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Investigação em cancro: "Há cada vez mais armas para reverter a doença"

Joana Paredes, investigadora da Associação Portuguesa de Investigação em Cancro, é a entrevista do Vozes ao Minuto desta sexta-feira.

Investigação em cancro: "Há cada vez mais armas para reverter a doença"
Notícias ao Minuto

07:35 - 14/10/22 por Adriano Guerreiro

Lifestyle Cancro

A investigação em cancro é um dos mecanismos fundamentais para se conseguirem melhores formas de tratamento e diagnóstico da doença. Nos últimos anos, a evolução foi bastante positiva. Hoje, viver e sobreviver com cancro é uma realidade bem diferente do que no passado.

“Cada vez há mais armas terapêuticas que revertem o curso da doença”, explica ao Lifestyle ao Minuto Joana Paredes, investigadora da Associação Portuguesa de Investigação em Cancro (ASPIC).

Esta associação apresentou recentemente um estudo em que fez um relato de como tem sido feita a investigação nesta área em Portugal. Joana Paredes explica que foram encontradas várias falhas e que é preciso melhorar muito no país. “Os dados apontam para um sistema de inovação que não está devidamente desenvolvido.”

Este tipo de investigação torna-se bastante importante a curto e a longo prazo. “A prevenção vai reduzir as taxas de mortalidade por cancro. Mas a investigação também, uma vez que apresenta novas soluções para o diagnóstico, estratificação de doentes e tratamento."

 O conhecimento produzido ainda carece de consolidação e de tradução eficaz em benefício do doente oncológico ou da sociedade

Qual a importância de um estudo deste género no panorama nacional?

Este estudo é extremamente importante, pois fornece um retrato da investigação em cancro a nível nacional, nos últimos dez anos, fazendo um mapeamento dos resultados da investigação e dos seus principais atores. O objetivo foi identificar pontos fortes e alavancas para posicionar Portugal como uma voz forte na investigação em cancro a nível global.

O que está a falhar na investigação em cancro em Portugal?

O estudo realizado demonstrou que, de uma forma geral, o sistema de investigação nacional em cancro está em expansão e é capaz de produzir investigação de excelência que é competitiva a nível europeu. No entanto, o conhecimento produzido ainda carece de consolidação e de tradução eficaz em benefício do doente oncológico ou da sociedade. Os dados apontam para um sistema de inovação que não está devidamente desenvolvido. 

Os ensaios clínicos foram apontados como uma das falhas no país. Neste caso específico, o que não está a ser feito? 

No que se refere a ensaios clínicos, apesar de o número ter aumentado significativamente na última década, Portugal apresenta ainda um ecossistema de ensaios clínicos subdesenvolvidos. Os ensaios que existem são altamente dependentes do apoio privado, o que implica um perfil mais alinhado com os interesses da indústria farmacêutica, e potencialmente menos alinhado com as necessidades clínicas específicas do país ou de cada centro hospitalar envolvido nos estudos. Seguindo esta mesma linha, os centros clínicos portugueses estão principalmente envolvidos em grandes ensaios multicêntricos e multinacionais.

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E o que pode ser feito para contrariar essa tendência?

É preciso criar centros especificamente dedicados à investigação em oncologia, com financiamento sustentável, incluindo centros académicos, centros clínicos e indústria. Esta ação pode ser atingida através da estruturação das instituições e recursos já existentes, considerando a possibilidade de constituição de Cancer Research Hubs.  Os ensaios clínicos devem ser vistos como um investimento por parte do estado e das instituições hospitalares, uma vez que poderão trazer um retorno significativo, quer a nível financeiro, quer, sobretudo, a nível clínico, dado que proporcionam o acesso precoce a fármacos inovadores.

Há medidas concretas que, do ponto de vista da ASPIC, fazem sentido nesta área: criar condições, infraestruturas, recursos humanos, sobretudo recursos qualificados para fazer gestão dos projetos e dos dados gerados, assim como condições financeiras para criar ensaios da iniciativa do investigador, ensaios promovidos pela indústria e ensaios de fase precoce.

Que outras soluções podem ser encontradas para reverter as falhas da investigação? 

É preciso investir em instrumentos, infraestruturas e recursos humanos transversais, dedicados a promover a translação da investigação básica em abordagens que gerem produtos inovadores e que tenham impacto clínico. É importante possibilitar a existência de financiamento dedicado à investigação em cancro, ao invés deste financiamento estar disperso por diferentes áreas quando olhamos, por exemplo, para os concursos da FCT [Fundação para a Ciência e a Tecnologia]. Neste momento não há uma entidade que financie especificamente cancro, à exceção da Liga Portuguesa Contra o Cancro e de alguns concursos esporádicos por parte de entidades privadas. Desta forma haveria mais espaço para financiar projetos translacionais e que se aproximassem mais da clínica.

Também é preciso assegurar que o financiamento em investigação em cancro é estável, no tempo e no valor, e lançar concursos em que os projetos sejam de maior envergadura, de forma a permitir uma continuidade na investigação.

Que modelo existe na Bélgica que poderia ser aplicado em Portugal?

O sistema belga tem uma excelente reputação em termos de investigação clínica, sendo o país com o maior número de registos de ensaios clínicos e de publicações. Isto deve-se essencialmente à existência de centros dedicados, profissionais de saúde treinados a trabalhar nestes centros e a uma razoável rapidez e facilidade nos processos reguladores. Têm infraestruturas próprias, recursos humanos estáveis e treinados, e um modelo organizativo que lhes dá uma maior eficiência no recrutamento de doentes e na realização dos ensaios.

O número de casos e mortes por cancro em Portugal tem vindo a aumentar nos últimos anos?

Em 2019, no mundo, registaram-se 23,6 milhões de novos casos e dez milhões de mortes, o que representa um acréscimo de 26,3% e 20,9%, respetivamente, em relação a 2010. Em Portugal, o número de novos casos e de mortes também cresceu, mas as percentagens não foram tão elevadas: mais 5,4% no primeiro caso e mais 10,3% no segundo. Neste período, Portugal passou de 29 mil mortes para 32 mil. 

 Algumas destas mortes seriam evitáveis com maior apoio governamental e financiamento para programas de deteção precoce, prevenção primária e secundária

Acredita que uma melhor investigação poderia ajudar na diminuição destes números?

Claro que sim. Os números elevados em termos de incidência e de mortalidade devem-se sobretudo ao envelhecimento da população. Somos um dos países mais envelhecidos da Europa, sendo que o maior fator de risco para o aparecimento do cancro é, precisamente, o envelhecimento. No entanto, algumas destas mortes seriam evitáveis com maior apoio governamental e financiamento para programas de deteção precoce, prevenção primária e secundária (rastreios) e tratamento. Além disso, se existir uma estratégia nacional que permita aos investigadores avançarem com o seu trabalho e que facilite a execução de mais ensaios clínicos no país, irá permitir que os doentes tenham mais acesso a fármacos inovadores.

Quais são os tipos de cancro mais comuns no país?

A informação mais recente que temos refere-se ao ano de 2020, em que foram diagnosticados 60.467 casos de cancro. O cancro colorretal (10501, 17.4%) foi o mais frequente, seguido pelo cancro da mama (7041, 11.6%) e pelo cancro da próstata (6759, 11.2%). O quarto e quinto mais frequentes são o cancro do pulmão (5415, 9%) e o cancro do estômago (2950, 4.9%). Se dividirmos por género, o cancro da próstata (20%) é o mais prevalente nos homens, seguido pelo cancro colorretal (19%) e pelo cancro do pulmão (11,6%). No caso das mulheres, o cancro mais frequente é o cancro da mama (26,4%), seguido pelo cancro colorretal (15,3%) e pelo cancro do pulmão (5,6%).

Em que medida estes anos de pandemia afetaram a investigação em cancro?

Durante a pandemia, houve uma diminuição significativa no número de ensaios clínicos e no recrutamento de doentes. Também a investigação básica nesta área teve repercussões, uma vez que as instituições fecharam e, quando reabriram, houve uma redução acentuada do número de investigadores que podiam estar nos laboratórios, assim como do tipo de trabalho que se podia fazer. 

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A pandemia dificultou o diagnóstico de cancro, por ter havido uma fuga aos hospitais?

Durante a pandemia de Covid-19, houve um declínio significativo no rastreio de cancro, em diferentes países e também em Portugal, que levou a uma diminuição do número de casos de cancro diagnosticados. No período mais crítico da pandemia, cerca de cinco mil cancros não foram diagnosticados. 

O que se pode fazer para reverter esta situação do diagnóstico, uma vez que quanto mais precoce for detetado maiores são as hipóteses de sobrevivência?

O diagnóstico tardio não pode ser revertido. Tem de se apostar num melhor acompanhamento destes doentes e proporcionar-lhes o melhor tratamento possível.

Viver e sobreviver nos tempos atuais com cancro é diferente do que era no passado?

Sim. Cada vez há mais armas terapêuticas que revertem o curso da doença. O recente aparecimento da imunoterapia é um excelente exemplo, que veio melhorar o tratamento e, consequentemente, as taxas de sobrevivências, dos doentes com cancro do pulmão, bexiga ou melanoma.

 Podemos perceber que a investigação é essencial para encontrarmos soluções para aquilo que ainda não conseguimos tratar

As taxas de sobrevivência poderão ser mais elevadas com uma aposta na investigação?

Sem dúvida nenhuma. A prevenção, por um lado, vai reduzir as taxas de mortalidade por cancro. Mas a investigação também, uma vez que apresenta novas soluções para o diagnóstico, estratificação de doentes e tratamento.

A investigação em cancro vive também muito da evolução tecnológica?

Completamente. A evolução da investigação em cancro depende da evolução das tecnologias que temos disponíveis, que nos permitem fazer e estudar cada vez mais em pormenor a biologia de um tumor.

Como se perspetiva a investigação nos próximos anos?

As perspetivas são ótimas. Se virmos a evolução que houve, nos últimos 20 anos, em termos de fármacos disponíveis para tratamento de doentes oncológicos, que foram produzidos devido ao investimento feito em investigação, podemos perceber que a investigação é essencial para encontrarmos soluções para aquilo que ainda não conseguimos tratar.

Que trabalhos promissores estão a ser feitos tanto em Portugal, como no estrangeiro, que possam dar novos avanços sobre a doença?

A investigação é feita por uma comunidade de pessoas que trabalham para um bem comum. O conhecimento gerado em qualquer país, permite que se avance e se cheguem a soluções ganhadoras. Toda a investigação é importante e necessária quando feita numa área em que o conhecimento é escasso. Assim o é também na área do cancro.

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