ELA. A doença sem cura onde os cuidadores são "anjos da guarda"

Este sábado, 21 de junho, assinala-se o Dia Mundial da Esclerose Lateral Amiotrófica, também conhecida por ELA. O Lifestyle ao Minuto falou com o fisioterapeuta Eduardo Gonçalves para perceber melhor esta doença sem cura, o papel dos cuidadores e o que pode ser feito para melhorar a qualidade de vida.

ELA, doente

© Shutterstock

Adriano Guerreiro
21/06/2025 08:04 ‧ há 4 horas por Adriano Guerreiro

Lifestyle

Esclerose Lateral Amiotrófica

A Esclerose Lateral Amiotrófica, também conhecida por ELA, e a Esclerose Múltipla (EM) podem parecer doenças idênticas, mas há muita coisa que as distingue. Neste dia mundial Dia Mundial da Esclerose Lateral Amiotrófica, que se assinala este sábado, falámos com Eduardo Gonçalves, fisioterapeuta com especialização em ventilação na Linde Saúde, para perceber mais sobre esta doença sem cura, de que forma os cuidadores têm um papel fundamental e como pode existir uma melhoria da qualidade de vida.

 

"Estamos a falar de uma doença que acarreta uma perda motora progressiva ao ponto de o doente poder ser incapaz de produzir qualquer movimento. Muitos destes doentes apresentam um quadro de demência que é comum na ELA. Perante cenário, apraz-me dizer que o cuidador será um anjo da guarda", revela o especialista.

O diagnóstico é um tam complexo uma vez que grande parte dos sintomas precoces são difíceis de detetar. Contudo, existe alguma esperança nos últimos avanços conseguidos.

"Ao longo dos anos o diagnóstico tem vindo a ser mais célere.  No concreto, podem existir estudos de eletromiografia, que significa estudar a corrente elétrica dos nossos músculos, procurando anomalias."

Existem ainda muitas mudanças que podem ser feitas e que não dependem da evolução da ciência. Eduardo Gonçalves deixa um alerta para a rede de cuidados continuados. Encontra-se sobrecarregada e a que existe por vezes nem sempre está preparada na sua estrutura de recursos humanos.

  Notícias ao Minuto  Eduardo Gonçalves é fisioterapeuta com especialização em ventilação na Linde Saúde© Linde Saúde  

O que é a Esclerose Lateral Amiotrófica? 

A Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) é uma doença neurodegenerativa, ou seja, acarreta a perda ou destruição de estruturas neurológicas fundamentais, que além do mais é rapidamente progressiva ao ponto de ser fatal, por não ter cura. 

Em que se distingue de outro tipo de esclerose?

Porventura, a dúvida de grande parte dos leitores reside na diferença entre a ELA e a Esclerose Múltipla (EM). Como referi anteriormente, a ELA caracteriza-se pela sua progressão muito rápida, conduzindo à morte do doente, dois a cinco anos após o diagnóstico. E este declínio é constante, o que contrasta com a EM. Na EM a progressão é muito mais lenta, acompanhado de fenómenos do tipo “exacerbação/remissão”, ou seja, momentos de agravamento e acalmia. No concreto, isto traduz-se numa vida potencialmente longa, podendo ainda assim ser ligeiramente inferior à generalidade da população. 

Qual é o grau de prevalência em Portugal?

Esta questão aparentemente simples, é na verdade complexa porque não existem dados concretos. Existem alguns estudos sobre prevalência em Portugal. Equipas científicas estimaram este valor por cálculo indirecto, nomeadamente pelo consumo de determinados fármacos específicos nesta doença (Riluzole), assim como através da aplicação de alguns questionários e métodos estatísticos complexos, tendo encontrado uma prevalência aproximada de 10 casos por cada 100.000 habitantes. Estamos por isso a falar de cerca de 800 a 1000 casos, sendo maior nos homens do que nas mulheres.  Ainda assim, parece existir uma assimetria no nosso território, que apresenta uma prevalência mais elevada na zona norte e centro, comparativamente com a zona sul do país.  Além do mais, parece existir um aumento no número de casos ao longo dos anos, muito embora possam estar associados ao aumento da esperança média de vida, assim como à maior capacidade de diagnóstico e detecção precoce da doença. 

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Como é feito o diagnóstico?

O diagnóstico é manifestamente complexo. Por vezes, os sinais precoces são difíceis de detectar e de associar concretamente a esta doença, o que explica os vários casos cujo diagnóstico é tardio. Ainda assim, ao longo dos anos o diagnóstico tem vindo a ser mais célere.  No concreto, podem existir estudos de eletromiografia, que significa estudar a corrente elétrica dos nossos músculos, procurando anomalias. Contudo, é necessário fazer muitos outros estudos de modo a excluir outras doenças potenciais. A isto chama-se “Diagnóstico Diferencial”, ou seja, o conjunto de estudos fundamentais para excluir todas as outras hipóteses potenciais. 

Muitos sintomas são idênticos nas mais variadas doenças, e por vezes, até fenómenos de ansiedade facilmente mimetizam sintomas físicosQuais são os principais sintomas? 

Falar de sintomas é sempre um tema sensível. Atualmente, a sociedade pesquisa no “Dr. Google” sobre doenças, e facilmente se identifica com um conjunto de sintomas. A verdade é que muitos sintomas são idênticos nas mais variadas doenças, e por vezes, até fenómenos de ansiedade facilmente mimetizam sintomas físicos sendo por isso necessária uma avaliação médica rigorosa. Em todo o caso, os doentes podem apresentar sinais de fraqueza dos membros, dificuldade de deglutição, fasciculações, entre outros. Depende também da tipologia dos moto-neurónios afetados. 

Existe uma cura?

Como foi referido, trata-se de uma doença fatal, e de progressão rápida. Existe medicação que tenta atrasar a progressão da doença e da perda da função respiratória, mas não existe cura. 

Como podem ser ultrapassados os desafios físicos e emocionais?

Diria que nenhum deles será certamente ultrapassado. A dúvida é como podem ser geridos. Os sintomas físicos, idealmente através de uma coordenação de proximidade entre o médico, o doente, a família, e os profissionais de saúde das empresas de cuidados respiratórios domiciliários que fazem a gestão da ventilação e do manejo de secreções nestes doentes. A nível emocional, a existência de uma retaguarda familiar estruturada é fundamental, tal como o apoio de psicólogos integrados nas equipas de paliativos ou mesmo particulares. Em todo o caso, cada indivíduo é único a lidar com a doença e com a adversidade. Alguns encontram na fé a força motriz para a aceitação, e com isso fazer o caminho das pedras com maior capacidade de aceitação. Mas é de uma violência incrível. 

A parte respiratória é algo que pode ser afetada?

A afectação respiratória é primordial. Uma vez que o sistema motor é afectado, os músculos responsáveis pela respiração também o são. Deste modo, o doente caminha rapidamente para uma dependência ventilatória, isto é, para a necessidade de permanecer ligado a um ventilador para respirar, e portanto, para viver. Na fase mais avançada, esta dependência é total. Existirá um momento em que o doente poderá optar pela traqueostomia como estratégia para prolongar o tempo de vida, isto porque, o ventilação por via de uma máscara deixa de ser possível, e só a traqueostomia permite aumentar o tempo de vida. Além disso, estes doentes perdem a capacidade de tossir, e portanto de eliminar secreções, ficando altamente expostos ao risco de infeção. Existem equipamentos que ajudam a remover secreções, mas tudo isto é um desafio contínuo e diário. 

É possível viver com Esclerose Lateral Amiotrófica?

Esta é uma pergunta filosófica que me leva a questionar, 'o que é viver?'. Não há certamente uma só resposta. Em todo o caso, estou certo que passará certamente pela capacidade de sentir e interagir com as nossas emoções e com as dos outros que nos rodeiam. E isso passa por sentir o amor, partilha, dedicação, compaixão, amizade, aprendizagem e reflexão. Acredito que tudo isto aconteça na vida de um doente. E entre ele e todos os seus familiares, amigos, cuidadores e profissionais de saúde. Portanto sim. Acredito que se pode viver com ELA, embora esse tempo seja curto, e de uma violência física e emocional avassaladora. 

Qual o impacto no dia a dia dos doentes?

Total. Por um lado, a consciência imediata de finitude. Mas mais do que esse fim, o 'caminho das pedras' que terá de ser percorrido. Sem retorno. 

Qual a importância de um cuidador nesta doença?

Estamos a falar de uma doença que acarreta uma perda motora progressiva ao ponto de o doente poder ser incapaz de produzir qualquer movimento. Do ponto de vista respiratório, uma dependência progressiva a um ventilador, até ao ponto desta dependência ser 24h por dia. Além disso, muitos destes doentes apresentam um quadro de demência que é comum na ELA. Perante cenário, apraz-me dizer que o cuidador será um anjo da guarda. A existência de Unidades de Cuidados Continuados específicas e exclusivas para doentes sob dependência ventilatória seria fundamental.O que poderia ser feito por parte de entidades competentes para conseguir melhorar a qualidade de vida quer de doentes e cuidadores?

A rede de cuidados continuados encontra-se sobrecarregada, e a que existe por vezes nem sempre está preparada na sua estrutura de recursos humanos (rácio de profissionais/doente e formação avançada em ventilação) para receber estes doentes nas fases mais avançadas da doença, nomeadamente para descanso do cuidador, que é fundamental. A existência de Unidades de Cuidados Continuados específicas e exclusivas para doentes sob dependência ventilatória seria fundamental. Gostava muito que esse fosse um tema levado a debate político. Depois, temos a questão dos cuidados paliativos. Por um lado, a oferta não é homogénea no país, e muitas vezes não chega a todos aqueles que é necessário, ou tarda em chegar.  

Como se pode melhorar a qualidade de vida dos doentes?

A relação próxima entre a equipa médica e as empresas de cuidados respiratórios domiciliários, que prestam o serviço de fornecimento dos ventiladores; aspiradores de descrições; formação dos cuidadores; acompanhamento periódico do doente,  é fundamental para manter o hospital informado da condição do doente, e ser possível uma optimização terapêutica no sentido de promover o conforto do doente. Externamente, associações como a APELA são fundamentais no apoio aos doentes e seus cuidadores. Por outro lado, como referi anteriormente, a questão das Unidades de Cuidados Continuados especializadas em doentes dependentes de ventilação. Elas não existem, mas podia ser tema de discussão pública. 

Leia Também: Doença ELA. O diagnóstico precoce é importante, segundo pneumologistas

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