que é que é mais importante? Registar? Ouvir a pessoa? Se nós fizéssemos tudo ‘by the book’ - como manda a lei – precisávamos de uma consulta de 40 minutos sempre, o que é incompatível com o Sistema Nacional de Saúde hoje em dia.

E de quem é a culpa?

A questão da organização na saúde é muito complexa e eu não sou um especialista na matéria nem gosto de entrar por aí, porque entramos na política. Mas de facto, os médicos de família são sobrecarregados por cada vez mais doentes. Ou seja, há menos médicos de família para a população. O ideal era que cada cidadão tivesse acesso a um médico de família, ou pelo menos cada família. O que se passa é que há muitas famílias sem médico de família. Portanto, os tempos de consulta são definidos consoante o horário e o que podemos dar para tantos utentes.

Quais são as consequências disso?

A pessoa sente muitas vezes que não tem essa ligação, que não há uma empatia por parte do médico, que a está a despachar, que já está a pensar na próxima consulta e que não tem tempo para ela.

Nós sabemos que nesta medicina é muito importante a parte da conversa. A componente psicológica é muito importante. As pessoas queixam-se muito de que “o médico nem olhou para a minha cara, esteve sempre a olhar para o computador”. Na minha prática clínica o que eu tento é reequilibrar esses tempos e tento estar pelo menos cinco minutos inteiramente a ouvir a pessoa, numa escuta ativa que é muito importante na medicina. E deixo que a pessoa saia e só depois é que faço os meus registos, mas é preciso ter uma boa memória.

O que mais o preenche na sua especialidade de trabalho?

As relações pessoais, sem dúvida. Que é no fundo também o que me fez escolher esta área. É um privilégio ter-me formado na especialidade médica que é a única que se especializa na relação interpessoal por excelência. Vemos pessoas que não estão doentes, que não querem ficar doentes e fazemos prevenção. Acompanhamos a pessoa pela vida fora, acompanhamos uma pessoa que pode vir a ser mãe e acompanhamos o seu filho. Há poucas especialidades em que isto acontece, portanto para mim é das especialidades maiores da medicina.

Chegou também a ser modelo. O que o cativou na moda e o que fez sair?

Essa experiência surgiu por acaso. Fui ver um desfile e acabei quase contratado. É daquelas histórias assim surreais. Tinha 18 ou 19 anos. Foi uma experiência interessante que me deu alguma ‘loucura’ para conseguir enfrentar as câmaras e o público. Hoje em dia sinto-me mais à vontade porque me exponho na minha profissão, falando da minha paixão.

A sua imagem também é uma das chaves do seu êxito?

O meu CV ainda hoje não tem uma fotografia. Nos vivemos numa sociedade em que a imagem é cada vez mais fundamental. Eu quando cheguei à RTP através de uma produtora. Não era conhecido. Gosto de acreditar que fui contratado para o programa mais pelas minhas qualidades humanas e de comunicador do que pela imagem.

Fui recomendado por um médico que eu ajudei a integrar no Centro de Saúde de Corroios e que era primo de uma rapariga que trabalha na RTP. Quando ela disse que estavam à procura de um médico esse meu colega sugeriu-me, porque além da imagem, reconheceu o meu dom de comunicar com as pessoas mais idosas e a forma simples com que passo a palavra e crio laços.

Como se sentiu nos primeiros programas?

Nas primeiras vezes estava mesmo muito nervoso. Quem vê o produto final lá em casa não tem noção da estrutura que está montada à nossa volta. Gravamos com quatro a cinco câmaras, tenho a régie a falar comigo no auricular, o diretor de estúdio a olhar para mim, tenho de estar atento ao meu convidado e a ler um teleponto, coisas que eu nunca tinha feito na vida. Os dois primeiros programas foram maus. É preciso ter alguma dose de loucura e ter muita confiança no que se está a fazer e na equipa com que se está a trabalhar.

Neste programas as perguntas são feitas em direto e não tem nenhuma ‘rede’, certo? 

Sim, as perguntas entram em direto e podem perguntar o que quiserem. Mesmo quando existe um alinhamento entregue à Tânia e ao Zé Pedro, prefiro não saber, nem as perguntas que os apresentadores vão fazer.

É sempre fácil responder assim?

Para mim é, é assim é que é o nosso dia a dia. Hoje em dia as pessoas ainda antes de irem à consulta já foram ao 'dr. Google' ver o que as preocupa, umas vezes bem outras vezes mal. Porque a internet é um mundo em que nem sempre conseguimos distinguir a informação fidedigna. Prefiro que me perguntem por excesso do que por defeito.

Houve assim algum momento ou alguma pergunta mais difícil nos seus programas?

Eu sou muito extrovertido e comunicador e é curioso mas das vezes em que fico mais encabulado e aflito é quando me fazem elogios em direto. As senhoras mais velhas às vezes dizem que eu sou um borracho ou que tenho um sorriso lindo e eu dou por mim envergonhado, o que é uma coisa muito difícil de me acontecer. Estando em direto fico meio sem jeito. Mas também já me fizeram perguntas difíceis. Por exemplo, já me aconteceu o tema ser hemorroidas e estarem-me a perguntar sobre a prática de sexo anal, isto é uma pergunta que em direto fica um pouco difícil de responder. Mas em dois anos nunca tive daquelas situações em que fiquei completamente sem resposta.

Há algum tema que prefira evitar?

Não, não tenho temas tabu. Para mim tudo o que seja para informar as pessoas e para promover a educação para a saúde é válido.

O que é que consegue acrescentar no 'Diga Doutor' que não consegue na rubrica 'Médico de Família'?

O que gostei especialmente nesta evolução da minha rubrica para o meu programa foi ter mais controlo sobre aquilo que quero fazer. O formato saiu da minha cabeça, a RTP deu-me rédeas livres para eu formatar o meu programa. Um dos pontos que mais me agrada neste formato é poder partilhar com a comunidade o excelente trabalho de alguns dos meus colegas. Ou seja, posso descentralizar a atenção em mim e partilhar e mostrar o que de melhor há na medicina em Portugal.

E como os espectadores têm respondido aos seus programas?

É um pouco ainda estranho para mim de repente ser dos médicos mais conhecidos em Portugal e ser médico de família. A nossa sociedade estava preparada para ver como famosos um cirurgião plástico, um pediatra, por aí fora. A sociedade não estava habituada a que um médico de família tivesse destaque e eu venho romper com esse conceito, venho ser uma espécie de pioneiro. Embora nós no passado tivessemos pessoas como por exemplo o professor Fernando Pádua, que eu não me canso de referir, porque de facto é um exemplo e um herói para todos nós. Ele fez o que eu faço agora, melhor e com muito menos meios, porque não havia internet nem esta abertura da sociedade ou de um médico ir explicar coisas à televisão.

O que vejo é que as pessoas me reconhecem e acarinham na rua, são muito ativas a dizer o que querem ver ser tratado no programa. Orgulha-me as pessoas dizerem que ficaram a perceber tudo, como nunca antes tinham percebido. Este é o melhor elogio que me podem dar e dá-me muito alento para continuar. O que está na base da rubríca e do programa é fazer serviço público. Educar a população para a saúde.

A comunidade médica recebe-o bem?

Poderá haver alguma certa inveja, não nego, mas eu não a sinto. Antes pelo contrário, sinto que as pessoas gostariam de estar no meu lugar e sinto que sou uma extensão dos milhares de médicos de família que existem em Portugal porque aquilo que eu muitas vezes digo, dizemos dentro do consultório, mas em vez de chegar apenas a um paciente chega à comunidade portuguesa, cá e lá fora. Não me sinto mais famoso nem melhor, mas o mais mediático. Sinto-me com mais poder, tenho noção de o que eu digo na televisão poderá corresponder a uma grande responsabilidade e um grande impacto e penso nisso todos os dias.

Com uma vida tão agitada consegue ter tempo para os seus pacientes e para si?

Sim, sou completamente obcecado por isso. Por não preterir o tempo para aquilo que mais gosto de fazer. Tenho colegas que acham que eu já quase não faço clínica. Eu não troco a clínica por nada, porque sinto que ainda agora estou a começar, sou médico há poucos anos. Para já, o que eu mais gosto e que não troco por nada é a consulta. Todos os dias trabalho, trabalho em seis clínicas, estou a escrever o meu segundo livro [que é sobre medicina preventiva e que deve sair no início do próximo ano], mas não me posso queixar, habitualmente tenho os fins de semana livres. É uma questão de organização e como se costuma dizer: “Quem corre por gosto não cansa”.

No seu perfil no site da RTP pode ler-se que o seu principal interesse é a “humanização dos cuidados primários de saúde”, o que acha que é preciso mudar para isso acontecer?

Essa frase está no meu perfil da RTP e está no meu currículo. Pensei em pôr esta frase porque, com a evolução da medicina e com as várias especializações que vamos fazendo, esquecemo-nos do principal. As pessoas precisam muitas vezes de coisas bem mais simples. As pessoas precisam de ser ouvidas e isso é a humanização da medicina.

Há quem o considere o Dr. Oz português, identifica-se com ele de alguma forma?

Não, esse não sou eu, nem gosto dessa colagem. Não que tenha algo contra o Dr. Oz, ele é um excelente cirurgião cardiotoráxico. E para cirurgião ele tem também o dom da comunicação, mas não podemos comparar a realidade dos Estados Unidos, o conceito de media e de formação para a saúde que leva uns 20 ou 30 de avanço dos nossos. E eles são demasiado comerciais para o meu gosto, prefiro manter-me num registo mais sóbrio, menos ‘show off’, menos ‘pop star’. Não sou nenhuma vedeta, sou um médico de família que vai à televisão fazer serviço público e informar as pessoas para a saúde, o Dr. Oz está um pouco mais à frente. No entanto, percebo que me colem a ele porque não há muitos programas como o meu em Portugal. É normal, não levo a mal a colagem mas não me revejo.

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